Segue
a transcrição do artigo de Reinaldo
Azevedo (foto), colunista da Veja
Online, sobre a decisão do Supremo que permite um novo julgamento a parcela
dos mensaleiros:
18/09/2013
às 15:24
O destino foi bastante cruel com o
venerando ministro Celso de Mello na reta final de sua longa trajetória no
Supremo Tribunal Federal (STF), aonde chegou aos 43 anos, em julho de 1989,
indicado por José Sarney. Caso não antecipe a sua aposentadoria, deixa a corte
em novembro de 2015, quando completa setenta anos. Ao longo desse tempo, as
mais variadas correntes de opinião, com visões as mais distintas, souberam
apreciar a sua retidão, o seu caráter, a sua seriedade. Jamais se furtou,
quando achou conveniente, a dizer palavras muito duras e severas, como quando
chamou os mensaleiros de “marginais do poder”. Mas sempre evitou a estridência
e os holofotes. Discordei dele neste espaço mais de uma vez. Critiquei
duramente, por exemplo, o seu voto em favor da liberação das tais “marchas da
maconha”. Creio que, no caso, confundiu domínios distintos, como o da liberdade
de expressão e o da apologia do crime. Ainda não mudei de ideia e estou mais
convencido hoje do seu erro do que antes. Nem por isso passei a respeitá-lo
menos. À diferença do subjornalismo a soldo, financiado por estatais e por
aliados do governo federal para atacar jornalistas, juízes e políticos da
oposição, sei a diferença entre a divergência e a pura e simples
desqualificação. Assim, não me divorcio do respeito que nutro por Celso de
Mello, mas é preciso que diga com todas as letras e com clareza incontornável: seu
voto em favor dos embargos infringentes, nesta quarta, é desastroso. E a
retórica que emprestou ao voto o torna ainda mais lamentável.
Faço questão de chamar, uma vez mais, a
atenção de vocês para um fato evidente. Tanto o “sim” como o “não” aos embargos
infringentes encontravam respaldo legal. Estava-se diante de uma daquelas
situações em que prevalece a interpretação. Não é raro que isso se dê nos
tribunais. Por isso existem os juízes. Estão aí para fazer o trabalho que não
pode ser executado por jornalistas, contadores, matemáticos, filósofos etc.
Existem para dar realidade e consequência prática ao espírito das leis, atuando
muito especialmente nas zonas intersticiais criadas ou pela ausência da letra
ou pela ambiguidade gerada por letras que, na superfície ao menos, estão em
conflito. Juízes, é certo, podem decidir estupidamente errado e fazer mal às
sociedades, mas nada que se compare a sociedades sem juízes.
Assim, qualquer decisão de Celso de
Mello poderia reivindicar o estatuto de legal. Descarte-se, pois, que os que se
opunham à sua escolha, inclusive dentro do tribunal, estivessem a advogar uma
saída de exceção Muito pelo contrário: se uma coisa e outra se amparavam em
códigos escritos, a mim sempre pareceu — e também a muitos especialistas — que o
“não” estava mais adequado ao espirito da lei. Mas o ministro escolheu fazer o
contrário. O “não” abriria o caminho para que, finalmente, se pusesse fim a
esse processo, que se arrasta no tribunal há seis anos — oito desde a que o
escândalo do mensalão veio à luz. O “sim” de Celso de Mello, o sexto, coloca o
país na vereda da incerteza, que, vejam só!, nos conduz àquilo que já somos:
uma país notório por uma Justiça que é falha porque tardia e tardia porque
falha. A insensatez dessa escolha se revela por qualquer ângulo que se qu eira,
e o da lógica é o mais evidente: quatro votos divergentes, então, bastam para
que um condenado tenha direito a um novo julgamento, mas cinco são inúteis para
impedir que ele se realize? Um oponente poderia redarguir: “Mas a maioria quis
o contrário”. E não foi, por acaso, a maioria que condenou os réus que agora
terão direito a um novo julgamento?
Não é raro que sejamos confrontados, na
vida pessoal e profissional, com situações em que somos forçados a escolher
entre alternativas que não encerram, em si, o ótimo. Os grandes dilemas éticos,
diga-se, sempre estão nessa categoria. A resposta nunca é óbvia ou insuscetível
de dúvidas. Nesse caso, parece-me, cumpre convocar a moral pessoal para que
seja ela a decidir. Entendo que, em situações assim, a escolha há de recair
sobre o mal menor. A despeito de eventuais simpatias e afinidades por este ou
por aquele, é bem possível que, ao celebrar um acordo com Hitler, em 1938,
Chamberlain e Daladier estivessem pensando em evitar a guerra — decidiram,
pois, entre duas alternativas ruins. Mas escolheram o mal maior, o que não
escapou aos olhos argutos de um certo Churchill: “Entre a desonra e a guerra,
escolheram a desonra e terão a guerra”.
Celso de Mello é um juiz, não uma
máquina de recitar dispositivos legais. Estou certo de que pesaram em sua
escolha o ambiente político, a campanha de desmoralização do Supremo que se
seguiria à eventual rejeição dos embargos, as tentativas — que seriam inúteis —
de apelar à Corte Interamericana etc. Assim, entre o trabalho de satanização do
STF e os embargos infringentes, Mello escolheu os infringentes e terá… a
satanização do STF. Ou vocês acham que o PT dará uma trégua aos ministros? Não
há a menor possibilidade de que isso aconteça. Doravante, vai se exigir cada
vez mais da Casa, até porque, como escrevi há tempos, o “mal” já se insinuou,
já fincou bandeira no tribunal. A que “mal” me refiro? A algum ente de outro
mundo? Não! Falo é de duendes deste mundo mesmo. Interesses ideológicos e
escancaradamente político-partidários sentaram praça na mais alta corte do país
.
Mello toma a decisão errada no momento
em que o tribunal sofre um assédio como nunca se viu. A ditadura aposentou
ministros à força, por conta de atos discricionários. O petismo quer calar todo
o tribunal, esteriliza-lo, transformando-o em merca corrente de transmissão dos
interesses partidários. E há vozes lá dentro a dizer inconveniências
incompatíveis com aquele ambiente e com as atribuições do Judiciário. Ricardo
Lewandowski acusa seus pares de atuação deliberada para prender um dos
condenados. Roberto Barroso não tem pejo de fazer um repto em favor de um
outro, nada menos do que presidente do partido à época em que se deu
consequência à velha tentação de tomar de assalto o poder. Dias Toffoli,
ex-subordinado daquele que foi considerado o chefe da quadrilha, não viu por
que se declarar impedido — e, ainda que quisesse, sabe que não teria como
fazê-lo.
O ministro diz “sim” aos infringentes
quando está em curso uma campanha de heroicização dos criminosos e de
criminalização dos ministros do Supremo que ousaram não fazer as vontades dos
poderosos de turno. Planejam-se fazer filmes, com dinheiro público (o mesmo
usado na tentativa de assalto ao Estado), em que os “marginais” do poder
atuarão como cavaleiros impolutos da ética, lutando contra os homens maus do
Supremo, que tiveram o topete de condená-los. Celso de Mello sabe muito bem que
ninguém estava a lhe cobrar que ignorasse a lei. Ao contrário: o que se pedia é
que ela fosse cumprida segundo o caminho virtuoso. O fato é que, infelizmente,
ainda que por intenções virtuosas, ele escolheu o caminho vicioso.
Todo o estrondo que se ouviu nas ruas em
junho, mal interpretado, acho eu, pelos virtuosos e a tempo manipulado pelos
viciosos, transformou-se não mais do que num suspiro nestes dias em que o STF
decidia os rumos do processo do mensalão. As ruas se calaram. O Sete de
Setembro ficou entregue aos vândalos, a fascistóides depredadores da ordem, a
hordas que, ficou claro, odeiam mais a imprensa livre do que os ladrões do
dinheiro público. Não sei se a reversão das expectativas de muita gente que tem
sede de justiça resultará em nova onda de indignação. Não creio. O mais
provável é que, à decisão de Celso se Mello, se siga um clamor silencioso, frio,
passivo, abúlico até. Os que tinham a desconfiança de que, no fim das contas,
como cansei de ouvir, “isso não daria em nada” verão confirmadas sua
expectativa triste. Como anteviu o mago petista Delúbio Soares, um dia se
falaria desse crime como ”piada de salão”, não é mesmo? Acho que Celso de Mello
contribuiu, querendo ou não, para fazer de Delúbio um visionário.
Agora, qualquer coisa pode acontecer — e
é grande a chance de que não aconteça nada. Um novo julgamento é um novo
julgamento. Ele implica, necessariamente, a mudança de resultado do que foi
definido no primeiro? Não é fatal, mas é o mais provável. Ou vamos esquecer que
Teori Zavascki, com o luxuoso auxílio de Ricardo Lewandowski e Dias Toffoli,
tentou usar os embargos de declaração para rever a pena de José Dirceu e de
outros heróis da pátria? O mínimo que se vai tentar e livrar o chefão petista e
amigos do crime de formação de quadrilha — ou diminuir-lhes drasticamente a
pena. Os quatro que inocentaram Dirceu nesse caso não têm por que mudar de
ideia. A decisão ficará com os dois mais novos ministros da corte.
A decisão errada e imprudente de um
virtuoso torna céticos os decentes e ainda mais cínicos os viciosos. A Justiça
vai a pique pelas mãos de seu mais ilustre e experiente timoneiro. Finalmente,
lastimo a retórica a que recorreu na introdução de seu voto, em que opôs o
direito, sede da morada da racionalidade, à voz do povo, movido por paixões
irracionais. Que um voto como esse, com essa abordagem, sirva para proteger, na
prática, os malfeitores petistas.
Por
Reinaldo Azevedo
6 comentários :
VOU ESPERAR O ARTIGO DELE A RESPEITO DO RECURSO QUE SEUS PATRÕES (A REDE GLOBO) impetraram contra a decisão que prevê A SONEGAÇÃO DE MAIS DE 700 milhões de reais pela REDE GLOBO. a PROPÓSITO,VOU ESPERAR TAMBÉM QUE ELE COMENTE ALGO SOBRE A PRIVATARIA TUCANA, OU SOBRE O MENSALÃO TUCANO...mas seis não, algo me diz que devo esperar sentado, em pé posso cansar...!
Vou esperar que você publique o artigo de alguém imparcial.
Poderiam desenterrar o lacerda q falaria menos merda.se estás bebendo em fonte tão fétida,não precisava ir tão longe era só pegar o editorial do «probo“ liberal.
Corretíssima a analise. Infelizmente foi dado o primeiro passo para instalar a ditadura comunista do PT.
Também acho que se a Globo é suspeita de sonegar R$ 700mi, e mesmo que fosse só um centavo, isso permite petista roubar o quanto for possível.
Realmente, a sonegação de 700 milhoes pela GLOBO (parto do pressuposto de que sonegou mesmo...)tira toda a luz do artigo.
A sonegação da GLOBO legitima toda essa lambança do PT e dos Ministros que são manifestamente simpáticos a Lula et caterva.
Em síntese: já que a GLOBO sonegou (e não presta, mesmo...) calem-se todos diante desse vai-e-vem do STF.
Parece que ninguem ouve a voz do povo: esse pessoal (PSDB, PT etc) só tem razão quando atacam uns aos outros.
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