Tiago Martins, ao fundo, entre uma jornalista de blusa amarela e um jornalista de camisa vermelha: tocante. |
Um
depoimento tocante, pela comovente coragem moral do seu autor, e esclarecedor,
porque evidencia o drama dos jornalistas do Diário
do Pará e do DOL, o Diário Online. Assim pode ser resumido o
relato, feito no Facebook, pelo jornalista Tiago Júlio Martins, repórter do
caderno “Cidades”, do Diário do Pará.
Apesar da pouca idade (22 anos), e ainda que sem sabê-lo, ele oferece a todos nós uma lição lapidar:
coragem não é ausência de medo, mas a capacidade de superá-lo diante dos
desafios da vida.
Segue
abaixo a transcrição, na íntegra, do relato de Tiago Júlio Martins:
“Oi, meu nome é Tiago e desde março do ano passado sou repórter do
jornal Diário do Pará. Hoje, depois do meio-dia, entrarei em greve por tempo
indeterminado com meus amigos e colegas de trabalho. Não é por 'amor à
profissão', não é por obrigação, não é por prazer, não é pra vestir a
camisa de nada, não é pra brigar pelo que eu acredito que seja meu, não é por
ideologia, utopia, rebeldia, idealismo, convicção política ou qualquer outra
crença que extrapole os limites claros e lógicos entre o que é justo do que é
injusto. Eu, que falo apenas por mim agora, estou me dispondo a brigar por algo
que é, simplesmente, justo. E é apenas isso. Todos nós, finalmente, adquirimos
a consciência de que temos energia pra tentar mudar (ao menos tentar) o que,
desde sempre, reconhecemos como errado. Não vamos transformar de uma vez só a
realidade das redações paraenses, não somos ingênuos e eu acredito ser cedo pra
dizer, nesse minuto, que faremos história. Agora, eu só quero garantir que, no
mínimo, as coisas se tornem um pouco menos injustas.
“Porque não é natural
ganhar menos de mil reais por mês pra assumir a responsabilidade de fazer o que
fazemos, dando nosso suor, nosso esforço e nosso talento a um grupo de
comunicação controlado por uma família multimilionária. Não é natural um
profissional esforçado e competente que se dedicou cinco anos a uma empresa,
dois deles sem os direitos garantidos porque nem carteira assinada tinha, ser
sumariamente dispensado sem aviso prévio, justificativa ou uma mísera desculpa
esfarrapada. Não é natural que o jornal 'mais premiado do mundo' trate assim seus 'colaboradores'. Não é natural aceitar ser encarados
como objetos descartáveis porque nos atrevemos a pedir mais, a pedir o pouco a
que temos direito, previsto em nosso piso salarial. É natural o medo, é natural
a insegurança, é natural o receio, mas não é natural permanecer indiferente e
aceitar a intransigência e a opressão como se fossem consequências
justificáveis e inquestionáveis.
“Léo foi demitido porque
ousamos questionar os interesses de quem acha que valemos pouco e subestimou,
até mesmo, nossa inteligência e capacidade de nos mobilizar. Eu me recuso a
atender aos interesses de quem acha que merecemos só o que nos está sendo
oferecido. De quem acha que não temos o direito de reivindicar nada além da
pouca coisa que querem nos dar. Como se permitir que trabalhássemos,
independente das condições e da remuneração, já fosse um favor que estão nos
fazendo e que se opor a isso é ingratidão. Não vivemos no regime dos
‘incomodados que se mudem’. É assustador e preocupante achar que merecemos
apenas o que temos hoje e mais nada, que devemos baixar a cabeça e nos
reconhecer impotentes e medíocres porque trabalhamos na iniciativa privada e
não há muitas opções no mercado de trabalho do Estado. Eu não quero acreditar
que não existe mais nada além disso. Não é possível que os únicos caminhos
sejam aqueles que nos obrigam a abrir mão de nossa dignidade e nos sujeitar à
exploração e ao descaso de nossos patrões.
“O Diário só recuou e se dispôs a negociar quando, finalmente,
percebeu que a situação sairia de controle e tomaria proporções maiores que as
esperadas. Foi necessário virmos a público e nos expor pra que coisas simples,
como cadeiras quebradas e um filtro sem condições de uso, fossem substituídos.
Ainda assim, a direção nos chama de incapazes e tenta nos desmobilizar
afirmando que estamos sendo ‘manipulados’ pelo Sindicato dos Jornalistas, que
estaria a favor do PSDB. Eu, que nunca pisei no Sinjor até o último sábado e
sempre evitei discursos partidaristas, me senti humilhado. Além do mais, como
eu poderia pensar em alinhamento político ao PSDB escrevendo pra um jornal com
a linha-editorial do Diário do Pará,
claramente de oposição ao governo? A tentativa de invalidar um movimento
espontâneo, que nasceu de nossa insatisfação e revolta, é covarde. A empresa
diz que valoriza e respeita seus funcionários, mas, com declarações assim, mostra
que duvida até da nossa capacidade mínima de discernimento.
"A direção fala ainda que
sempre esteve de portas abertas e disposta a ouvir. Mas, por duas vezes, os
funcionários ficaram embaixo do sol de meio-dia, protestando, pedindo atenção e
foram sumariamente ignorados. A única pessoa que deu atenção foi uma
funcionária do RH, preocupada em anotar o nome de quem participava do ato.
Depois, com a greve anunciada, foi proposto que negociássemos sem nosso
sindicato, nosso representante legal, numa clara tentativa de nos desmobilizar.
Como poderíamos? Além disso, pra mim, o discurso de preservar a ‘saúde
financeira’ de uma empresa do porte do Diário
é, em outras palavras, um eufemismo pra ‘não vou dar o que eles querem, porque
não posso prejudicar minha margem de lucro’. Nós já conseguimos muito, mas
descobrimos que temos pernas para conseguir mais. Apesar de tudo, eu ainda
confio no bom senso, na razoabilidade e na competência dos que gerem o Diário há anos. Não queremos, de forma
nenhuma, destruir todo esse trabalho. Ao contrário. Queremos profissionais
respeitados, valorizados e estimulados a construir um jornal maior e melhor. A
satisfação dos funcionários também determina o sucesso de uma empresa, não?
“Tenho medo de represálias,
mas eu tinha mais medo ainda de me acovardar diante de coisas tão insensíveis e
absurdas, que chegam a ser, literalmente, incríveis. Como disse Edmê, não
envergarei. Os medos persistem e, confesso, não são poucos. Mas descobri que os
colegas de profissão que eu admirava em silêncio também são grandes amigos e
pessoas incomparáveis. Extraordinárias em tantos aspectos que seria difícil
especificar cada um. Nos últimos dias, junto com eles, redescobri o senso de
justiça que me fez marcar, sem pensar muito, 'jornalismo' como opção
de curso. Como muitos colegas mais experientes que estão aqui, eu entrei na
universidade querendo mudar o mundo e, uma a uma, vi grande parte das minhas
ilusões serem desfeitas. Agora, junto dos meus colegas de redação, dos meus
amigos, encontrei novamente o ímpeto de fazer o certo e a vontade de mudar,
coisa que achei que tinha perdido irremediavelmente no meio das pequenas
frustrações do dia-a-dia. Parei parcialmente a vida pra lutar pra que outros
que, como eu, encontrarão no Diário do
Pará seu primeiro emprego, sejam mais valorizados do que sou nesse momento.
Pra que quem está lá, trabalhando há mais tempo, por amor ou por pura
necessidade, não sinta desgosto ao ver o contracheque no final do mês pensando
em como irá sustentar a família com o salário de fome que recebemos hoje.
“Por isso, por poder
alimentar os sonhos de todos que escolheram essa bonita e ingrata profissão, me
sinto feliz, hoje, de poder dizer que sou jornalista e valho mais. Eu me sinto
vivo e realizado profissionalmente como há meses não me sentia. Saímos da
inércia e das lamentações vazias. Nenhum de nós sabia que chegaríamos a esse
ponto e não sabemos exatamente pra onde vamos a partir daqui. A única certeza é
a de que vamos até o final, juntos. Contamos com apoio jurídico, temos o Sinjor
ao nosso lado e estamos amparados pela lei, mesmo reconhecendo o quanto ela
pode ser relativa nesse país.
“Daqui a pouco, estaremos
em frente ao Diário. Toda e qualquer
ajuda será bem-vinda. Não preciso nem falar que necessitamos de toda
colaboração possível. Se tu puderes curtir, compartilhar e divulgar nossa
página, já vai estar ajudando: https://www.facebook.com/grevediarioedol?fref=ts. Repasse a informação adiante. Não sabemos se os
outros veículos de comunicação locais nos darão atenção. De qualquer forma, em
algumas horas, nós superaremos medos, gritaremos nossas angústias e ousaremos,
de cabeça erguida, questionar quem sempre duvidou que fossemos capazes de
fazê-lo.
“Somos todos Leonardo
Fernandes não por sermos vítimas, mas por sermos lutadores. A demissão do Léo
veio para mostrar que nenhum de nós será retaliado sozinho e nenhuma injustiça
ficará impune. Não mais. Assédio moral, ameaças e coerções, provavelmente
continuarão acontecendo. Mas pra cada ato de covardia ou agressão,
denunciaremos, usaremos nossas armas, buscaremos nossos direitos e
responderemos à altura. Queria pedir, encarecidamente, que todos refletissem um
pouco e adquirissem a consciência de que, quanto mais unidos estivermos, mais
fortalecidos ficaremos. É um imenso clichê, mas realmente juntos somos mais
fortes. É hora de relevar as diferenças pessoais e nos juntar pelo mesmo
objetivo. Por favor, não vamos desagregar, nosso interesse é comum. Tá todo
mundo na mesma, independente de concordar ou não com a nossa postura. Tudo que
está acontecendo agora, as conquistas que estamos tendo, a abertura de diálogo
com a empresa, são consequências de nossa força. Sei que estamos iniciando algo
que é maior que nossa greve e não vai beneficiar apenas nós, do Diário e do DOL.
“Tenho apenas 22 anos, mal
tenho dois anos de carreira, sei muito pouca coisa da vida e do mundo e posso
até estar falando muita besteira. Mas acho que tenho maturidade suficiente pra
diferenciar o certo do errado. E se o que estamos fazendo e pedindo não é
certo, eu, sinceramente, não faço a menor ideia do que seja. Não queremos nada
impossível ou tão espetacular que não possa ser feito. Nós trabalhamos por elas,
nos unimos por elas e estaremos nas ruas por elas, como sempre estivemos.
Queremos verdade, democracia, valorização e dignidade.
“Conheço poucos dos que
estão aqui, mas agradeço, de coração, a todos pelo enorme apoio que temos
recebido desde que decidimos grevar no último sábado. Bom, desculpem se falei
demais. Depois de tudo que vivi, li e vi nos últimos dias, eu necessitava muito
desabafar. Se tu aguentaste ler até aqui, muito obrigado pela atenção. De
alguma forma, adquirimos a responsabilidade de servir de exemplos e não podemos
esmorecer. Coragem e vamos unidos até o fim.
“Não é só pela nossa
categoria, mas por todos os trabalhadores, por justiça. Nós apenas começamos.
“Até logo mais.”
5 comentários :
muito justo tudo isso. A historia do jornalismo no Brasil, é uma historia bonita, cheia de fatos interessantes e de coragem.Jornalistas que fizeram a historia do país nao ficar na obscuridade. E lembremos que numa época que não havia rede social.Nada os impediu de enfrentar as adversidades. Uma pena que estes empresarios não tenham inteligencia suficiente e nem time para perceber que estão perdendo a chance de darem um salto épico, fazendo valer direitos elementares destes jovens promissores que estão APENAS de passagem por lá. Se estes senhores baronizados tivessme discernimento, poderiam lembrar que estes jovens jornalistas levariam para o mundo um fato diferenciado sobre os jornais paraenses, se tivessem um tratamento de respeito, mas ah! lembrei, os donos são capitalistas,a qualidade do jornal interessa pouco.Que pena, que falta de visão...meninos e meninas, são voces que ficarão ´para a historia, não eles.
Laura Rosa Pinto de Almeida
Querem aumento.Querem , no término do mês , contra cheques dignos. Mas , um jornalista , ao meu ver , que assassina a língua portuguesa , antes de querer ir em busca do contra cheque digno, deve ir em busca da leitura - melhor maneira para obter uma escrita correta. Não sou Jornalista , tão pouco domino a língua portuguesa , mas escrever a palavra (poça),um substantivo feminino que se refere a um pequeno buraco onde a água se acumula,no lugar de (possa); a forma conjugada do verbo poder na 1ª ou na 3ª pessoa do singular do presente do subjuntivo ou na 3ª pessoa do singular do imperativo. A pronúncia é diferente: em poça a vogal o é fechada e em possa a vogal o é aberta. W.L.
" tão pouco domino a língua portuguesa "
Tampouco, W.L, tampouco...
W.L., és um xato!
Fernando.
Bem , quis dizer "tão pouco " no sentido de" muito pouco " domino a língua portuguesa . Não quis dizer : também não domino a língua portuguesa ; nem domino a língua portuguesa ; muito menos domino a língua portuguesa . Mas , agradeço sua observação . W.L
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