terça-feira, 7 de abril de 2015

WALMIR BOTELHO – O ourives da notícia

Na esteira do Dia do Jornalista, que se comemora nesta terça-feira, 7, soa, para além de justo, oportuno, uma palavra sobre Walmir Botelho D’Oliveira, diretor de O Liberal, que ameaça desfalcar o principal jornal do grupo de comunicação da família Maiorana e o próprio jornalismo, na esteira de graves problemas cardíacos, agravados por um quadro de diabetes. Com passagem marcante na grande imprensa nacional, Walmir se inclui, sem nenhum favor, dentre os grandes nomes do jornalismo brasileiro, um reconhecimento que lhe é devido, diante da irreverência que sempre o fez menosprezar as pompas e circunstâncias do poder e zombar da vida e da morte. De Maracanã, nascido em uma família de viés político, ele logo se revelou muito maior que as disputas paroquiais e, como um saltimbanco das palavras, ganhou o mundo, vagueando, com seu talento multifacetado, do jornalismo a publicidade e vice-versa. O plácido cotidiano da Maracanã natal e o aconchego de uma família cujas eventuais vicissitudes consolidaram os laços do amor perene, sempre serviram para, ciclicamente, recarregar as baterias, em um ritual indispensável para quem optou por viver na máquina de moer gente que é qualquer redação de jornal, pelo menos para aqueles que não se contentam com o papel de burocratas da informação.
Discreto, mas mordaz, além de exibir um texto limpo, com amplo domínio do vernáculo, e uma capacidade de síntese que fez dele um tituleiro sem igual, Walmir se notabiliza pelo apurado senso estético, daí tornar-se um mestre do grafismo como poucos. Ele teve a oportunidade de exercer sua competência profissional na fase áurea do Correio Brasiliense, o jornal que esteve no olho do furacão da transição da ditadura militar para a democracia. Na esteira da eleição do ex-presidente Tancredo Neves, que morreu sem subir a rampa do Palácio do Planalto, teve a chance de ser catapultado para o olimpo do jornalismo brasileiro, a Rede Globo, em convite que declinou, na falta de élan para administrar as frivolidades que lhe seriam impostas. Tentou, sem sucesso, ser empresário da comunicação, em um fracasso que, no caso de Walmir, considerada as circunstâncias, mais enobrece do que tisna sua biografia.
Na imprensa paraense, Walmir pilotou uma ousada experiência, que foi O Estado do Pará, jornal da família do ex-prefeito de Belém Lopo de Castro, arrendado por Avertano Rocha, que vivia seu apogeu profissional como advogado da Jari Florestal e Agropecuária, a fábrica às margens do rio Jari, destinada a a produção de celulose e outros produtos, do milionário norte-americano Daniel Ludwig. Ao lado de Oliveira Bastos, outro jornalista paraense que fez carreira na grande imprensa brasileira, Walmir ofereceu ao público um produto inovador. Seja pelo belo grafismo, seja pelos textos de qualidade, obtidos com a contratação de jornalistas atraídos por salários acima dos parcos valores instituídos pelo mercado, no qual até então reinava absoluto O Liberal, favorecido pelo colapso da Folha do Norte, que marcou época com Paulo Maranhão, o jornalista com lugar assegurado no panteão dos grandes jornalistas brasileiros, e pela agonia anunciada de A Província do Pará, engessada pelo caos administrativo dos Diários e Emissoras Associados, o império de jornais, rádios e tevês legado por Assis Chateaubriand, o Chatô. A megalomania de Avertano Rocha acabou por inviabilizar o jornal, cujo exagerado elenco de diretores, estampado no expediente, prenunciava o melancólico desfecho. O jornal ainda teve uma sobrevida com Afonso Klautau, cuja competência como jornalista não conseguiu evitar o desastre anunciado.
Em O Liberal, pelo qual já passara nos anos 70 do século passado, como editor de esportes, Walmir desembarcaria novamente no início dos anos 90, depois de uma fugaz passagem pela Folha do Norte, que Romulo Maiorana adquiriu, juntamente com o imponente prédio da rua Gaspar Vaiana e cujo título a família Maiorana, já depois da morte do seu patriarca, tirou da gaveta, para fazer a campanha do empresário Shaid Xerfan, o candidato do PTB ao governo, que acabou derrotado por Jader Barbalho, do PMDB, na sucessão estadual de 1990. Em 1990, recorde-se, o serviço sujo, ironicamente, coube a O Liberal, que foi posto a serviço da candidatura de Xerfan de forma escandalosa, levando ao paroxismo a cobertura tendenciosa feita em 1982, quando o jornal fez abertamente campanha a favor do empresário Oziel Carneiro (PDS), o candidato da ditadura militar ao governo do Pará, também derrotado pelo peemedebista Jader Barbalho, que assim obteve seu primeiro mandato como governador do Estado. A contratação de Walmir coincide com a ascensão, como sucessor do pai, falecido em 1986, de Romulo Maiorana Júnior, o Rominho, então ainda dividindo o poder com a irmã Rosângela Maiorana Kzan, a Loloca, a quem acabaria por derrotar, em uma traumática queda de braço, favorecido pelo status de filho predileto da matriarca dos Maiorana, Lucideia Maiorana, a dona Dea. Já alquebrado por graves problemas cardíacos, portando um marca-passo, Cláudio Sá Leal, o brilhante jornalista que fora o fiel escudeiro de “seu” Romulo, o patriarca dos Maiorana e fundador do grupo de comunicação da família, já vivia a cerimônia do adeus. A sucessão de Leal, de perfil iracundo, mas de inquestionável competência e refinamento intelectual, foi selada pela implantação do projeto gráfico encomendado a Walmir para O Liberal, que introduziu o jornal, e por osmose seus concorrentes, no moderno grafismo instituído pela grande imprensa brasileira. Produzido com discrição e sob precárias condições de trabalho, mas apesar disso belíssimo, o projeto resumiu a filosofia de Walmir: “Faço o jornal que sou pago para fazer.” Essa máxima, diga-se, balizou sua atuação à frente de O Liberal, cuja linha editorial arejou em um primeiro momento, até sucumbir diante da estultícia jornalística de Rominho, inocultavelmente carente das qualidades que fizeram do pai, Romulo Maiorana, uma personalidade singular, que viveu, até pelo passado, a dualidade protagonizada pelo Dr Jekyll, de “O médico e o monstro”, mas manteve incólume um mínimo de apreço pela notícia, porque jornalista e não apenas dono de jornal. Walmir, diga-se ainda, também se notabilizou por dominar o processo industrial do jornal, o que explica o porquê de "seu" Romulo confiar-lhe, quando então editor de esportes de O Liberal, a tarefa de controlar o relógio da rotativa, tarefa que rendia-lhe um expressivo reforço salarial.
As eventuais concessões de Walmir Botelho D’Oliveira em O Liberal fizeram-no pagar um alto preço, ao ter seu nome associado, para consumo externo, a um jornal cuja linha editorial está a uma distância abissal do jornalista extremamente competente que ele sempre foi. Mas como o homem é ele e suas circunstâncias, Walmir permanece objeto de admiração e respeito de quem teve a oportunidade de conhecê-lo menos superficialmente e ter contato com seu apurado talento jornalístico, que fez dele, para todo o sempre, um ourives da notícia, sempre que teve a oportunidade de ser mais o jornalista que o profissional com uma família por sustentar. Até por sua formação humanística, ele ensinou a valorizar o cotidiano do leitor comum, cunhando a lição célebre: “O que importa é o cachorro morto na sua porta.” Os que tiveram a chance de melhor conhecê-lo profissionalmente, sem a camisa-de-força da necessidade da sobrevivência, fatalmente dividirão sua vida profissional em antes e depois de Walmir. Tal qual comigo ocorreu.
Torço, sinceramente, para que Walmir drible a adversidade presente e volte logo, a tempo de poder ensinar às novas gerações a arte do jornalismo.

Seja como for, pelo que ele representa profissionalmente, ao lado de outros mestres do jornalismo paraense, como Cláudio Sá Leal e Guilherme Barra, resta tornar público meu agradecimento, com o poder de permanência e convicção que embute a palavra escrita – Obrigado, mas muito obrigado, mesmo, mestre Walmir.

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