segunda-feira, 23 de agosto de 2010

TABAJARA – “Um fato abominável e lamentável”

“Um fato abominável e lamentável.” Assim Carlos Mendes definiu, na entrevista concedida ao Blog do Barata, a decisão da Anatel em tirar do ar a rádio Tabajara FM, que pode ser acessada, porém, via internet, através do endereço eletrônico www.radiotabajara.com.br . Segue, abaixo, ao entrevista de Mendes ao blog.

Do ponto de vista estritamente formal, há amparo legal na situação da rádio Tabajara FM? Qual, efetivamente, a situação da emissora e do que você depende para legalizá-la?

O amparo legal é ter na mão um documento chamado outorga, fornecido pelo Ministério das Comunicações. Outro papel é a licença de funcionamento. Infelizmente ainda não tenho esses documentos. Mas os passos que levam ao objetivo final foram todos rigorosa e pacientemente cumpridos. Fiz tudo o que manda o figurino legal. Para obter a outorga e a licença para funcionamento da emissora, como educativa, tive de criar uma fundação, cuja ata e estatuto seguiram um modelo distribuído pelo Ministério Público para entidades do gênero. Depois que isso foi feito, no segundo semestre do ano passado, a fundação obteve em cartório a escritura pública. Posteriormente, o cartório do 1º Ofício de Títulos e Documentos averbou a ata e o estatuto. O passo seguinte foi remeter a documentação ao Ministério Público para análise e aprovação do promotor de Fundações e Massas Falidas. Em dezembro do ano passado a Fundação Metrópole foi aprovada. Ainda passei outros cinco meses para conseguir o CNPJ na Receita Federal e poder abrir a conta bancária da entidade. Nessa etapa final experimentei situações patéticas nas mãos de burocratas da Receita. Coisas ridículas, como um número trocado de endereço que precisou ser novamente averbado em cartório em outra folha de ata rubricada e que teria de seguir exatamente a mesma tabulação, corpo e tipo de letra do sistema de texto Word. Tenho paciência socrática para engolir sapos burocráticos dessa natureza, embora às vezes quebre o pau nas ante-salas e gabinetes de órgãos públicos. No dia em que peguei o processo completo de legalização da entidade em minhas mãos experimentei a sensação de ter vencido uma guerra. Reuni o pessoal da fundação e disse: “Não se iludam, a batalha está apenas começando”.

Como habitualmente se dá a legalização de uma rádio com as características da Tabajara FM? É normal, ainda que não legal, a emissora ir ao ar, sem estar formalizada a concessão?

O primeiro passo é saber se existe disponibilidade de canal educativo para a cidade onde se localiza a fundação. Se houver, você manifesta o interesse de ter o canal. Quando o Ministério das Comunicações diz que isso é possível, como foi o nosso caso, tem de seguir alguns procedimentos, como apresentar o estudo técnico, que inclui as coordenadas geográficas da futura localização da emissora. Há também o estudo de viabilidade técnica e da estrutura física do local onde a rádio irá funcionar. Outras exigências: ata e estatuto da fundação, CNPJ, além de certidões negativas dos diretores da fundação na Justiça Federal, Eleitoral, Criminal e Cível. Em Belém, Barata, acontece um absurdo que eu só fui descobrir no momento em que precisei tirar certidões minhas e de outros dois diretores da fundação: no Fórum, a certidão negativa criminal é gratuita, mas a cível custa R$ 72. A eleitoral e federal você tira até pela internet. Você pergunta se é normal uma emissora ficar no ar sem ter formalizada a concessão. É normal, normalíssimo, Barata. E sabe por quê? Porque o Ministério das Comunicações demora às vezes até dez anos para entregar a concessão de funcionamento. Nós, da Fundação Metrópole, temos entre tantos projetos a colocar em prática na área de comunicação, por intermédio do rádio, as oficinas sobre direitos e cidadania. A informação, para nós, é fundamental. Como não possuímos objetivos político-eleitorais, entendemos que só teremos uma sociedade esclarecida e questionadora se tivermos um canal em que esses temas sejam debatidos por diferentes atores e visões da nossa sociedade. Não é possível ficar esperando eternamente que a burocracia estatal se digne a fornecer um pedaço de papel a quem não é detentor de mandato político, como eu. Isso é inaceitável. É por isso que há mais de 30 mil rádios tidas como clandestinas e piratas em funcionamento no país. E apenas pouco mais de quatro mil rádios comunitárias e educativas outorgadas pelo governo. É um absurdo que isso ocorra. O favoritismo político nessas concessões é um câncer em estágio avançado que precisa ser urgentemente extirpado para que tenhamos a efetiva democratização dos meios de comunicação. É por isso que a Tabajara FM está há mais de dois anos no ar. Há decisões da Justiça Federal favoráveis à permanência no ar das rádios que ainda não tem a outorga. Os juízes entendem que a culpa pela demora é do Ministério das Comunicações.

No processo de legalização da rádio, em algum momento você solicitou a intervenção de algum político, vinculado ou não a governadora petista Ana Júlia Carepa?

Nunca, jamais. E qualquer um deles pode confirmar isso. Tenho a melhor relação possível, embora divirja das idéias de alguns, mas não faria isso de jeito nenhum. Sei que muitos fazem isso e até se deram mal. Assumiram compromissos políticos, não tiveram suas rádios legalizadas e em muitos casos, aqui em Belém mesmo, foram vítimas da Anatel em suas operações repressivas apoiadas pela Polícia Federal. Veja bem. Não estou me referindo apenas ao partido da governadora, mas a outros partidos que já estiveram no poder, como o PSDB. Digo isso de cabeça erguida e olhando nos olhos de cada um dos políticos de várias tendências ideológicas que foram aos estúdios da Tabajara FM participar de debates. A lista é enorme. Apesar das diferenças ideológicas e idiossincráticas entre eles, em relação à nossa emissora há um traço comum a todos: o elogio à Tabajara, como rádio plural e que não abre mão do bom combate de idéias. A própria Ana Júlia, por duas vezes seguidas, prometeu que iria à Tabajara para ser entrevistada por mim e pelo Francisco Sidou, uma pessoa extremamente ética e que sabe perguntar como poucos. Não sei o motivo de não ter cumprido a promessa.

Há uma suspeita sincronia entre a representação feita contra a emissora no Tribunal Regional Eleitoral, de autoria da coligação pela qual é candidata a reeleição a governadora petista Ana Júlia Carepa, e a decisão da Anatel, a Agência Nacional de Telecomunicações, em retirar do ar a rádio Tabajara. A representação se deu a pretexto de críticas a atos recentes da governadora, feitas não apenas na rádio Tabajara, mas também por outros veículos de comunicação. Veículos que não foram alcançados pela representação, como o Diário do Pará, o jornal do ex-governador Jader Barbalho, do PMDB, do qual você é repórter especial. O porquê, na sua leitura, da retaliação incidir exatamente sobre você, via rádio Tabajara?

É claro, Barata, que há perfeita sincronia entre os dois atos. Na quinta-feira à tarde, o porteiro do prédio onde fica a Tabajara me entregou um envelope com a notificação da Justiça Eleitoral, estabelecendo prazo de 48 horas para que a emissora apresentasse defesa à representação da coligação Acelera Pará. No dia seguinte, sexta-feira, antes que fossem decorridas 24 horas das 48 previstas, o doutor Ismael Moraes já tinha preparado a defesa da rádio e protocolado no TRE. A governadora e seus acólitos talvez pensassem que eu iria me intimidar com a representação e deixar de apresentar no dia seguinte, o sábado, o programa Jogo Aberto ao lado do Francisco Sidou. O programa era o alvo da representação. Vou ser franco: fui surpreendido pela ação federal às 9 da manhã. Quem se apavorou não fui eu, mas minha irmã, Sônia, que estava sozinha na emissora na hora em que a PF e a Anatel chegaram. Ela telefonou para minha casa e disse que o pessoal estava batendo na porta e dizendo que era a polícia. Já pensaste, Barata, como uma pessoa que nada deve a ninguém fica numa hora dessas. Pedi calma e disse para ela perguntar se eles tinham ordem judicial. Fiquei aguardando e ela retornou com a seguinte resposta: “Eles estão dizendo que tem, sim”. Pedi que ela segurasse um pouco a porta fechada, não abrisse de jeito nenhum, que eu estarei chegando em cinco minutos. No trajeto de minha casa até a rádio, a Sônia voltou a ligar, nervosa, relatando que os agentes federais estavam ameaçando entrar de qualquer maneira se ela não abrisse. Para evitar problemas, pensando que eles tinham a ordem do juiz federal, mandei que ela abrisse a porta. Ao chegar, o quadro já era de ocupação do estúdio. Dei bom dia a todos e apertei a mão de cada um deles. Os federais foram corteses e explicaram que estavam ali cumprindo ordens. Perguntei: “Ordens de quem?” Eles responderam que eram ordens superiores. Quando falei no nome da governadora eles ficaram calados. Entendi o silêncio deles. Um servidor da Anatel ainda ensaiou, quase sussurrando, que a operação era uma “fiscalização de rotina”. Detalhe: não há expediente aos sábados na Anatel, em Belém. Depois, em conversa com alguns policiais federais, eles, sempre gentis e pedindo “desculpa” pelo que estavam fazendo, me contaram que poderiam estar aquela hora “pegando bandidos perigosos”. Um deles chegou a dizer que foi acordado para fazer “besteira”. Eu os tranqüilizei, dizendo que ficassem frios e que estavam cumprindo com o dever de servidores públicos. Bem, Barata, o resto, você e todo o Brasil já sabem. Não fico sem responder também a outra pergunta. O Diário do Pará, a RBA e o grupo tão bem dirigido pelo Jader Filho não foram alcançados pela governadora e sua coligação, com ações judiciais, por motivações que só os petistas e seus aliados poderiam responder. Fiz reportagens em série sobre o aluguel dos 450 carros de passeio pela PM, o acordo político que uniu a governadora ao prefeito de Belém, além do caso emblemático das cestas básicas cuja licitação a governadora decidiu tornar sem efeito pelo twitter dela. Uma nova e surpreende modalidade de revogação de licitação. Vivo, nesse episódio todo, uma situação digna de uma peça teatral do grandes mestre do absurdo Eugene Ionesco: posso escrever aos montes, no Diário do Pará, sobre os episódios que relatei. Só não posso falar sobre na Rádio Tabajara? Por isso estou respondendo a um processo eleitoral e também por causa disso a rádio foi fechada em FM. É absurdo, para não dizer grotesco.

Ao longo dos mais de dois anos em que esteve no ar, a rádio Tabajara notabilizou-se por uma postura plural, que democraticamente concedeu espaço a todas as vertentes políticas do Pará, inclusive ao condestável do governo Ana Júlia Carepa, Cláudio Alberto Castelo Branco Puty, o candidato a deputado federal que tem o assumido apoio da governadora. Na ocasião, você até elogiou a aparente civilidade política do então chefe da Casa Civil de Ana Júlia Carepa e, como tal, articulador político do atual governo. Diante disso, a que você atribui essa reversão de expectativas, traduzida na retaliação da qual você aparentemente é alvo, conforme sugerem as circunstâncias sob as quais foi retirada do ar, pela Anatel, a rádio Tabajara?

Barata, não posso dizer que o poder subiu à cabeça dessas pessoas. Quando elas foram entrevistadas na Rádio Tabajara elas já exerciam funções importantes no governo, sejam administrativas ou políticas, nos parlamentos. Só posso atribuir o que aconteceu ao clima eleitoral, do qual a Tabajara está imune, porque na emissora não existe nenhum candidato a deputado, senador ou governador. Aliás, Barata, a rádio jamais defendeu bandeira política ou ideológica. Como você mesmo diz, somos plurais na abordagem de assuntos dessa natureza, procurando ouvir a todos. Quem melhor poderia responder a esta pergunta que você me faz é a própria governadora Ana Júlia, que aliás tem se mantido calada e certamente nada falará sobre o episódio.

Diante desse imbróglio e na possibilidade da eleição da ex-ministra Dilma Rousseff, você acredita obter a concessão postulada?

Uma coisa não tem nada a ver com a outra. Você acha que a Dilma vai se preocupar com o Carlos Mendes ou com a rádio Tabajara? Ela nem sabe que nós existimos. Quer dizer, não sabia até sábado. Graças ao que aconteceu com a rádio, agora deve saber. A Folha de S. Paulo publicou, assim como O Estado de S. Paulo, os blogs do Augusto Nunes, do Reinaldo Azevedo e de outros jornalistas conhecidos no país. O processo de habilitação a uma outorga de rádio é uma coisa específica, do interesse de um agente social igual a milhares que disputam e pleiteiam igualdade de oportunidade na área da comunicação radiofônica. Mas, mas mesmo que houvesse algum tipo de retaliação, seria mais uma retaliação burra. Raciocine comigo: não seria melhor conceder a outorga, dentro do devido processo legal, cumprindo todas as exigências, do que passar para a história como repressor de direitos? Não faço essa ligação.

Diante do fato consumado, com a rádio fora do ar e restrita a internet, quais os seus planos para a Tabajara?

Não vejo fato consumado. Vejo um fato temporário, abominável e lamentável. A rádio Tabajara tem 15 dias para apresentar recurso à Anatel, tentando reaver os equipamentos da emissora. Mas não vamos ficar só nisso e nem devemos. Entraremos com recurso na Justiça Federal para que a emissora volte ao ar até que seja consumado o processo de legalização. Se eu não acreditasse na Justiça não estaria aqui dizendo isso a você. Parodiando Gramsci, que se dizia “pessimista na inteligência, mas otimista na vontade”, sou otimista tanto na inteligência como na vontade. Deixo aos juízes, eleitorais e federais, que decidam o destino da Tabajara FM. Quanto aos planos da emissora, prefiro por enquanto não revelá-los. Fique certo de uma coisa, Barata: nós ainda vamos balançar o ambiente da comunicação no Pará.

2 comentários :

Anônimo disse...

Barata, parabéns pelo furo jornalístico. Ao Mendes e ao Sidou, minha ampla, geral e irrestrita solidariedade. A censura e a truculência estão agindo com mão pesada no nosso Estado. Isto tudo passará dentro em breve, quando essa senhora receber nas urnas o castigo que merece. Remeti emails para vários países com a notícia do fechamento da rádio. Não tenho acesso ao Carlos Mendes para solicitar o email dele. Você poderia me fornecer. Jornalistas estrangeiros querem entrevistá-lo a respeito do caso. Meu nome é Osvaldo Câmara Filho e moro em Alfenas, Minas Gerais. Sou comerciante de produtos eletrônicos e tenho uma lojinha em Miami (EUA)

Anônimo disse...

e a lei .ainda mais estavam pegando ponta direto.fazendo campanha pro jader