segunda-feira, 11 de fevereiro de 2019

BOECHAT – Dor e luto


MURAL – Queixas & Denúncias


BOECHAT – Ele vai fazer muita falta!

Ricardo Boechat: morte trágica, que deixa de luto o jornalismo brasileiro.

A capacidade de indignar-se: a denúncia sobre a censura no Pará.


De que vale a competência sem princípios, humanidade, generosidade e coragem moral? Nos fazer refletir sobre isso é certamente um dos principais legados do jornalista Ricardo Boechat, 66, tragicamente morto nesta segunda-feira, 11, em uma notícia impactante, quando ainda convalescíamos das tragédias de Brumadinho e do Ninho do Urubu, com suas contabilidades macabras. Manter a capacidade de indignar-se diante dos malfeitos e conservar o vigor do repórter que jamais deixou de ser, fez dele uma referência a quem tem no jornalismo seu ofício, com a virtude adicional de não deixar ser manietado pela soberba que seu status profissional poderia ensejar. Boechat teve passagem marcante, com um estilo próprio, na mídia impressa, na TV e no rádio, reiventando-se sem prejuízo da qualidade. Ao lado de Zózimo Barroso do Amaral, de quem era grande amigo, ele revolucionou o colunismo brasileiro, com doses de perspicácia e ironia. Mas acima de tudo ele foi, como jornalista, um combatente da liberdade, como bem descrevem seus colegas próximos.
Poucos se recordam, possivelmente, dos laços que Boechat estabeleceu com o Pará, na esteira dos contatos que passei a estabelecer com ele, durante um período da minha vida profissional, para repercutir denúncias sobre as quais mantinha-se silente a grande imprensa do estado. Sempre afável, nesses contatos – feitos algumas vezes por telefone, mas na maioria das vezes por e-mail – emergia a generosidade exaltada pelos colegas que privaram da sua intimidade. Não surpreendem, por isso, as lágrimas confessas de Miriam Leitão, que tornou pública a solidariedade do colega, que interferiu para que fosse contratada por “O Globo”, quando viu-se desempregada. Ou o depoimento emocionado de Ancelmo Gois, a quem coube substitui-lo quando deixou “O Globo”, sublinhando o estímulo, sincero e vigoroso, recebido de Boechat.
Quando passei a sofrer retaliações, ao transgredir o pacto de silêncio dos poderosos de plantão, na esteira do surgimento do Blog do Barata, ele não deixou de ser solidário, inclusive denunciando a censura imposta pelos inquilinos do poder, tiranetes de província despidos de escrúpulos, como é próprio dos covardes. Boechat contemplou-me com a solidariedade sonegada pela maioria dos colegas de profissão daqui, reféns da covardia moral ou da pusilanimidade dos cúmplices, ressalvadas as raras exceções, nas quais não se incluiu sequer o Sindicato dos Jornalistas, do qual já fui diretor, podendo dizer, sem falsa modéstia, que a ele servi sem dele servir-me.
Uma singularidade ainda ata Boechat ao Pará. No ano do centenário do Clube do Remo, em 2005, por mim informados a respeito, ele e Ancelmo Gois noticiaram os 100 anos de fundação do Leão Azul, que amargava o rebaixamento para a série C, da qual acabou por tornar-se campeão naquele ano. A conquista foi um mérito que deve ser creditado a Antônio Carlos Teixeira, o Tonhão, então o vice-presidente remista que, com elegante discrição, supriu, na medida da sua disponibilidade, a inércia do presidente, Rafael Levy, e seu séquito de ineptos e arrivistas.
Na época, impressionado com a comovente paixão da torcida azulina, o "Fenômeno Azul", Boechat declarou-se, então, o mais novo torcedor do Clube do Remo. Remista apaixonado, Tonhão tratou de remeter ao jornalista a camisa especial dourada que assinalou o centenário do Leão Azul, merecendo, pelo gesto, um elegante agradecimento do jornalista.
Neste momento de lágrima saudosa, resta o agradecimento pelo muito que fez e nos legou Ricardo Boechat, como jornalista e ser humano da melhor qualidade.
Obrigado, muito obrigado, é o mínimo a dizer neste momento do dor e luto. De resto, é repetir a jornalista Leilane Neubarth, colega e amiga de Boechat: "Que a sua luz nos ilumine."