“É inquestionável a grave conseqüência do crime praticado que ceifou a vida de um adolescente que fazia parte da população economicamente ativa e tinha uma expectativa de vida alta”, e3nfatiza o recurso. “Além disso, era arrimo de família, pois ajudava os pais nos afazeres domésticos e possuía emprego fixo e remunerado que contribuía sobremaneira para o sustento da família”, acrescenta o promotor Franklin Lobato Prado, cujo recurso é transcrito logo abaixo, na íntegra.
Processo n° 001.2002.2.004525-8
Apelante: JUSTIÇA PÚBLICA
Apelado: MAURÍCIO CÉSAR SOARES BEZERRA
RAZÕES DE APELACÃO.
Egrégio Tribunal
Colenda Câmara
Douta Procuradoria de Justiça
DOS FATOS
Narra a peça inquisitória, em anexo, que embasa a presente apelação, que no dia 20 de março de 2000, o menor de idade, à época com 16 anos, EBER LEÃO MACHADO, foi internado no Hospital da Ordem Terceira, afim receber atendimento médico, em decorrência de inchaço que apresentava em sua perna esquerda.
É importante salientar, que a vitima só veio a receber atendimento médico um dia depois de sua internação, isto é, em 21 de março do referido ano; ficando, a partir desta data, sob os cuidados do condenado MAURÍCIO CÉSAR SOARES BEZERRA.
O condenado, sem solicitar qualquer exame laboratorial, e, baseado apenas na sua observação empírica acerca dos fatos, diagnosticou o quadro da vítima como sendo “erisipela".
Em razão disto, determinou que a vítima ficasse deitada com a perna esquerda acima do nível do resto de seu corpo, para que o inchaço pudesse escoar até o sistema urinário, já que a circulação natural de perna estava afetada pela enfermidade.
Ademais, determinou que fossem ministradas alta doses de antibiótico na vítima, cujo conteúdo o Promotor signatário da denúncia, à época, Dr. Izaias Medeiros de Oliveira, passou a pormenorizar: antibioticoterapia múltipla composta de cefalotina 4g; Metronidazol 1,5g e Amicaina 4g, todas com aplicação diária por via intravenosa. Além de receitar antiflamatório e anticoagulante.
Após o prévio e superficial atendimento acima descrito, o condenado saiu das dependências do Hospital da Ordem Terceira, ali só retomando, dois dias depois, ou seja, em 23.02.2000.
É de suma importância esclarecer, que, no intervalo correspondente aos dias 21 a 23 de março, a vítima ficou sem qualquer atendimento médico, o que contribuiu decisivamente para o agravamento da situação; além de constatar, desde logo, que a medicação ministrada pelo condenado não estava surtindo qualquer efeito, no sentido de melhorar o estado de saúde da vítima.
A situação do ofendido em verdade, estava se agravando, ao ponto de sua perna esquerda chegar a "vazar'. Tai fato coincidiu com o momento em que o condenado retomou ao Hospital, e só então, tomou ciência do que estava acontecendo.
Diante da urgência do quadro (ou melhor, diante da urgência em que se deixou chegar o quadro, o condenado resolveu realizar, no dia seguinte, isto é, em 24.02.2000, uma intervenção cirúrgica na perna da vítima.
Segundo informou aos responsáveis do menor púbere Éber Leão Machado, o procedimento corresponderia a um corte de 2 dois cm na perna esquerda deste, para a colocação de um dreno.
Entretanto, não foi o que ocorreu, pois, no dia seguinte, o condenado, ao invés de realizar um corte de 2 cm, como havia informado, proferiu uma circuncisão de 20 (vinte) em na perna esquerda do ofendido, isto é, 10 (dez) vezes maior que o previsto.
Podemos estabelecer até uma analogia entre este último fato (o procedimento cirúrgico), e o atendimento prestado pelo condenado à vítima, qual seja: a gravidade do estado de saúde de ÉBER foi sempre muito superior aos cuidados e as previsões do médico condenado.
O mais estranho de tudo, é que o condenado omitiu este fato dos responsáveis da vítima, que só tomaram ciência do corte de 20 cm, no dia seguinte e isso porque, perceberam que o couro gorduroso da perna de seu filho - vítima - estava solto.
Assustados com a situação, resolveram telefonar para o condenado, solicitando que este se dirigisse ao Hospital. A solicitação foi atendida e, após avaliar o estado da vítima, o condenado resolveu encaminhá-la para outro médico, especialista em angiologia, o Dr. ABÍLIO CARLOS RIZZIOLLI.
Dr. Abílio, de imediato, realizou novo procedimento cirúrgico (debridamento de facite necrotizante) e, depois disso, determinou que a vítima voltasse para a unidade de tratamento intensivo, onde havia ingressado no dia anterior (24.02.2000).
No dia 28.02.2000, o condenado realizou nova limpeza cirúrgica e fasciotomia na coxa esquerda da vítima.
Após o procedimento, o paciente apresentou quadro de hemorragia digestiva alta, mantendo pequenos episódios hemorrágicos subseqüentes, que foram provocados pelas altas doses de antibióticos receitadas pelo condenado.
Em que pese o quadro acima descrito, apenas no dia 14.03.2000, a vítima foi submetida a uma endoscopia digestiva alta, que diagnosticou as seguintes enfermidades: esofagite, gastrite erosiva e duodenite erosiva.
Todavia, tal diagnóstico não teve função alguma, já que naquele mesmo dia, o menor púbere, ÉBER LEÃO MACHADO, veio a fenecer, em decorrência do agravamento de seu quadro clínico que provocou-lhe parada cárdio-respiratória irreversível.
DA PRESCRIÇÃO RETROATIVA
Este signatário, na qualidade de Promotor de Justiça respondendo pela 9 ª Promotoria de Justiça de Crimes contra Crianças e Adolescentes, deparando-se com o presente processo que versa sobre homicídio culposo com causa de aumento de pena, cometido no dia 04 de março de 2000, não pode requerer a extinção da punibiliade com base na prescrição, uma vez que, antes da condenação, a prescrição é calculada com base na maior pena possível. Ocorre que a maior pena possível do homicídio culposo com causa de aumento de pena é de quatro anos, sem outras circunstâncias desfavoráveis, e o maior aumento decorrente da inobservância da regra técnica de profissão de médico, é de um terço (como se busca a maior pena possível, deve-se levar em conta o maior aumento resultante da inobservância da regra técnica de profissão de médico, pois quanto mais se aumenta, maior fica a pena), sem outras majorantes.
Tomando-se quatro anos (máximo da pena in abstracto), chega-se à maior pena que um juiz pode aplicar ao homicídio culposo com causa de aumento de pena: quatro anos de detenção sem levar em consideração outras circunstâncias judiciais desfavoráveis e outras causas de aumento de pena. O prazo prescricional correspondente a quatro anos é de 8 anos (Cf. art. 109, IV, do CP).
Ainda não teria ocorrido, portanto, a prescrição, com base no cálculo pela pena abstrata (cominada no tipo) à época das razões finais subscritas pelo Dr. César Mota.
A MM. Juíza de Direito, porém, condenou o acusado a 3 (três) anos e 8 (oito) meses de detenção. Confirmando-se essa possibilidade, teria ocorrido a prescrição retroativa porque entre o recebimento da denúncia, no dia 29 de maio de 2002 às fls. 67, causa interruptiva da prescrição e a sentença condenatória recorrível, no dia 28 de setembro de 2010 às fls. 215, causa interruptiva da prescrição, já transcorreu mais de 8 anos, razão pela qual o Parquet está recorrendo com a finalidade de aumentar a pena.
DA DOSIMETRIA DA PENA
MAURÍCIO CÉSAR SOARES BEZERRA, qualificado nos autos da ação em epígrafe, foi devidamente processado e condenado pela MM. Juíza de Direito Titular da 22 ª Vara de Crimes contra Criança e Adolescência, Dra. Maria das Graças Alfaia da Fonseca, como incurso no artigo 121, § 4º, do Código Penal, porque, no dia 20 de março de 2000, o menor de idade, à época com 16 anos, EBER LEÃO MACHADO, foi internado no Hospital da Ordem Terceira, afim receber atendimento médico, em decorrência de inchaço que apresentava em sua perna esquerda e acabou falecendo em conseqüência de erro médico que aconteceu na etapa de tratamento e atendimento perpetrado pelo condenado.
Ao final, pela r. sentença prolatada a fls. 212/215, restou condenado pela MM. Juíza de Direito Titular da 22 ª Vara de Crimes contra Criança e Adolescência, Dra. Maria das Graças Alfaia da Fonseca, à pena de 3 (três) anos e 8 (oito) meses de reclusão, a serem cumpridos em regime semi-aberto.
Em sede de individualização da pena, quanto à culpabilidade, a magistrada considerou: a conduta desenvolvida pelo réu intensamente reprovável, pois denota relaxamento profissional, desatenção, descaso para com a vida de seus pacientes. Possui bons antecedentes criminais. Quanto à sua conduta social, não há nos autos elementos suficientes para aferi-la. A ela personalidade parece ser a de indivíduo descuidado e desleixado e, além disso, é negligente em sua profissão. Os motivos e as circunstâncias do crime, tão ligados ao descuido em sua atuação profissional e ao pouco caso para com as vidas de seus pacientes. As conseqüências foram gravíssimas, considerando-se que houve o falecimento da vítima, que, por sua vez, não contribuiu e nem poderia ter contribuído para o evento.
Analisadas tais circunstâncias judiciais, que são, preponderantemente, desfavoráveis ao réu, fixou-lhe a pena-base em 2 (dois) anos e 09 (nove) meses de detenção.
Ressaltou inexistirem circunstâncias atenuantes ou agravantes.
Na terceira fase, verificou a nobre e culta magistrada a inexistência de diminuição de pena presente a causa de aumento de pena do § 4° do artigo 121 do C. P, razão pela qual majorou a pena do acusado em 1/3, passando sua pena a ser em 03 três) anos e 8 (oito) meses de detenção que tornou concreta e definitiva.
Determinou que o réu cumprisse a pena em regime inicial semi aberto, conforme disciplina o art. 33, § 2°, "h" do C. P.
Esclareceu que o artigo 387 do Código de Processo Penal estabeleceu, em seu inciso V, que a sentença condenatória deverá fixar o valor mínimo para reparação dos danos causados pela infração.
Aduziu que é cediço que a obrigação de indenizar, no âmbito cível, advém da forma do artigo 186 do Código Civil, o qual estabelece que aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imperícia, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito. Uma vez comprovado o ilícito e o dano produzido por ele, o agente fica obrigado a repará-lo, consoante artigo 927 do Código Civil.
Argumentou que, destarte, considerando a perda da vida do adolescente em razão da imperícia do acusado e evidente o prejuízo moral causado aos genitores do menor púbere, razão pela qual arbitro em R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais) os danos morais a serem pagos pelo réu Maurício Cesar Soares Bezerra em favor dos genitores da vítima, os Srs. Eládio Dias Machado e Mariza Leão Machado (qualificação às fls. 84).
Este é o relatório dos autos e que justifica a irresignação do órgão ministerial quanto a dosimetria penal fixada no r. decisório e contra o qual se insurge.
Em que pese o brilho com que foi prolatado, não pode subsistir o r. decisum impugnado no que tange à reprimenda estatal.
Com efeito.
Numa apreciação preliminar, é pertinente enunciar o disposto no artigo 59, da Legislação Penal brasileira:
"O juiz, atendendo à culpabilidade, aos antecedentes, à conduta social, à personalidade do agente, aos motivos, às circunstâncias e conseqüências do crime, bem como ao comportamento da vítima, estabelecerá, conforme seja necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime:
...
II – a quantidade de pena aplicável, dentro dos limites previstos; "
Neste passo, o legislador estabeleceu os critérios que devem ser observados pelo julgador no momento da fixação da pena.
Desde já, saliente-se que o réu, de fato, ostenta antecedente criminal (Procedimento 199920214797), Queixa Crime por crime de calúnia, razão pela qual sua reprimenda, em face deste único critério, não poderia ser exasperada.
Porém, no caso em testilha, quanto a punição do delito de homicídio qualificado com causa de aumento de pena (art. 121, § 4º, do CP) o Juízo a quo considerou, no singelo aumento de um terço em relação à pena base de 2 (dois) anos e 9 (nove) meses, tão somente as conseqüências do crime.
Assim, observa-se que a insigne sentenciante acabou por desprezar os demais critérios constantes no dispositivo legal supra transcrito, concemente à pena do delito de homicídio culposo com causa de aumento de pena.
Desta feita, oportuno traçar linhas teóricas e doutrinárias do que se extrai do conceito de pena.
Nos dizeres de Magalhães Noronha, "a pena não tem mais em vista somente o delito. Ao lado da apreciação dos aspectos objetivos que ele apresenta, há de o juiz considerar a pessoa de quem o praticou, suas qualidades e defeitos, fazendo, em suma, estudo de sua personalidade, sem olvidar sobretudo a possibilidade de tomar a delinquir, ou a periculosidade" .
Passa-se, então, a analisar outras circunstâncias judiciais que não foram contabilizadas pela Magistrada.
A personalidade do recorrido se constitui em mais um móvel para exasperar a pena-base do delito por aquele perpetrado. Acerca do tema, Magalhães Noronha assim se manifesta: "a personalidade está intimamente ligada à conduta (...) Em função da personalidade. poderá o juiz exarcebar ou atenuar a sanção imposta. Se, v.g., revelar ‘personalidade de acentuada indiferença afetiva’, como quando, ‘na prática do roubo, esfaqueia a vítima e posteriormente tenta enforcá-la’, haverá exarcebação da reprimenda imposta" .
Também é válido registrar as palavras de NELSON HUNGRIA sobre o tema em questão. Para o consagrado jurista, personalidade é "antes de tudo caráter, síntese das qualidades morais do indivíduo. É a psique individual, no seu modo de ser permanente. O juiz deve ter em atenção a boa ou má índole do delinqüente, seu modo ordinário de sentir, de agir ou reagir, a sua maior ou menor irritabilidade, o seu maior ou menor grau de entendimento e senso moral. Deve retraçar-lhe o perfil psíquico".
Desse modo, extrai-se do robusto painel probatório que o réu MAURÍCIO CÉSAR SOARES BEZERRA, é de péssima índole.
Conforme destacou a juíza, o atendimento médico pelas testemunhas André Avelino da Costa Nunes (fls. 82), Carmen Regina Queiroz (fls. 85) e Abílio Carlos Rizzioli (fls. 102), veio a ocorrer somente depois do erro médico já praticado pelo réu, podendo-se inferir que somente estes médicos foram os que tomaram as providências necessárias para evitar a morte do paciente, contudo já era tarde demais. Tal atitude não se verificou na conduta do réu.
O tocante ao depoimento das testemunhas supramencionadas, verificou a magistrada que foram bastante corporativistas em depor de forma que favorecesse o condenado, seu colega de classe. Contudo, é nítido que tenham agido de tal maneira porque a pecha da suspeita do erro médico perpetrado contra a vítima, poderia também recair sobre as referidas testemunhas, haja vista que a vítima também esteve sob os cuidados destes.
Indubitavelmente, ante o teor dos ensinamentos e dos relatos supra transcritos, deve a pena-base também ser exasperada em razão da personalidade do recorrente. As próprias condutas típicas por ele realizadas evidenciam a péssima índole que ostenta. Ao analisar a gravidade do delito praticado, chega-se a singela conclusão de que o recorrido é uma pessoa com personalidade má formada, de senso moral baixo, que, em síntese, não possui condição de conviver em harmonia no meio social.
A seguinte ementa, também emanada do Tribunal de Alçada Criminal do Estado de São Paulo, complementa o conceito de personalidade do agente, prevista no artigo 59, caput, do Código Penal, ainda mais considerando que o delito perpetrado na ocasião era aquele tipificado no artigo 121, § 4 º, do Estatuto Penal Substantivo:
"Por sua natureza, a inobservância de regra técnica já evidencia má personalidade e acentuada periculosidade do agente. Nessa situação e perante o atual desenganado comprometimento da tranqüilidade pública perante temíveis delinquentes, impõe-se a reação contra a até há pouco dominante adoção, quase sistemática, de penalidades mínimas, máxime em relação a quem se envolveu em numerosos processos temporalmente vizinhos, já se podendo antever um seu não distante pedido de unificação de penas. Nos homicídios culposos, as penalidades mínimas hão de ser reservadas para casos de acionados que, sobre não demonstrarem periculosidade superior à normal considerado o tipo, tenham em seu prol pelo menos uma circunstância atenuante" (TACRIM-SP - AC - Rel. Azevedo Franceschini - JUTACRIM 36/310) grifos nossos.
Se a jurisprudência prevê o tratamento mencionado acima para o delito de homicídio culposo com causa de aumento de pena, que não dirá de crimes com conseqüências gravíssimas, tais como no homicídio de um menor de idade, à época com 16 anos, EBER LEÃO MACHADO, que, internado no Hospital da Ordem Terceira, afim receber atendimento médico, em decorrência de inchaço que apresentava em sua perna esquerda e acabou falecendo em conseqüência de erro médico que aconteceu na etapa de tratamento e atendimento perpetrado pelo condenado.
Também, pouco valorizou a nobre e culta magistrada a quo, ao efetuar o cálculo dosimétrico da reprimenda, a circunstância judicial referente as circunstâncias do crime.
Sob a óptica de Magalhães Noronha, "a gravidade objetiva do crime é dada pelas circunstâncias que o rodeiam, isto é, as que se prendem ao tempo, lugar, modo de agir, meios empregados, atitudes durante o fato etc" .
A pena-base aplicada in casu também deve ser exasperada em face das circunstâncias do crime. Note-se que o recorrido praticou as ações criminosas com negligência, imprudência e imperícia, aproveitando-se da desproporcionalidade dos meios empregados para o diagnóstico e tratamento em favor da vítima e da extrema imperícia utilizada para perpetrar o tratamento que levou a morte do paciente.
Outrossim, autoriza a majoração da pena-base no caso em tela, o modus operandi empregado pelo requerido, conforme observa-se do contexto probatório e do conciso relato sobredito.
A testemunha ELÁDIO DIAS MACHADO de (fls. 19/21) presenciou a gravidade objetiva do crime pelo modus operandi empregado pelo recorrido, quando declara: “QUE, após o óbito, um dos enfermeiros do hospital disse ao declarante que ÉBER havia morrido por problemas de úlcera hemorrágica; QUE o declarante não aceita essa versão dada pelos médicos, pois seu filho ÉBER jamais apresentou qualquer problema de estômago, e, em virtude disto, encaminhou uma carta para a Secretaria Estadual de Saúde, pedindo providências, pois tem motivos suficientes para acreditar que seu filho morreu por negligência médica”.
Fundamental, neste passo, é a reprodução do entendimento do E. Tribunal de Justiça de São Paulo, ao analisar um caso concreto semelhante ao presente:
"Os motivos, as circunstâncias e as conseqüências dos homicídios culposos por inobservância da regra de profissão agravam o teor da reprovabilidade dos atos criminosos, autorizando que se lembre o alto magistério de Nelson Hungria, no estudo que se encontra ao final do vol. V, 1942, dos Comentários ao Código Penal: ‘a quantidade do crime e a qualidade do criminoso, o mal extremo e o mal; intemo completam-se, integram-se, fundem-se numa unidade orgânica, para apreciação do juiz. Todos os fatores e elementos circunstanciais do crime imputado, no seu duplo aspecto subjetivo e objetivo, podem ser levados em conta pelo juiz, desde que lhe pareçam ponderáveis, dentro do quadro do artigo 42. Obviamente, esse magistério ajusta-se aos ditames do artigo 59 da Lei 7209/84" (TJSP - Ap. 70.757-3 - Rel. Jarbas Mazzoni).
As conseqüências do delito também deveriam ter sido melhor analisadas pelo I. Magistrada. É inquestionável a grave conseqüência do crime praticado que ceifou a vida de um adolescente que fazia parte da população economicamente ativa e tinha uma expectativa de vida alta. Além disso, era arrimo de família, pois ajuda os pais nos afazeres domésticos e possuía emprego fixo e remunerado que contribuía sobremaneira para o sustento da família. E o pior, o ocorrido com o ofendido, pois jamais apresentou qualquer problema de estômago e morreu por negligência médica do condenado”.
Por fim, no tocante a primeira fase dosimétrica da pena, o artigo 59, caput, do Código Penal, preconiza que a pena deverá ser necessária e suficiente para a reprovação do crime. Necessário se faz, portanto, abordar, ainda que sucintamente, as finalidades da pena.
É válido frisar que, de acordo com a teoria mista da pena, existem, basicamente, dois objetivos que esta modalidade de reprimenda visa atingir: punir o infrator de uma determinada ordem jurídica pré-estabelecida (aspecto retributivo) e, concomitantemente, reintegrá-lo ao convívio social de modo pleno e eficaz (aspecto preventivo específico). Na teoria mista da pena existe a prevenção geral (voltada a todos os indivíduos da sociedade) e a prevenção específica (voltada tão somente para o indivíduo infrator).
Portanto, deve a reprimenda ser suficiente para reprimir a conduta criminosa perpetrada pelo apelado e também para servir de exemplo ao restante do corpo social e principalmente aqueles que ostentam sua qualidade e função. No caso em tela, não há outra pena aplicável, se não aquela que se distancia, e muito, do piso legal. Foram abordadas nos parágrafos anteriores cinco das sete circunstâncias judiciais. É inadmissível que a pena-base in casu permaneça sendo tão próximo a mínima no tocante ao delito de homicídio culposo.
À propósito, já decidiu o Tribunal de Alçada Criminal do Estado de São Paulo:
"Quando as circunstâncias do fato evidenciarem dolo extravantemente intenso, deverão as penas-bases, distanciar-se consideravelmente das margens inferiores, para que a reprimenda se mostre, de modo efetivo, suficiente à reprovação e à prevenção do crime" (TACRIM-SP - AC - Rel. Correa de Moraes - RJD 18/110).
No mesmo sentido: RT 698/448. Demonstradas estão as razões pelas quais deve a pena-base, atinente ao delito de homicídio, ser fixada acima do piso legal. Do contrário, estar-se-ía derrogando o artigo 59, caput, do Código Penal, mantendo-se apenas como circunstância judicial os antecedentes.
Por conseguinte, inadmissível a dosimetria penal, ora guerreada, pois faculta ao sentenciado, em certo lapso, em razão dos benefícios legais, muito em breve, sua liberdade (regime aberto) e retomar ao convívio social, o que não parece razoável pela gravidade do crime praticado ou muito pior, ter sua prescrição retroativa decretada.
Por todos esses motivos, entende-se que não agiu com o costumeiro acerto a nobre e culta prolatora da sentença ora combatida.
Ante todo o exposto, invocando os suprimentos culturais e doutrinários da douta Procuradoria de Justiça, aguarda-se confiante que seja dado provimento ao presente apelo, para reformar a r. sentença, com a majoração da reprimenda estatal relativa ao delito de homicídio culposo qualificado, nos termos ora propugnados.
Belém, 6 de outubro de 2010.
FRANKLIN LOBATO PRADO
PROMOTOR DE JUSTIÇA
Processo n° 001.2002.2.004525-8
Apelante: JUSTIÇA PÚBLICA
Apelado: MAURÍCIO CÉSAR SOARES BEZERRA
RAZÕES DE APELACÃO.
Egrégio Tribunal
Colenda Câmara
Douta Procuradoria de Justiça
DOS FATOS
Narra a peça inquisitória, em anexo, que embasa a presente apelação, que no dia 20 de março de 2000, o menor de idade, à época com 16 anos, EBER LEÃO MACHADO, foi internado no Hospital da Ordem Terceira, afim receber atendimento médico, em decorrência de inchaço que apresentava em sua perna esquerda.
É importante salientar, que a vitima só veio a receber atendimento médico um dia depois de sua internação, isto é, em 21 de março do referido ano; ficando, a partir desta data, sob os cuidados do condenado MAURÍCIO CÉSAR SOARES BEZERRA.
O condenado, sem solicitar qualquer exame laboratorial, e, baseado apenas na sua observação empírica acerca dos fatos, diagnosticou o quadro da vítima como sendo “erisipela".
Em razão disto, determinou que a vítima ficasse deitada com a perna esquerda acima do nível do resto de seu corpo, para que o inchaço pudesse escoar até o sistema urinário, já que a circulação natural de perna estava afetada pela enfermidade.
Ademais, determinou que fossem ministradas alta doses de antibiótico na vítima, cujo conteúdo o Promotor signatário da denúncia, à época, Dr. Izaias Medeiros de Oliveira, passou a pormenorizar: antibioticoterapia múltipla composta de cefalotina 4g; Metronidazol 1,5g e Amicaina 4g, todas com aplicação diária por via intravenosa. Além de receitar antiflamatório e anticoagulante.
Após o prévio e superficial atendimento acima descrito, o condenado saiu das dependências do Hospital da Ordem Terceira, ali só retomando, dois dias depois, ou seja, em 23.02.2000.
É de suma importância esclarecer, que, no intervalo correspondente aos dias 21 a 23 de março, a vítima ficou sem qualquer atendimento médico, o que contribuiu decisivamente para o agravamento da situação; além de constatar, desde logo, que a medicação ministrada pelo condenado não estava surtindo qualquer efeito, no sentido de melhorar o estado de saúde da vítima.
A situação do ofendido em verdade, estava se agravando, ao ponto de sua perna esquerda chegar a "vazar'. Tai fato coincidiu com o momento em que o condenado retomou ao Hospital, e só então, tomou ciência do que estava acontecendo.
Diante da urgência do quadro (ou melhor, diante da urgência em que se deixou chegar o quadro, o condenado resolveu realizar, no dia seguinte, isto é, em 24.02.2000, uma intervenção cirúrgica na perna da vítima.
Segundo informou aos responsáveis do menor púbere Éber Leão Machado, o procedimento corresponderia a um corte de 2 dois cm na perna esquerda deste, para a colocação de um dreno.
Entretanto, não foi o que ocorreu, pois, no dia seguinte, o condenado, ao invés de realizar um corte de 2 cm, como havia informado, proferiu uma circuncisão de 20 (vinte) em na perna esquerda do ofendido, isto é, 10 (dez) vezes maior que o previsto.
Podemos estabelecer até uma analogia entre este último fato (o procedimento cirúrgico), e o atendimento prestado pelo condenado à vítima, qual seja: a gravidade do estado de saúde de ÉBER foi sempre muito superior aos cuidados e as previsões do médico condenado.
O mais estranho de tudo, é que o condenado omitiu este fato dos responsáveis da vítima, que só tomaram ciência do corte de 20 cm, no dia seguinte e isso porque, perceberam que o couro gorduroso da perna de seu filho - vítima - estava solto.
Assustados com a situação, resolveram telefonar para o condenado, solicitando que este se dirigisse ao Hospital. A solicitação foi atendida e, após avaliar o estado da vítima, o condenado resolveu encaminhá-la para outro médico, especialista em angiologia, o Dr. ABÍLIO CARLOS RIZZIOLLI.
Dr. Abílio, de imediato, realizou novo procedimento cirúrgico (debridamento de facite necrotizante) e, depois disso, determinou que a vítima voltasse para a unidade de tratamento intensivo, onde havia ingressado no dia anterior (24.02.2000).
No dia 28.02.2000, o condenado realizou nova limpeza cirúrgica e fasciotomia na coxa esquerda da vítima.
Após o procedimento, o paciente apresentou quadro de hemorragia digestiva alta, mantendo pequenos episódios hemorrágicos subseqüentes, que foram provocados pelas altas doses de antibióticos receitadas pelo condenado.
Em que pese o quadro acima descrito, apenas no dia 14.03.2000, a vítima foi submetida a uma endoscopia digestiva alta, que diagnosticou as seguintes enfermidades: esofagite, gastrite erosiva e duodenite erosiva.
Todavia, tal diagnóstico não teve função alguma, já que naquele mesmo dia, o menor púbere, ÉBER LEÃO MACHADO, veio a fenecer, em decorrência do agravamento de seu quadro clínico que provocou-lhe parada cárdio-respiratória irreversível.
DA PRESCRIÇÃO RETROATIVA
Este signatário, na qualidade de Promotor de Justiça respondendo pela 9 ª Promotoria de Justiça de Crimes contra Crianças e Adolescentes, deparando-se com o presente processo que versa sobre homicídio culposo com causa de aumento de pena, cometido no dia 04 de março de 2000, não pode requerer a extinção da punibiliade com base na prescrição, uma vez que, antes da condenação, a prescrição é calculada com base na maior pena possível. Ocorre que a maior pena possível do homicídio culposo com causa de aumento de pena é de quatro anos, sem outras circunstâncias desfavoráveis, e o maior aumento decorrente da inobservância da regra técnica de profissão de médico, é de um terço (como se busca a maior pena possível, deve-se levar em conta o maior aumento resultante da inobservância da regra técnica de profissão de médico, pois quanto mais se aumenta, maior fica a pena), sem outras majorantes.
Tomando-se quatro anos (máximo da pena in abstracto), chega-se à maior pena que um juiz pode aplicar ao homicídio culposo com causa de aumento de pena: quatro anos de detenção sem levar em consideração outras circunstâncias judiciais desfavoráveis e outras causas de aumento de pena. O prazo prescricional correspondente a quatro anos é de 8 anos (Cf. art. 109, IV, do CP).
Ainda não teria ocorrido, portanto, a prescrição, com base no cálculo pela pena abstrata (cominada no tipo) à época das razões finais subscritas pelo Dr. César Mota.
A MM. Juíza de Direito, porém, condenou o acusado a 3 (três) anos e 8 (oito) meses de detenção. Confirmando-se essa possibilidade, teria ocorrido a prescrição retroativa porque entre o recebimento da denúncia, no dia 29 de maio de 2002 às fls. 67, causa interruptiva da prescrição e a sentença condenatória recorrível, no dia 28 de setembro de 2010 às fls. 215, causa interruptiva da prescrição, já transcorreu mais de 8 anos, razão pela qual o Parquet está recorrendo com a finalidade de aumentar a pena.
DA DOSIMETRIA DA PENA
MAURÍCIO CÉSAR SOARES BEZERRA, qualificado nos autos da ação em epígrafe, foi devidamente processado e condenado pela MM. Juíza de Direito Titular da 22 ª Vara de Crimes contra Criança e Adolescência, Dra. Maria das Graças Alfaia da Fonseca, como incurso no artigo 121, § 4º, do Código Penal, porque, no dia 20 de março de 2000, o menor de idade, à época com 16 anos, EBER LEÃO MACHADO, foi internado no Hospital da Ordem Terceira, afim receber atendimento médico, em decorrência de inchaço que apresentava em sua perna esquerda e acabou falecendo em conseqüência de erro médico que aconteceu na etapa de tratamento e atendimento perpetrado pelo condenado.
Ao final, pela r. sentença prolatada a fls. 212/215, restou condenado pela MM. Juíza de Direito Titular da 22 ª Vara de Crimes contra Criança e Adolescência, Dra. Maria das Graças Alfaia da Fonseca, à pena de 3 (três) anos e 8 (oito) meses de reclusão, a serem cumpridos em regime semi-aberto.
Em sede de individualização da pena, quanto à culpabilidade, a magistrada considerou: a conduta desenvolvida pelo réu intensamente reprovável, pois denota relaxamento profissional, desatenção, descaso para com a vida de seus pacientes. Possui bons antecedentes criminais. Quanto à sua conduta social, não há nos autos elementos suficientes para aferi-la. A ela personalidade parece ser a de indivíduo descuidado e desleixado e, além disso, é negligente em sua profissão. Os motivos e as circunstâncias do crime, tão ligados ao descuido em sua atuação profissional e ao pouco caso para com as vidas de seus pacientes. As conseqüências foram gravíssimas, considerando-se que houve o falecimento da vítima, que, por sua vez, não contribuiu e nem poderia ter contribuído para o evento.
Analisadas tais circunstâncias judiciais, que são, preponderantemente, desfavoráveis ao réu, fixou-lhe a pena-base em 2 (dois) anos e 09 (nove) meses de detenção.
Ressaltou inexistirem circunstâncias atenuantes ou agravantes.
Na terceira fase, verificou a nobre e culta magistrada a inexistência de diminuição de pena presente a causa de aumento de pena do § 4° do artigo 121 do C. P, razão pela qual majorou a pena do acusado em 1/3, passando sua pena a ser em 03 três) anos e 8 (oito) meses de detenção que tornou concreta e definitiva.
Determinou que o réu cumprisse a pena em regime inicial semi aberto, conforme disciplina o art. 33, § 2°, "h" do C. P.
Esclareceu que o artigo 387 do Código de Processo Penal estabeleceu, em seu inciso V, que a sentença condenatória deverá fixar o valor mínimo para reparação dos danos causados pela infração.
Aduziu que é cediço que a obrigação de indenizar, no âmbito cível, advém da forma do artigo 186 do Código Civil, o qual estabelece que aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imperícia, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito. Uma vez comprovado o ilícito e o dano produzido por ele, o agente fica obrigado a repará-lo, consoante artigo 927 do Código Civil.
Argumentou que, destarte, considerando a perda da vida do adolescente em razão da imperícia do acusado e evidente o prejuízo moral causado aos genitores do menor púbere, razão pela qual arbitro em R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais) os danos morais a serem pagos pelo réu Maurício Cesar Soares Bezerra em favor dos genitores da vítima, os Srs. Eládio Dias Machado e Mariza Leão Machado (qualificação às fls. 84).
Este é o relatório dos autos e que justifica a irresignação do órgão ministerial quanto a dosimetria penal fixada no r. decisório e contra o qual se insurge.
Em que pese o brilho com que foi prolatado, não pode subsistir o r. decisum impugnado no que tange à reprimenda estatal.
Com efeito.
Numa apreciação preliminar, é pertinente enunciar o disposto no artigo 59, da Legislação Penal brasileira:
"O juiz, atendendo à culpabilidade, aos antecedentes, à conduta social, à personalidade do agente, aos motivos, às circunstâncias e conseqüências do crime, bem como ao comportamento da vítima, estabelecerá, conforme seja necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime:
...
II – a quantidade de pena aplicável, dentro dos limites previstos; "
Neste passo, o legislador estabeleceu os critérios que devem ser observados pelo julgador no momento da fixação da pena.
Desde já, saliente-se que o réu, de fato, ostenta antecedente criminal (Procedimento 199920214797), Queixa Crime por crime de calúnia, razão pela qual sua reprimenda, em face deste único critério, não poderia ser exasperada.
Porém, no caso em testilha, quanto a punição do delito de homicídio qualificado com causa de aumento de pena (art. 121, § 4º, do CP) o Juízo a quo considerou, no singelo aumento de um terço em relação à pena base de 2 (dois) anos e 9 (nove) meses, tão somente as conseqüências do crime.
Assim, observa-se que a insigne sentenciante acabou por desprezar os demais critérios constantes no dispositivo legal supra transcrito, concemente à pena do delito de homicídio culposo com causa de aumento de pena.
Desta feita, oportuno traçar linhas teóricas e doutrinárias do que se extrai do conceito de pena.
Nos dizeres de Magalhães Noronha, "a pena não tem mais em vista somente o delito. Ao lado da apreciação dos aspectos objetivos que ele apresenta, há de o juiz considerar a pessoa de quem o praticou, suas qualidades e defeitos, fazendo, em suma, estudo de sua personalidade, sem olvidar sobretudo a possibilidade de tomar a delinquir, ou a periculosidade" .
Passa-se, então, a analisar outras circunstâncias judiciais que não foram contabilizadas pela Magistrada.
A personalidade do recorrido se constitui em mais um móvel para exasperar a pena-base do delito por aquele perpetrado. Acerca do tema, Magalhães Noronha assim se manifesta: "a personalidade está intimamente ligada à conduta (...) Em função da personalidade. poderá o juiz exarcebar ou atenuar a sanção imposta. Se, v.g., revelar ‘personalidade de acentuada indiferença afetiva’, como quando, ‘na prática do roubo, esfaqueia a vítima e posteriormente tenta enforcá-la’, haverá exarcebação da reprimenda imposta" .
Também é válido registrar as palavras de NELSON HUNGRIA sobre o tema em questão. Para o consagrado jurista, personalidade é "antes de tudo caráter, síntese das qualidades morais do indivíduo. É a psique individual, no seu modo de ser permanente. O juiz deve ter em atenção a boa ou má índole do delinqüente, seu modo ordinário de sentir, de agir ou reagir, a sua maior ou menor irritabilidade, o seu maior ou menor grau de entendimento e senso moral. Deve retraçar-lhe o perfil psíquico".
Desse modo, extrai-se do robusto painel probatório que o réu MAURÍCIO CÉSAR SOARES BEZERRA, é de péssima índole.
Conforme destacou a juíza, o atendimento médico pelas testemunhas André Avelino da Costa Nunes (fls. 82), Carmen Regina Queiroz (fls. 85) e Abílio Carlos Rizzioli (fls. 102), veio a ocorrer somente depois do erro médico já praticado pelo réu, podendo-se inferir que somente estes médicos foram os que tomaram as providências necessárias para evitar a morte do paciente, contudo já era tarde demais. Tal atitude não se verificou na conduta do réu.
O tocante ao depoimento das testemunhas supramencionadas, verificou a magistrada que foram bastante corporativistas em depor de forma que favorecesse o condenado, seu colega de classe. Contudo, é nítido que tenham agido de tal maneira porque a pecha da suspeita do erro médico perpetrado contra a vítima, poderia também recair sobre as referidas testemunhas, haja vista que a vítima também esteve sob os cuidados destes.
Indubitavelmente, ante o teor dos ensinamentos e dos relatos supra transcritos, deve a pena-base também ser exasperada em razão da personalidade do recorrente. As próprias condutas típicas por ele realizadas evidenciam a péssima índole que ostenta. Ao analisar a gravidade do delito praticado, chega-se a singela conclusão de que o recorrido é uma pessoa com personalidade má formada, de senso moral baixo, que, em síntese, não possui condição de conviver em harmonia no meio social.
A seguinte ementa, também emanada do Tribunal de Alçada Criminal do Estado de São Paulo, complementa o conceito de personalidade do agente, prevista no artigo 59, caput, do Código Penal, ainda mais considerando que o delito perpetrado na ocasião era aquele tipificado no artigo 121, § 4 º, do Estatuto Penal Substantivo:
"Por sua natureza, a inobservância de regra técnica já evidencia má personalidade e acentuada periculosidade do agente. Nessa situação e perante o atual desenganado comprometimento da tranqüilidade pública perante temíveis delinquentes, impõe-se a reação contra a até há pouco dominante adoção, quase sistemática, de penalidades mínimas, máxime em relação a quem se envolveu em numerosos processos temporalmente vizinhos, já se podendo antever um seu não distante pedido de unificação de penas. Nos homicídios culposos, as penalidades mínimas hão de ser reservadas para casos de acionados que, sobre não demonstrarem periculosidade superior à normal considerado o tipo, tenham em seu prol pelo menos uma circunstância atenuante" (TACRIM-SP - AC - Rel. Azevedo Franceschini - JUTACRIM 36/310) grifos nossos.
Se a jurisprudência prevê o tratamento mencionado acima para o delito de homicídio culposo com causa de aumento de pena, que não dirá de crimes com conseqüências gravíssimas, tais como no homicídio de um menor de idade, à época com 16 anos, EBER LEÃO MACHADO, que, internado no Hospital da Ordem Terceira, afim receber atendimento médico, em decorrência de inchaço que apresentava em sua perna esquerda e acabou falecendo em conseqüência de erro médico que aconteceu na etapa de tratamento e atendimento perpetrado pelo condenado.
Também, pouco valorizou a nobre e culta magistrada a quo, ao efetuar o cálculo dosimétrico da reprimenda, a circunstância judicial referente as circunstâncias do crime.
Sob a óptica de Magalhães Noronha, "a gravidade objetiva do crime é dada pelas circunstâncias que o rodeiam, isto é, as que se prendem ao tempo, lugar, modo de agir, meios empregados, atitudes durante o fato etc" .
A pena-base aplicada in casu também deve ser exasperada em face das circunstâncias do crime. Note-se que o recorrido praticou as ações criminosas com negligência, imprudência e imperícia, aproveitando-se da desproporcionalidade dos meios empregados para o diagnóstico e tratamento em favor da vítima e da extrema imperícia utilizada para perpetrar o tratamento que levou a morte do paciente.
Outrossim, autoriza a majoração da pena-base no caso em tela, o modus operandi empregado pelo requerido, conforme observa-se do contexto probatório e do conciso relato sobredito.
A testemunha ELÁDIO DIAS MACHADO de (fls. 19/21) presenciou a gravidade objetiva do crime pelo modus operandi empregado pelo recorrido, quando declara: “QUE, após o óbito, um dos enfermeiros do hospital disse ao declarante que ÉBER havia morrido por problemas de úlcera hemorrágica; QUE o declarante não aceita essa versão dada pelos médicos, pois seu filho ÉBER jamais apresentou qualquer problema de estômago, e, em virtude disto, encaminhou uma carta para a Secretaria Estadual de Saúde, pedindo providências, pois tem motivos suficientes para acreditar que seu filho morreu por negligência médica”.
Fundamental, neste passo, é a reprodução do entendimento do E. Tribunal de Justiça de São Paulo, ao analisar um caso concreto semelhante ao presente:
"Os motivos, as circunstâncias e as conseqüências dos homicídios culposos por inobservância da regra de profissão agravam o teor da reprovabilidade dos atos criminosos, autorizando que se lembre o alto magistério de Nelson Hungria, no estudo que se encontra ao final do vol. V, 1942, dos Comentários ao Código Penal: ‘a quantidade do crime e a qualidade do criminoso, o mal extremo e o mal; intemo completam-se, integram-se, fundem-se numa unidade orgânica, para apreciação do juiz. Todos os fatores e elementos circunstanciais do crime imputado, no seu duplo aspecto subjetivo e objetivo, podem ser levados em conta pelo juiz, desde que lhe pareçam ponderáveis, dentro do quadro do artigo 42. Obviamente, esse magistério ajusta-se aos ditames do artigo 59 da Lei 7209/84" (TJSP - Ap. 70.757-3 - Rel. Jarbas Mazzoni).
As conseqüências do delito também deveriam ter sido melhor analisadas pelo I. Magistrada. É inquestionável a grave conseqüência do crime praticado que ceifou a vida de um adolescente que fazia parte da população economicamente ativa e tinha uma expectativa de vida alta. Além disso, era arrimo de família, pois ajuda os pais nos afazeres domésticos e possuía emprego fixo e remunerado que contribuía sobremaneira para o sustento da família. E o pior, o ocorrido com o ofendido, pois jamais apresentou qualquer problema de estômago e morreu por negligência médica do condenado”.
Por fim, no tocante a primeira fase dosimétrica da pena, o artigo 59, caput, do Código Penal, preconiza que a pena deverá ser necessária e suficiente para a reprovação do crime. Necessário se faz, portanto, abordar, ainda que sucintamente, as finalidades da pena.
É válido frisar que, de acordo com a teoria mista da pena, existem, basicamente, dois objetivos que esta modalidade de reprimenda visa atingir: punir o infrator de uma determinada ordem jurídica pré-estabelecida (aspecto retributivo) e, concomitantemente, reintegrá-lo ao convívio social de modo pleno e eficaz (aspecto preventivo específico). Na teoria mista da pena existe a prevenção geral (voltada a todos os indivíduos da sociedade) e a prevenção específica (voltada tão somente para o indivíduo infrator).
Portanto, deve a reprimenda ser suficiente para reprimir a conduta criminosa perpetrada pelo apelado e também para servir de exemplo ao restante do corpo social e principalmente aqueles que ostentam sua qualidade e função. No caso em tela, não há outra pena aplicável, se não aquela que se distancia, e muito, do piso legal. Foram abordadas nos parágrafos anteriores cinco das sete circunstâncias judiciais. É inadmissível que a pena-base in casu permaneça sendo tão próximo a mínima no tocante ao delito de homicídio culposo.
À propósito, já decidiu o Tribunal de Alçada Criminal do Estado de São Paulo:
"Quando as circunstâncias do fato evidenciarem dolo extravantemente intenso, deverão as penas-bases, distanciar-se consideravelmente das margens inferiores, para que a reprimenda se mostre, de modo efetivo, suficiente à reprovação e à prevenção do crime" (TACRIM-SP - AC - Rel. Correa de Moraes - RJD 18/110).
No mesmo sentido: RT 698/448. Demonstradas estão as razões pelas quais deve a pena-base, atinente ao delito de homicídio, ser fixada acima do piso legal. Do contrário, estar-se-ía derrogando o artigo 59, caput, do Código Penal, mantendo-se apenas como circunstância judicial os antecedentes.
Por conseguinte, inadmissível a dosimetria penal, ora guerreada, pois faculta ao sentenciado, em certo lapso, em razão dos benefícios legais, muito em breve, sua liberdade (regime aberto) e retomar ao convívio social, o que não parece razoável pela gravidade do crime praticado ou muito pior, ter sua prescrição retroativa decretada.
Por todos esses motivos, entende-se que não agiu com o costumeiro acerto a nobre e culta prolatora da sentença ora combatida.
Ante todo o exposto, invocando os suprimentos culturais e doutrinários da douta Procuradoria de Justiça, aguarda-se confiante que seja dado provimento ao presente apelo, para reformar a r. sentença, com a majoração da reprimenda estatal relativa ao delito de homicídio culposo qualificado, nos termos ora propugnados.
Belém, 6 de outubro de 2010.
FRANKLIN LOBATO PRADO
PROMOTOR DE JUSTIÇA
12 comentários :
Quer apostar que não vai dar NADA.
É muito bom ver o MP trabalhando de verdade.
Absurda a argumentação do promotor. Altas doses de antibiótico, após a inspeção (diagnóstico clínico) da afecção, nem de longe é um atendimento superficial. Ao ser acionado pelo telefone por familiares, o médico compareceu ao hospital. Onde está a negligência. Ampliar a incisão na perna de 2 para 20 cm, certamente poque foi necessária maior drenagem de líquido. Chamar outro colega para reavaliação. Onde está o descaso?. Absurda a condenação.
E um ignorante!! Nao gosto do Dr. MAuricio, acho que ele e mal carater. MAs as asneiras que esse promotor coloca na acusacao sao de das do. A incisao da fasciotomia e determinada no mmomento e pode ser 10 vezes maior. Antibioticos nao causam hemorragia digestiva. A impressao de poder que o MP tem investe ate os mais ignorantes de um conhecimento medico que eles nao tem. Acho que a acusacao procede, mas que seja feita com propriedade e nao com suposicoes imbecis de um cara que acha que sabe algo de medicina. Quem guardara oa guardioes ????
Caro Barata:
É preocupante vêr como a justiça (ainda) vem tratando estes casos de "agravos de internados que levam a óbito". E que se diga, são muito mais numerosos do que se imagina e cuja origem do problema não é tão exclusivamente pessoal quanto querem.
Diagnosticar um problema de saúde e tratá-lo corretamente, e ainda; tomar decisões diante de uma situação agravante, pode ser uma coisa simples, fácil e rápida, ou complexa, difícil e demorada. A questão me parece ser da indisponibilidade de "recursos para atenção especial" quando o caso exige. É aí que a rotina "beija-flor" dos médicos (pontuando entre muitos empregos) e as restrições econômicas dos hospitais - ou do negócio da prestação de serviços de saúde, falham feio e permitem o pior destino para o paciente.
No mundo civilizado várias idéias foram tentadas para resolver o problema, existem p.ex.cursos de assim chamados "assistentes de médicos", profissionais que poderiam ajudar nos intervalos das visitas (como foi dito no texto demorou 2 dias)e ajudar a detectar situações agravantes e até proceder algumas instruções iniciais. Mas estamos no Brasil, onde a coisa flui no sentido inverso: no da exclusividade, do ato médico, das disputas pessoais, em que a cada dia mostram-se mais conflituosas, chegando a casos em que o paciente morreu no hospital porque os dois médicos estavam travando luta corporal no plantão (provavelmente pela remuneração).
E isso o que ocorre quando pessoas que nao entendem nada sobre o assunto tentar encontrar um culpado para tudo.Esta tudo bem evidente no historico apresentado.
A evolucao desse caso e perfeitamente possivel sem que haja culpa do medico.A conduta foi acertada, desde o inicio.
Esta claro que a intencao e usar a historia desse paciente para outros fins, escusos, canalizando os sentimentos da familia em beneficio de terceiros.
o corporativismo ainda é algo que impede a justiça de agir a tempo e de fato ser justa. Acredito ate que tanto corporativismo, ao invés de dar possbilidade ao médico defender-se, acaba atrapalhando. Ainda é um dos mais graves problemas na area médica.
Erros Médicos: solução estaria em procedimentos fora da rotina - algo inacessível para muitos.
Uma paciente foi submetida a cirurgia renal no H.O.L para a retirada de um cálculo coraliforme de grandes proporções. Os antecedentes mostravam laudos de exames que atestavam ectopia renal e outras má formações congênitas.
A equipe de médicos agiu de forma rotineira, com o método mais indicado rotineiramente: Nefrolitotripsia Percutânea (NPC), com número de visitas rotineiramente previsto para os casos sem complicação.
Uma sucessão de agravos pós-cirúrgucos - a começar por uma possível hemorragia acidental, determinou uma reposição (fora da rotina) de sangue, instabilidade hemodinâmica, sepse,... e óbito.
Discute-se hoje, inclusive no CRM, se o médico não foi negligente - mesmo agindo dentro da rotina. Não seria o caso da paciente mais indicado para uma cirurgia aberta? Por quê não usaram os recursos de radioimagens para detectar o foco da hemorragia? Por quê não convocaram uma junta médica especialmente para o caso, em tempo de tentar algo "fora da rotina"?
a rotina mata, literalmente, é preciso ver alternativas, se de fato exista interesse de salvar? ate no casamento é preciso sair da rotina para que este nao acabe!quanto mais uma vida!
Esses senhores do direito se acham deuses. Acham que os médicos são deuses tambem, mas não são. O tratamento correto com antibioticos em doses plenas utilizados o mais precocemente diminui a mortalidade e a morbidade dos quadros septicos , como aconteceu no caso segundo a descrição do texto.Esses doentes podem evoluir com complicações com hemorragia digestivas , amputações,embolias pulmonares infartos do miocardio, choque septico. Só quem nunca atendeu uma fascite necrotizante , que tem mortalidade de 20% segundo a literatura médica ,pode pensar que uma doença tão traiçoeira como essa resolvesse sem complicações.
quanto antibiotico ele esta respaldado quanto a utilização dos mesmos e suas doses em todos os manuais de uso antibioticos mundiais (ex ABX JOHN HOPKINS e SANFORD).
Como especialista em terapia intensiva que nunca conheci ou ouvi falar do Réu, vejo com muita preocupação uma decisão tão absurdo e equivocada como esta, sem base qualquer cientifica,imposta por leigos no assunto, podendo até mesmo inviabilizar a prática da medicina e desistimular o atendimento correto de quadros septicos , onde a conduta mais importante , que salva vidas, é o inicio de antibioticoterapia venosa de largo espectro,como fez o colega e que não causa hemorragia digestiva como qualquer estudante de medicina sabe. Acho que todos as sociedades medicas deveriam fazer desagravo.Proponho uma campanha nacional, onde a AMIB, SBCM,AMB, SBI,E OUTRAS SE PRONUCIEM CONTRA, ESSA INJUSTIÇA.
Esse charlatão desgraçado, vai pagar tudo que fez para o meu irmão.
EDINELMA LEÃO MACHADO
UM ABSURDO. ACABOU COM A VIDA DO MEU NAMORADO.ERAMOS PRA ESTARMOS JUNTOS COM A NOSSA FAMILIA QUE PLANEJA-VAMOS TER.DOE NO PEITO ATE HOJE SINTO SAUDADES DELE.
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