Tancredo Neves e Sarney, em comício, ladeando Ulysses Guimarães. |
Em seguida, a reportagem da Folha de S. Paulo, assinada por Clóvis
Rossi, sobre os 30 anos da morte do ex-presidente Tancredo Neves, que morreu
sem ser empossado.
Doença e morte fizeram de Tancredo um líder popular no fim da ditadura
CLÓVIS ROSSI
DE COLUNISTA
DA FOLHA
21/04/2015 02h00
Só
um gênio do realismo mágico, como o escritor Gabriel García Márquez, seria
capaz de contar a história da presidência de Tancredo Neves, a que não houve.
Parece
pura ficção o fato de que Tancredo, que se gabava de nunca ter tido nem um
miserável resfriado, fosse obrigado a baixar ao hospital horas antes de sua
posse, para dele sair para outro hospital e, deste, para o cemitério, faz hoje
exatos 30 anos.
Aliás,
a primeira cirurgia do presidente eleito foi em um cenário de Macondo, a
cidade-símbolo do realismo mágico de García Márquez: o hospital ficou lotado,
inclusive a sala de cirurgia, de políticos que não deveriam estar presentes.
E
os médicos mentiram na primeira nota oficial, ao informar que Tancredo sofrera
uma crise de diverticulite, quando, conforme "furo" desta Folha,
o presidente tinha um leiomioma, um tumor.
Terminava
assim a história do primeiro presidente civil após 21 anos de ditadura. E, como
se fosse pouco, Tancredo foi substituído por José Sarney, que, até meses antes,
presidia o partido (a Arena) que dera sustentação ao regime militar, aquele que
Tancredo deveria sepultar.
Para
dar cores ainda mais fortes de realismo mágico, há o fato de que Sarney acabou
adotando, em um certo momento, políticas mais à esquerda do que as que o
próprio Tancredo faria.
O
presidente eleito era um conservador, do que dá prova não só a sua biografia,
mas o fato de ter escolhido Francisco Dornelles para comandar a economia.
Se
já fosse corrente à época, Dornelles seria chamado de neoliberal, por ser mais
preocupado com o saneamento das contas públicas e com a inflação do que com a
questão social.
Não
tinha o perfil mais à esquerda dos economistas do PMDB de Tancredo.
Foi
a estes, no entanto, que Sarney, ex-Arena, acabou recorrendo, depois de indicar
o empresário Dilson Funaro para substituir Dornelles.
Rompia,
com isso, de uma vez por todas, com o esquema de Tancredo, depois de ter
mantido todos os ministros indicados pelo que deveria ter sido presidente.
Nem
Tancredo nem Sarney eram políticos de grande popularidade.
Foi
a doença, em circunstâncias tão extraordinárias, que fez do presidente eleito
mas não empossado um ícone popular.
Sua
agonia e seu enterro foram momentos de uma comoção nacional como só se havia
visto, antes, no enterro de Juscelino Kubitschek, mineiro como Tancredo, do
antigo PSD como Tancredo, mas de uma ousadia muito maior.
Já
Sarney ganhou uma aura –de curta duração, é verdade– de herói popular por ter
promovido o Plano Cruzado, congelamento de preços que derrubou instantaneamente
a inflação, o persistente dragão que carbonizou o prestígio do regime militar.
Por
tudo o que se sabe dos planos de Tancredo, ele jamais ousaria adotar um plano
tão heterodoxo.
Há
até dúvidas se teria de fato convocado uma Assembléia Constituinte, bandeira de
seu PMDB e dos outros partidos de oposição ao regime militar.
Mas
é inquestionável que Tancredo de Almeida Neves conduziu com notável habilidade,
paciência e capacidade de articulação política, a transição para o regime
democrático. Pena que não pôde estar presente ao momento histórico que a
cristalizaria e que seria a sua posse, a que não houve.
O
fato igualmente inquestionável é que se abriu, naquele ano de 1985, o mais
longo período de plena e total vigência das liberdades públicas na história do
Brasil.
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