Em artigo publicado no portal iG, o jornalista Alberto Dines faz uma reflexão a propósito do caso da brasileira Paula Oliveira e das lições que ele oferece. Paulo Oliveira, que atualmente reside na Suíça, teria sido protagonista de uma farsa, ao se declarar agredida por neonazistas e, em conseqüência da agressão, ter sofrido um aborto.
Um caso para não esquecer
Alberto Dines
Paula Oliveira tem a sua identidade e a sua existência, mas o seu nome e o episódio em que se envolveu em Zurique poderão entrar para a história do preconceito contemporâneo. As razões que a levaram a inventar uma suposta agressão de neonazistas suíços são, por enquanto, irrelevantes. O “Affaire Paula Oliveira” é, em si, paradigmático porque contém a maioria dos ingredientes que marcam o nosso tempo e o tornam tão insensato e perturbador.
De alguma forma e por desígnios ainda ignorados, a jovem advogada pretendeu chamar a atenção do Brasil e do mundo para a exacerbação dos movimentos racistas que hoje empolgam a Europa. Empolgam e sempre empolgaram, diga-se. O fascismo e o nazismo europeus só deram trégua nas duas ou três décadas seguintes ao fim da 2ª Guerra Mundial.
A prosperidade européia e a própria construção da União Européia foram viabilizadas pelas massas de imigrantes portugueses, espanhóis, gregos, turcos e norte-africanos - os chamados gastärbeiter, trabalhadores convidados - dos países meridionais que ofereceram a mão de obra barata de que careciam as economias destroçadas da Europa Ocidental. Na geração seguinte, quando estes imigrantes tornaram-se parte das sociedades que ajudaram a construir, surgiram os problemas. Eram agora competidores no mercado de trabalho mais qualificado, começaram a ocupar posições de relevo nas respectivas sociedades e, ainda por cima, eram diferentes. E estas diferenças foram em grande parte as responsáveis pelo reaparecimento da militância racista anteriormente abrigada dentro do fascismo e do nazismo. Aos antigos preconceitos étnicos e religiosos foram acrescentadas as paixões políticas, as ideologias.
Foram as ideologias as responsáveis pela dimensão e repercussão do caso Paula Oliveira. A imprudência da mídia brasileira em abrigar as acusações foi uma patriotada descabida. O horror não foi provocado pela solidariedade humana com uma jovem supostamente atacada pela bandidagem política. O estouro da manada foi provocado por uma explosão ideológica. A emoção politizada forneceu as doses de irreflexão necessárias à conversão de uma reação antixenófoba num acesso xenófobo.
A prova está no fato de que dias depois, quando já se pressentia a reviravolta do caso, colunistas de nomeada ainda diziam que eventuais erros cometidos por Paula Oliveira eram insignificantes se comparados com as brutalidades cometidas pelos skinheads neonazistas. E logo se apontavam as medidas discricionárias adotadas em aeroportos europeus, principalmente Barajas, em Madri. A Espanha é um país socialista, os supostos agressores de Paula Oliveira seriam da extrema direita suíça, mas numa hora destas os brios feridos equalizam, cimentam e confundem todos os ressentimentos.
Quando um diplomata experiente e competente como o nosso chanceler Celso Amorim (mesmo depois de saber que Paula Oliveira já teria confessado o erro), afirma que o episódio era verossímil está negando não apenas os procedimentos jurídicos e a função da diplomacia, mas estabelecendo o primado do preconceito, do pré-juízo, da implicância e da prevenção.
O inimigo da razão chama-se apriorismo. Em defesa de uma conterrânea supostamente agredida foram utilizados os mesmos estereótipos que teriam motivado o ataque. Esta não é a melhor forma de combater a violência política. Reações coletivas extremadas só podem produzir sociedades totalitárias, incapazes de admitir o contraditório e o pluralismo.
A Argentina vai expulsar o bispo Richard Williamson, recentemente reabilitado pelo papa Bento XVI por insistir publicamente em negar o Holocausto perpetrado pelos nazistas contra os judeus. O sacerdote inglês é também um neonazista mas nem a Inglaterra, muito menos o Vaticano vão considerar o gesto argentino como afronta nacional.
O caso Paula Oliveira trouxe de volta o irracionalismo e o perigo dos linchamentos. E o pior, ficamos do lado errado junto aos irracionais e linchadores. Convém não esquecer este desconforto. Pode evitar vexames futuros.
Um caso para não esquecer
Alberto Dines
Paula Oliveira tem a sua identidade e a sua existência, mas o seu nome e o episódio em que se envolveu em Zurique poderão entrar para a história do preconceito contemporâneo. As razões que a levaram a inventar uma suposta agressão de neonazistas suíços são, por enquanto, irrelevantes. O “Affaire Paula Oliveira” é, em si, paradigmático porque contém a maioria dos ingredientes que marcam o nosso tempo e o tornam tão insensato e perturbador.
De alguma forma e por desígnios ainda ignorados, a jovem advogada pretendeu chamar a atenção do Brasil e do mundo para a exacerbação dos movimentos racistas que hoje empolgam a Europa. Empolgam e sempre empolgaram, diga-se. O fascismo e o nazismo europeus só deram trégua nas duas ou três décadas seguintes ao fim da 2ª Guerra Mundial.
A prosperidade européia e a própria construção da União Européia foram viabilizadas pelas massas de imigrantes portugueses, espanhóis, gregos, turcos e norte-africanos - os chamados gastärbeiter, trabalhadores convidados - dos países meridionais que ofereceram a mão de obra barata de que careciam as economias destroçadas da Europa Ocidental. Na geração seguinte, quando estes imigrantes tornaram-se parte das sociedades que ajudaram a construir, surgiram os problemas. Eram agora competidores no mercado de trabalho mais qualificado, começaram a ocupar posições de relevo nas respectivas sociedades e, ainda por cima, eram diferentes. E estas diferenças foram em grande parte as responsáveis pelo reaparecimento da militância racista anteriormente abrigada dentro do fascismo e do nazismo. Aos antigos preconceitos étnicos e religiosos foram acrescentadas as paixões políticas, as ideologias.
Foram as ideologias as responsáveis pela dimensão e repercussão do caso Paula Oliveira. A imprudência da mídia brasileira em abrigar as acusações foi uma patriotada descabida. O horror não foi provocado pela solidariedade humana com uma jovem supostamente atacada pela bandidagem política. O estouro da manada foi provocado por uma explosão ideológica. A emoção politizada forneceu as doses de irreflexão necessárias à conversão de uma reação antixenófoba num acesso xenófobo.
A prova está no fato de que dias depois, quando já se pressentia a reviravolta do caso, colunistas de nomeada ainda diziam que eventuais erros cometidos por Paula Oliveira eram insignificantes se comparados com as brutalidades cometidas pelos skinheads neonazistas. E logo se apontavam as medidas discricionárias adotadas em aeroportos europeus, principalmente Barajas, em Madri. A Espanha é um país socialista, os supostos agressores de Paula Oliveira seriam da extrema direita suíça, mas numa hora destas os brios feridos equalizam, cimentam e confundem todos os ressentimentos.
Quando um diplomata experiente e competente como o nosso chanceler Celso Amorim (mesmo depois de saber que Paula Oliveira já teria confessado o erro), afirma que o episódio era verossímil está negando não apenas os procedimentos jurídicos e a função da diplomacia, mas estabelecendo o primado do preconceito, do pré-juízo, da implicância e da prevenção.
O inimigo da razão chama-se apriorismo. Em defesa de uma conterrânea supostamente agredida foram utilizados os mesmos estereótipos que teriam motivado o ataque. Esta não é a melhor forma de combater a violência política. Reações coletivas extremadas só podem produzir sociedades totalitárias, incapazes de admitir o contraditório e o pluralismo.
A Argentina vai expulsar o bispo Richard Williamson, recentemente reabilitado pelo papa Bento XVI por insistir publicamente em negar o Holocausto perpetrado pelos nazistas contra os judeus. O sacerdote inglês é também um neonazista mas nem a Inglaterra, muito menos o Vaticano vão considerar o gesto argentino como afronta nacional.
O caso Paula Oliveira trouxe de volta o irracionalismo e o perigo dos linchamentos. E o pior, ficamos do lado errado junto aos irracionais e linchadores. Convém não esquecer este desconforto. Pode evitar vexames futuros.
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