Paulo Cesar Araujo, autor da biografia censurada por Roberto Carlos. |
O que demais revelava a biografia não
autorizada do Rei, "Roberto Carlos em
Detalhes", de Paulo Cesar de Araújo, recolhida das livrarias tão logo foi
lançada, em 2007, por determinação da Justiça? A perspectiva do STF, o Supremo
Tribunal Federal, liberar a publicação de biografias não autorizadas faz
recrudescer a curiosidade em torno das razões do interdito proibitório imposto
por Roberto Carlos, além da versão destinada ao consumo externo.
Uma deixa sobre os motivos do surto
censório de Roberto Carlos foi oferecida pela revista IstoÉ - Independente, em sua edição de número 1937, de 6 de
dezembro de 2006, ao publicar uma resenha sobre o livro de Paulo Cesar de
Araújo, produto de 15 anos de pesquisas do autor.
A resenha, assinada pelo
jornalista Luiz Chagas e abaixo transcrita, também pode ser acessada pelo
seguinte link:
Segredos do Rei
Roberto
insistiu em ter um caso com Wanderléa, mas ela o rejeitou; ele e Erasmo só
encenavam amizade no final da Jovem Guarda. Essas são algumas histórias da
primeira biografia do maior fenômeno musical brasileiro de todos os tempos
Luiz Chagas
Faltava a biografia
do cantor brasileiro mais popular de todos os tempos – rico, pobre ou
remediado, branco, negro ou mulato, intelectuais e não estudados, católico,
evangélico ou espírita, todos gostam dele e sabem um punhado de suas músicas.
Ele é o Rei. E agora a sua tão esperada biografia (não autorizada) acaba de
chegar: Roberto Carlos em detalhes (Planeta, 504 págs., R$
59,90), escrita por Paulo Cesar de Araújo. Na verdade, detalhes é o que não
faltam na obra. O autor pesquisou a vida de seu biografado ao longo de 16 anos,
reuniu depoimentos de cerca de 200 pessoas que direta ou indiretamente
compartilharam de seu caminho e entrevistou-o no final da década de 90. A
carreira de ídolo de Roberto Carlos, ainda jovem, remete aos anos de 1963 a
1970, três deles comandando em São Paulo nas tardes de domingo, na antiga TV
Record, o programa Jovem Guarda – a explosão de um rock ingênuo
e bem-comportado batizado de iê-iê-iê. A grande consagração nacional veio em
1970 com o seu show no Canecão, no Rio de Janeiro. No livro, a
vida do Rei avança cronologicamente, justamente até esse show. A
partir daí, os capítulos focam temas específicos, como o palco (Quando eu
estou aqui), o amor (Amante à moda antiga), a fé (Uma luz lá no
alto) e assim por diante. ISTOÉ conta as principais histórias relatadas no
livro: a trajetória de um garoto humilde que enfrentou, vitoriosamente, uma
grave deficiência física causada na infância por um acidente de trem (que o fez
perder parte da perna direita), que lutou contra o preconceito social e cultural
de sua época e que se tornou Rei do Brasil sem perder a humildade.
• A perna
mecânica do Rei
Nascido em
Cachoeiro do Itapemirim, no dia 19 de abril de 1941, Roberto Carlos Braga é
filho caçula do relojoeiro Robertino e da costureira Laura. Seus irmãos: Lauro
Roberto, Carlos Alberto e Norma. Desde a infância o seu apelido foi Zunga. Aos
seis anos, no dia da festa de São Pedro, padroeiro da cidade, ele foi
atropelado por uma locomotiva a vapor e sua perna direita teve de ser amputada
até pouco abaixo do joelho. Roberto e a coleguinha de escola Fifinha estavam na
plataforma da estação. Quando o trem se aproximava, a professora puxou
repentinamente a menina com medo que ela caísse. Roberto, que estava de costas
para os trilhos, assustou-se e acabou caindo. Ele usou muletas até os 15 anos,
quando colocou a sua primeira prótese – essa parte de sua perna é mecânica.
• Bolero
de cowboy
Seu ídolo era o
cantor paulista Bob Nelson (Nelson Perez), que se apresentava como cowboy.
Roberto ia vestido de Bob Nelson na missa, com revólveres e tudo. Aos nove
anos, de muletas, lá estava ele no Programa Infantil da Rádio
Cachoeiro, cantando o bolero Amor y mas amor, de Bobby Capó. Logo
começou a se apresentar em outros programas e a viajar pela região. Diante de
tanto interesse, os pais o matricularam no Conservatório Musical de Cachoeiro
do Itapemirim.
• A turma do
Bar Divino
Roberto chegou ao
Rio de Janeiro sonhando em cantar em alguma rádio, em março de 1956.
Enturmou-se num grupo que freqüentava o Bar Divino, no bairro da Tijuca. Dessa
turma faziam parte Erasmo Esteves (futuro Erasmo Carlos), Tim Maia, Jorge Ben,
o tecladista Lafayette (futuro tecladista do RC 4), Wilson Simonal, Luiz Ayrão,
os irmãos Renato e Paulo César Barros (do Renato e seus Blue Caps), Luiz Carlos
e Liebert Ferreira (do The Fevers). Ou seja: a jovem guarda já estava lá.
• Elogios de
João Gilberto
Quando ouviu João
Gilberto pela primeira vez, Roberto abandonou o rock e passou
a imitá-lo. Ele gravou o seu primeiro disco em 1959, poucos meses depois do
revolucionário Chega de saudade, de João Gilberto, o que faz dele
um precursor. O disco tem, de um lado, a música João e Maria(Roberto
Carlos/Carlos Imperial) e, do outro, Fora do tom (Carlos
Imperial). Roberto foi criticado na época, barrado pelo pessoal da bossa nova e
esnobado pela MPB. O curioso é que João o viu cantar em 1959 e achou-o musical.
Anos depois, no programa Fino da bossa, de Elis Regina, João
Gilberto declarou: “É melhor tocar iê-iê-iê do que jazz retardado.”
• Sem sexo
com Wanderléa
Despedido da
gravadora Polydor e não aceito nas gravadoras Chantecler, Continental,
RCA-Victor, Odeon, RGE, Copacabana e Philips, Roberto tinha na Columbia (futura
CBS) a sua última esperança. Foi contratado como um novo João Gilberto e gravou
um LP, Louco por você, que nem mostrava a sua foto na capa.
Conheceu Wanderléa quando o estava divulgando em 1961 no bairro carioca de
Cordovil. A “platéia” era composta por ela e mais duas pessoas. Roberto não
perdeu tempo. Sapecou-lhe um beijo na boca, sendo que a sua cheirava à coxinha
de frango (é a própria Wanderléa quem conta isso no livro). Um ano depois eram
colegas de gravadora. Chegaram a namorar mais tarde, mas nunca tiveram relações
sexuais, por mais que ele insistisse. No auge daJovem Guarda, Wanderléa
ainda era virgem.
• O amigo e
inimigo Erasmo
Roberto estreou uma
música de Erasmo Carlos na boate Plaza. De volta ao rock, ele foi o
primeiro cantor brasileiro a dispensar a orquestra e gravar com um conjunto,
apoiado por Evandro Ribeiro, diretor da CBS e produtor de todos os seus discos
entre 1963 e 1983. A música escolhida foi Splish splash, versão de
Erasmo, com quem logo comporia Parei na contramão, o primeiro
sucesso. A partir daí os dois trabalharam e trabalham juntos até hoje. Mas
durante um ano, em 1967, no auge do programa Jovem Guarda, eles nem
sequer se falavam: Erasmo recebeu um prêmio de Melhor Compositor no programa de
Wilson Simonal e esqueceu de citar o nome do parceiro. Quando no programa Jovem
Guarda Roberto chamava ao palco “o meu amigo Erasmo Carlos”, eles
estavam rompidos.
• Tremendão,
primeira opção
O programa foi uma
coincidência. A idéia da TV Record era reeditar a dupla formada pelos irmãos
Celly e Tony Campello. O primeiro escolhido (na verdade a terceira opção da
emissora) foi Erasmo Carlos, que fazia sucesso com Festa de arromba.
Para acompanhá-lo, chamariam Wanderléa ou Rosemary. Foi de Erasmo a idéia de
chamar Roberto. O publicitário Carlito Maia entrou com o nome Jovem
Guarda, que alega ter extraído de um discurso do comunista Lênin (um dos
tiranos da ex-URSS) – na verdade, era o nome de uma coluna do jornal Folha
de S.Paulo. A marca Calhambeque, tirada da versão de Erasmo, foi criada
para patrocinar o programa, já que nenhuma empresa havia se interessado.
• Festival de
San Remo
Roberto ficou
famoso vencendo o tradicional festival italiano de San Remo, em 1968, comCanzione
per te, de Sergio Endrigo. Essa não foi a primeira vez que seu nome esteve
ligado ao evento: ele já havia se recusado, em cima da hora, a participar no
ano anterior porque pensou que estava sendo enganado. Voltaria em 1972 para
cantar Un gatto nel blue, de Totó Sávio, que não se classificou.
• O mecânico
vira músico
Roberto Carlos
formou sua própria banda batizada com suas iniciais. Os primeiros integrantes
foram o baterista Dedé, que era jornaleiro, o baixista Bruno, um mecânico que
consertou seu carro em plena avenida São João, e o tecladista Wanderley, que se
apresentou como guitarrista para conseguir a vaga. O maestro Eduardo Lages,
substituto de Chiquinho Moraes, foi escolhido pelo critério Black & White
(marca de uísque), segundo Luiz Carlos Miéle, co-diretor dos shows de
Roberto. Foi Miéle que descobriu Lages numa boate de Ipanema.
• Quando
agradece, xinga
Ao compor, Roberto
evita certas palavras, usa a mesma cor de caneta, não faz setas nem rabiscos na
página em que escreve. Chega sempre três horas antes do início de seus shows.
Certa vez, foi quase detido em Miami porque parou na estrada para socorrer um
sapo atropelado. Chegou também a transportar uma libélula machucada numa viagem
de avião. Nunca cantou As rosas não falam, de Cartola, porque acha
isso uma inverdade. Sempre que se curva para agradecer ao público, ele xinga
baixinho, reza ou murmura coisas desconexas. Tem a mania de puxar para si o
microfone desde o show no Canecão – o primeiro era da marca
italiana Trimpine, de haste dobrável. Ele não gosta do número 13 e diz que
todas as suas superstições nasceram na infância – o avô, um destemido
cavaleiro, jamais vestia marrom, com medo de ser derrubado do cavalo.
• Rei sedutor
Além das três
mulheres com as quais foi casado, Roberto sempre esteve bem acompanhado. Antes
de Nice, ele namorou quatro anos Magda Fonseca, para quem compôs Não
quero ver você triste e Quero que vá tudo pro inferno. Depois
de Maria Rita, namorou Luciana Vendramini, atriz e modelo. Ambos sofrem de
transtorno obsessivo-compulsivo (TOC).
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