terça-feira, 17 de dezembro de 2019

MÁFIA TOGADA – O conluio das farsantes


MURAL – Queixas & Denúncias


MARGARETH PEREIRA – Descanse em paz, guerreira




É o entregar-se a dor que faz a dor doer menos, dizem. Foi possivelmente com esse sentimento que aqueles aos quais era cara, muito cara, receberam o adeus de Margareth Pereira, que nesta terça-feira, 17, nos deixou, na esteira de um câncer devastador. O alento possível, diante da partida da querida Marga, é sabê-la livre dos sofrimentos impostos por uma doença letal, cuja mais amarga sequela, no seu caso, foi subtrair o vigor diante das vicissitudes da vida, que levou-a a construir uma bela família, ao lado de “seu” Pedro, também já morto, e dos filhos Diego e Daise, que lhe deram três netos. Netos dos quais a pequena Pietra, a filha mais velha de Diego, ela criou como se filha fosse.
Negra e pobre, mas corajosa e determinada, Marga é um eloquente exemplo de mulher verdadeiramente empoderada. Ela soube manter a altivez, sem jamais abdicar do senso de dignidade, mas também sem nunca resvalar para o ressentimento dos recalcados. Comovia nela a lealdade que sempre cultivou em relação aos que lhe eram caros e aqueles aos quais serviu ao longo da vida, seja em empregos formais, seja como diarista, ocupação a qual se dedicou nas últimas décadas. Sem concessões a vaidades frívolas, Marga ainda notabilizava-se pelas rígidas noções de higiene e pelo delicioso paladar caseiro, capaz de transformar um prosaico cardápio – como bife, arroz e feijão – no manjar dos deuses.
Nada mais comovente na saudosa Marga que sua dedicação à família, capaz de fazê-la transformar o que poderia ser um casebre em uma casa simples, porém confortável, que construiu com a tenacidade que lhe era própria, ao lado de “seu” Pedro, o companheiro de jornada. Por temperamento, ela não era dada a manifestações efusivas de afeto, mas não deixava de expressar seu carinho pelas pessoas com gestos concretos, sem as fanfarras de quem quer se fazer notar.
Tive a oportunidade de conhecer Marga através de uma ex-namorada e suas filhas, que a vida transformou em minhas filhas por adoção e a cujos pais ela serviu como diarista, com igual dedicação, após a separação do casal. A uma delas, Camila, a quem tratava como Camiloca, Marga dedicou especial carinho, na esteira de afinidades que o temperamento de cada um determina. Nem por isso deixava de dar carinhosa atenção a Mariana, para ela a Maroquinha, tal qual sempre fez com os pais de ambas. Pessoalmente, a ela sempre fui grato pelas manifestações de apreço.
O legado de dignidade de Marga, a sua coragem em enfrentar as intempéries da vida e a dedicação à família é a melhor herança que ela deixa para os filhos e netos. E explicam as lágrimas saudosas que compõem a cerimônia do adeus.
Descanse em paz, querida Marga. Descanse em paz, guerreira.


terça-feira, 10 de dezembro de 2019

MURAL – Queixas & Denúncias


AURORA GUIMARÃES – O adeus da mãe coragem


As estrelas, dizem, só brilham no céu. Sorte, porém, teve quem gozou do privilégio de usufruir da luz emanada por Aurora Guimarães, que nos deixou prematuramente nesta segunda-feira, 9, na esteira de graves problemas renais. Uma baiana que fez do Pará sua terra de adoção, ela foi um paradigma de ser humano da melhor qualidade e de mãe exemplar, capaz de substituir a pressa pela serenidade, o impulso pela reflexão, a ambição pela generosidade. Para além da comovente dedicação ao magistério, capaz de fazê-la lançar mão do próprio dinheiro para suprir as carências dos alunos, Aurora, com a discrição que lhe era própria, dedicou-se incondicionalmente, e com leveza, ao papel que certamente mais amou exercer – o de mãe.
Aqui não se trata, diga-se logo, da condescendência para com os mortos, dos quais só se fala para dizer o bem, como recomenda a máxima latina. Trata-se de um registro sobre os predicados de quem foi capaz de semear o bem na prática, que é efetivamente o critério da verdade. Não surpreende, por isso, o legado de dignidade do qual são beneficiárias as filhas, Tarsila e Tâmara, que reproduzem as virtudes de caráter da mãe, inclusive na lealdade aos amigos. Lealdade que em Aurora não excluia a franqueza que só os amigos verdadeiramente sinceros cultivam quando falam não o que gostaríamos de ouvir, mas o que precisamos ouvir.
Sem dela ser íntimo, tive a oportunidade de conhecer menos superficialmente Aurora. Fui beneficiário circunstancial da elegância nata, sem afetação,  com a qual recebia os amigos e amigas, e ainda os amigos e amigas das filhas, em almoços pantagruélicos, nos quais revelava outra de suas facetas - a de quituteira de mão cheia. Uma convivência pontual, mas o suficiente para nela identificar as virtudes pelas quais se notabilizou, com ênfase para a coragem moral que sempre exibiu diante das vicissitudes da vida. Na sua discrição, ela traduziu a dignidade que foi um dos seus traços marcantes, jamais permitindo-se inspirar a comiseração, quando a vitimização poderia ser conveniente.
Impressionou-me em Aurora, em particular, a sua dedicação como mãe. Dedicação expressa inclusive na opção de não protelar a decisão de ser internada na UTI, onde, extremamente debilitada, acabaria por morrer. Uma decisão que tratou de não dramatizar, certamente na preocupação de não agravar a natural preocupação das filhas. Filhas que amou com o desvelo de uma mãe coragem. Não por acaso, perspicaz como era, tratou de poupá-las da dolorosa despedida final, ao tratar com troça a internação na UTI, ao pedir uma selfie.
Aurora fará muita falta aos que lhe foram caros. E também aos quais era cara, ainda que dela não fossem necessariamente íntimos. E falta fará, em particular, a Tarsila e Tâmara, o que nos remete aos versos do mestre Drummond, no poema “Para sempre”:

“Fosse eu Rei do Mundo,
“baixava uma lei:
“Mãe não morre nunca,
“mãe ficará sempre
“junto de seu filho
“e ele, velho embora,
“será pequenino
“feito grão de milho.

O alento, em se tratando de pessoas como Aurora, é que viver para os que ficam não é morrer.