Abaixo, a transcrição, na íntegra, da
revelação feita em 2009 pelo jornalista Hélio Schwartsman,
da Folha de S. Paulo, sobre como é
simples abrir-se uma igreja, em matéria que também pode ser acessada pelo seguinte
link:
Bastam R$ 418
para criar igreja e se livrar de imposto
Após fundar igreja, reportagem da Folha abre conta
bancária e faz aplicação isenta de IR
Além de vantagens fiscais, ministros religiosos têm
direito a prisão especial e estão dispensados de prestar serviço militar
HÉLIO SCHWARTSMAN
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS
Bastaram dois
dias úteis e R$ 218,42 em despesas de cartório para a reportagem da Folha criar
uma igreja. Com mais três dias e R$ 200, a Igreja Heliocêntrica do Sagrado
EvangÉlio já tinha CNPJ, o que permitiu aos seus três fundadores abrir uma
conta bancária e realizar aplicações financeiras livres de IR (Imposto de
Renda) e de IOF (Imposto sobre Operações Financeiras).
Seria um crime
perfeito, se a prática não estivesse totalmente dentro da lei. Não existem
requisitos teológicos ou doutrinários para a constituição de uma igreja.
Tampouco se exige um número mínimo de fiéis.
Basta o registro
de sua assembleia de fundação e estatuto social num cartório. Melhor ainda, o
Estado está legalmente impedido de negar-lhes fé. Como reza o parágrafo 1º do
artigo 44 do Código Civil: "São livres a criação, a organização, a
estruturação interna e o funcionamento das organizações religiosas, sendo
vedado ao poder público negar-lhes reconhecimento ou registro dos atos
constitutivos e necessários ao seu funcionamento".
A autonomia de
cada instituição religiosa é quase total. Desde que seus estatutos não afrontem
nenhuma lei do país e sigam uma estrutura jurídica assemelhada à das
associações civis, os templos podem tudo.
A Igreja
Heliocêntrica do Sagrado EvangÉlio, por exemplo, pode sem muito exagero ser
descrita como uma monarquia absolutista e hereditária. Nesse quesito, ela segue
os passos da Igreja da Inglaterra (anglicana), que tem como "supremo
governador" o monarca britânico.
Livrar-se de
tributos é a principal vantagem material da abertura de uma igreja. Nos termos
do artigo 150, VI, b da Constituição, templos de qualquer culto são imunes a
impostos que incidam sobre o patrimônio, a renda e os serviços, relacionados
com suas finalidades essenciais.
Isso significa
que, além de IR e IOF, igrejas estão dispensadas de IPTU (imóveis urbanos), ITR
(imóveis rurais), IPVA (veículos), ISS (serviços), para citar só alguns dos
vários "Is" que assombram a vida dos contribuintes brasileiros. A
única condição é que todos os bens estejam em nome do templo e que se
relacionem a suas finalidades essenciais -as quais são definidas pela própria
igreja.
O caso do ICMS é
um pouco mais polêmico. A doutrina e a jurisprudência não são uniformes. Em
alguns Estados, como São Paulo, o imposto é cobrado, mas em outros, como o Rio
de Janeiro e Paraná, por força de legislação estadual, igrejas não recolhem o
ICMS nem sobre as contas de água, luz, gás e telefone que pagam.
Certos autores
entendem que associações religiosas, por analogia com o disposto para outras
associações civis, estão legalmente proibidas de distribuir patrimônio ou renda
a seus controladores. Mas nada impede -aliás é quase uma praxe- que seus
diretores sejam também sacerdotes, hipótese em que podem perfeitamente receber
proventos.
A questão fiscal
não é o único benefício da empreitada. Cada culto determina livremente quem são
seus ministros religiosos e, uma vez escolhidos, eles gozam de privilégios como
a isenção do serviço militar obrigatório (CF, art. 143) e o direito a prisão
especial (Código de Processo Penal, art. 295).
Na dúvida, os
filhos varões dos sócios-fundadores da Igreja Heliocêntrica foram sagrados
minissacerdotes. Neste caso, o modelo inspirador foi o budismo tibetano, cujos
Dalai Lamas (a reencarnação do lama anterior) são escolhidos ainda na infância.
Voltando ao
Brasil, há até o caso de cultos religiosos que obtiveram licença especial do
poder público para consumir ritualisticamente drogas alucinógenas.
Desde os anos
80, integrantes de igrejas como Santo Daime, União do Vegetal, A Barquinha
estão autorizados pelo Ministério da Justiça a cultivar, transportar e ingerir
os vegetais utilizados na preparação do chá ayahuasca -proibido para quem não é
membro de uma dessas igrejas.
Se a Lei Geral
das Religiões, já aprovada pela Câmara e aguardando votação no Senado, se
materializar, mais vantagens serão incorporadas. Templos de qualquer culto
poderão, por exemplo, reivindicar apoio do Estado na preservação de seus bens,
que gozarão de proteção especial contra desapropriação e penhora.
O diploma também
reforça disposições relativas ao ensino religioso. Em princípio, a Igreja
Heliocêntrica poderá exigir igualdade de representação, ou seja, que o Estado
contrate professores de heliocentrismo.
Colaboraram os bispos CLAUDIO ANGELO,
editor de Ciência, e RAFAEL GARCIA, da Reportagem Local
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