terça-feira, 9 de junho de 2015

ROBERTO CARLOS – O que revela biografia censurada

Paulo Cesar Araujo, autor da biografia censurada por Roberto Carlos.

O que demais revelava a biografia não autorizada do Rei, "Roberto Carlos em Detalhes", de Paulo Cesar de Araújo, recolhida das livrarias tão logo foi lançada, em 2007, por determinação da Justiça? A perspectiva do STF, o Supremo Tribunal Federal, liberar a publicação de biografias não autorizadas faz recrudescer a curiosidade em torno das razões do interdito proibitório imposto por Roberto Carlos, além da versão destinada ao consumo externo.
Uma deixa sobre os motivos do surto censório de Roberto Carlos foi oferecida pela revista IstoÉ - Independente, em sua edição de número 1937, de 6 de dezembro de 2006, ao publicar uma resenha sobre o livro de Paulo Cesar de Araújo, produto de 15 anos de pesquisas do autor.
A resenha, assinada pelo jornalista Luiz Chagas e abaixo transcrita, também pode ser acessada pelo seguinte link:


Segredos do Rei

Roberto insistiu em ter um caso com Wanderléa, mas ela o rejeitou; ele e Erasmo só encenavam amizade no final da Jovem Guarda. Essas são algumas histórias da primeira biografia do maior fenômeno musical brasileiro de todos os tempos

Luiz Chagas

Faltava a biografia do cantor brasileiro mais popular de todos os tempos – rico, pobre ou remediado, branco, negro ou mulato, intelectuais e não estudados, católico, evangélico ou espírita, todos gostam dele e sabem um punhado de suas músicas. Ele é o Rei. E agora a sua tão esperada biografia (não autorizada) acaba de chegar: Roberto Carlos em detalhes (Planeta, 504 págs., R$ 59,90), escrita por Paulo Cesar de Araújo. Na verdade, detalhes é o que não faltam na obra. O autor pesquisou a vida de seu biografado ao longo de 16 anos, reuniu depoimentos de cerca de 200 pessoas que direta ou indiretamente compartilharam de seu caminho e entrevistou-o no final da década de 90. A carreira de ídolo de Roberto Carlos, ainda jovem, remete aos anos de 1963 a 1970, três deles comandando em São Paulo nas tardes de domingo, na antiga TV Record, o programa Jovem Guarda – a explosão de um rock ingênuo e bem-comportado batizado de iê-iê-iê. A grande consagração nacional veio em 1970 com o seu show no Canecão, no Rio de Janeiro. No livro, a vida do Rei avança cronologicamente, justamente até esse show. A partir daí, os capítulos focam temas específicos, como o palco (Quando eu estou aqui), o amor (Amante à moda antiga), a fé (Uma luz lá no alto) e assim por diante. ISTOÉ conta as principais histórias relatadas no livro: a trajetória de um garoto humilde que enfrentou, vitoriosamente, uma grave deficiência física causada na infância por um acidente de trem (que o fez perder parte da perna direita), que lutou contra o preconceito social e cultural de sua época e que se tornou Rei do Brasil sem perder a humildade.

 • A perna mecânica do Rei

Nascido em Cachoeiro do Itapemirim, no dia 19 de abril de 1941, Roberto Carlos Braga é filho caçula do relojoeiro Robertino e da costureira Laura. Seus irmãos: Lauro Roberto, Carlos Alberto e Norma. Desde a infância o seu apelido foi Zunga. Aos seis anos, no dia da festa de São Pedro, padroeiro da cidade, ele foi atropelado por uma locomotiva a vapor e sua perna direita teve de ser amputada até pouco abaixo do joelho. Roberto e a coleguinha de escola Fifinha estavam na plataforma da estação. Quando o trem se aproximava, a professora puxou repentinamente a menina com medo que ela caísse. Roberto, que estava de costas para os trilhos, assustou-se e acabou caindo. Ele usou muletas até os 15 anos, quando colocou a sua primeira prótese – essa parte de sua perna é mecânica.

 • Bolero de cowboy

Seu ídolo era o cantor paulista Bob Nelson (Nelson Perez), que se apresentava como cowboy. Roberto ia vestido de Bob Nelson na missa, com revólveres e tudo. Aos nove anos, de muletas, lá estava ele no Programa Infantil da Rádio Cachoeiro, cantando o bolero Amor y mas amor, de Bobby Capó. Logo começou a se apresentar em outros programas e a viajar pela região. Diante de tanto interesse, os pais o matricularam no Conservatório Musical de Cachoeiro do Itapemirim.

 • A turma do Bar Divino

Roberto chegou ao Rio de Janeiro sonhando em cantar em alguma rádio, em março de 1956. Enturmou-se num grupo que freqüentava o Bar Divino, no bairro da Tijuca. Dessa turma faziam parte Erasmo Esteves (futuro Erasmo Carlos), Tim Maia, Jorge Ben, o tecladista Lafayette (futuro tecladista do RC 4), Wilson Simonal, Luiz Ayrão, os irmãos Renato e Paulo César Barros (do Renato e seus Blue Caps), Luiz Carlos e Liebert Ferreira (do The Fevers). Ou seja: a jovem guarda já estava lá.

 • Elogios de João Gilberto

Quando ouviu João Gilberto pela primeira vez, Roberto abandonou o rock e passou a imitá-lo. Ele gravou o seu primeiro disco em 1959, poucos meses depois do revolucionário Chega de saudade, de João Gilberto, o que faz dele um precursor. O disco tem, de um lado, a música João e Maria(Roberto Carlos/Carlos Imperial) e, do outro, Fora do tom (Carlos Imperial). Roberto foi criticado na época, barrado pelo pessoal da bossa nova e esnobado pela MPB. O curioso é que João o viu cantar em 1959 e achou-o musical. Anos depois, no programa Fino da bossa, de Elis Regina, João Gilberto declarou: “É melhor tocar iê-iê-iê do que jazz retardado.”

 • Sem sexo com Wanderléa

Despedido da gravadora Polydor e não aceito nas gravadoras Chantecler, Continental, RCA-Victor, Odeon, RGE, Copacabana e Philips, Roberto tinha na Columbia (futura CBS) a sua última esperança. Foi contratado como um novo João Gilberto e gravou um LP, Louco por você, que nem mostrava a sua foto na capa. Conheceu Wanderléa quando o estava divulgando em 1961 no bairro carioca de Cordovil. A “platéia” era composta por ela e mais duas pessoas. Roberto não perdeu tempo. Sapecou-lhe um beijo na boca, sendo que a sua cheirava à coxinha de frango (é a própria Wanderléa quem conta isso no livro). Um ano depois eram colegas de gravadora. Chegaram a namorar mais tarde, mas nunca tiveram relações sexuais, por mais que ele insistisse. No auge daJovem Guarda, Wanderléa ainda era virgem.

 • O amigo e inimigo Erasmo

Roberto estreou uma música de Erasmo Carlos na boate Plaza. De volta ao rock, ele foi o primeiro cantor brasileiro a dispensar a orquestra e gravar com um conjunto, apoiado por Evandro Ribeiro, diretor da CBS e produtor de todos os seus discos entre 1963 e 1983. A música escolhida foi Splish splash, versão de Erasmo, com quem logo comporia Parei na contramão, o primeiro sucesso. A partir daí os dois trabalharam e trabalham juntos até hoje. Mas durante um ano, em 1967, no auge do programa Jovem Guarda, eles nem sequer se falavam: Erasmo recebeu um prêmio de Melhor Compositor no programa de Wilson Simonal e esqueceu de citar o nome do parceiro. Quando no programa Jovem Guarda Roberto chamava ao palco “o meu amigo Erasmo Carlos”, eles estavam rompidos.

 • Tremendão, primeira opção

O programa foi uma coincidência. A idéia da TV Record era reeditar a dupla formada pelos irmãos Celly e Tony Campello. O primeiro escolhido (na verdade a terceira opção da emissora) foi Erasmo Carlos, que fazia sucesso com Festa de arromba. Para acompanhá-lo, chamariam Wanderléa ou Rosemary. Foi de Erasmo a idéia de chamar Roberto. O publicitário Carlito Maia entrou com o nome Jovem Guarda, que alega ter extraído de um discurso do comunista Lênin (um dos tiranos da ex-URSS) – na verdade, era o nome de uma coluna do jornal Folha de S.Paulo. A marca Calhambeque, tirada da versão de Erasmo, foi criada para patrocinar o programa, já que nenhuma empresa havia se interessado.

 • Festival de San Remo

Roberto ficou famoso vencendo o tradicional festival italiano de San Remo, em 1968, comCanzione per te, de Sergio Endrigo. Essa não foi a primeira vez que seu nome esteve ligado ao evento: ele já havia se recusado, em cima da hora, a participar no ano anterior porque pensou que estava sendo enganado. Voltaria em 1972 para cantar Un gatto nel blue, de Totó Sávio, que não se classificou.

 • O mecânico vira músico

Roberto Carlos formou sua própria banda batizada com suas iniciais. Os primeiros integrantes foram o baterista Dedé, que era jornaleiro, o baixista Bruno, um mecânico que consertou seu carro em plena avenida São João, e o tecladista Wanderley, que se apresentou como guitarrista para conseguir a vaga. O maestro Eduardo Lages, substituto de Chiquinho Moraes, foi escolhido pelo critério Black & White (marca de uísque), segundo Luiz Carlos Miéle, co-diretor dos shows de Roberto. Foi Miéle que descobriu Lages numa boate de Ipanema.

 • Quando agradece, xinga

Ao compor, Roberto evita certas palavras, usa a mesma cor de caneta, não faz setas nem rabiscos na página em que escreve. Chega sempre três horas antes do início de seus shows. Certa vez, foi quase detido em Miami porque parou na estrada para socorrer um sapo atropelado. Chegou também a transportar uma libélula machucada numa viagem de avião. Nunca cantou As rosas não falam, de Cartola, porque acha isso uma inverdade. Sempre que se curva para agradecer ao público, ele xinga baixinho, reza ou murmura coisas desconexas. Tem a mania de puxar para si o microfone desde o show no Canecão – o primeiro era da marca italiana Trimpine, de haste dobrável. Ele não gosta do número 13 e diz que todas as suas superstições nasceram na infância – o avô, um destemido cavaleiro, jamais vestia marrom, com medo de ser derrubado do cavalo.

 • Rei sedutor


Além das três mulheres com as quais foi casado, Roberto sempre esteve bem acompanhado. Antes de Nice, ele namorou quatro anos Magda Fonseca, para quem compôs Não quero ver você triste e Quero que vá tudo pro inferno. Depois de Maria Rita, namorou Luciana Vendramini, atriz e modelo. Ambos sofrem de transtorno obsessivo-compulsivo (TOC).

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