Morreu neste domingo, aos 90 anos, em sua
casa em Porto Alegre, o ex-ministro do STF, o Supremo tribunal Federal, Paulo
Brossard, o respeitado jurista gaúcho, que foi também ministro da Justiça, no governo José Sarney, e se notabilizou nacionalmente, durante a ditadura militar, como um
destemido democrata. Orador brilhante, Paulo
Brossard de Sousa Pinto, seu nome de batismo, pontificou no
Congresso Nacional inicialmente como deputado federal, eleito em 1966, e
posteriormente como senador, eleito em 1974, ambas as vezes pelo MDB, o Movimento Democrático
Brasileiro, do qual é sucedâneo o PMDB. No Senado, ele protagonizou memoráveis
embates com Jarbas Passarinho, do PDS, o Partido Democrático Social, que
sucedeu a Arena, a Aliança Renovadora Nacional, como legenda de sustentação parlamentar da
ditadura militar, em um Congresso cerceado pelo regime dos generais.
Para além do tribuno arrebatador, Brossard
foi um exemplo de comovente coragem moral, ao combater tenazmente a ditadura
militar. No Senado, ele protagonizou uma passagem memorável, ao protestar contra a proibição da transmissão de uma apresentação do Balé Bolshoi
pela TV Globo. O Bolshoi, a mais famosa companhia de balé do mundo,
completava 200 anos e encenaria “Romeu e Julieta”. Uma superprodução liderada
pela BBC de Londres, CBS americana e a Teleglob alemã enviaria para 112 países
o grande espetáculo, protagonizado por 300 bailarinos. A TV Globo
anunciou durante semanas a atração e, um dia antes da exibição, recebeu um
comunicado da censura federal proibindo a transmissão, a pretexto de que o espetáculo
seria “subversivo”. O Bolshoi, recorde-se, é um balé russo e a Rússia fazia
parte da então União Soviética, cujo regime era comunista. A censura proibiu a
TV Globo não só de transmitir o espetáculo, mas também de divulgar que a
transmissão havia sido proibida.
Dias depois Brossard ocupou a tribuna do Senado e incendiou o plenário com um discurso
inflamado, denunciando a patética censura. Assim o Brasil ficou sabendo que a
ditadura havia censurado o balé e proibido a TV Globo de revelar que o espetáculo
estava proibido. "(…) O Ballet Bolshoi, sabem os menos incultos, é
uma respeitável e secular instrumentação internacional de dança. É tão marxista
quanto o seria Leon Tolstoi, e o germe da subversão comunista está presente nos
compassos de sua dança como poderia estar vivo nas barbas do Czar Nicolau II.
Sem medo de exagero, pode-se garantir que ele é tão soviético, quanto
Shakespeare é inglês. Quer dizer: trata-se de um patrimônio cultural da
humanidade que não pode ser aprisionado pelo realismo socialista lucakseano nem
vai deixar de falar a linguagem universal da dança por vontade de uma
política, seja a nossa tropical, seja a temperada nas estepes da União Soviética(…)”,
fulminou Brossard, em seu discurso. Hoje parece pouco, mas em tempos sombrios, como aqueles, o gesto exigia um exemplar destemor.
A editora L&PM
publicou este discurso, juntamente com outros igualmente irreverentes e
críticos do senador Brossard, menos de um mês depois de proferido, em livro
intitulado “O Ballet Proibido”. “E quando foi aventada a hipótese de aprender o
livro, nos agarramos a um eufemismo legal. O discurso estava já oficializado
nos anais do Senado da República, portanto seria um grande escândalo proibir a
manifestação de um senador que já havia se tornado pública por constar dos
anais”, recordou o editor Ivan Pinheiro Machado, ao resgatar episódios de bastidores da L&PM. “E este desafio à truculência do
governo transformou ‘O Ballet Proibido’ em um best-seller, a ponto de encabeçar
por várias semanas a lista dos mais vendidos da revista Veja.”
O episódio
é emblemático do dignificante exemplo de homem público que é Paulo Brossard. E da
importância de seu legado, em época de degeneração moral e ética do poder, como
ilustram o mensalão e o petrolão.
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