Roberto Ribeiro Corrêa: rigor acadêmico e civilidade política. |
“Mesmo com todos os escândalos divulgados
pela mídia, vejo esses 31 anos como de avanço inominável da cidadania
brasileira. A liberdade de imprensa estimula a competição política, econômica e
social. Os escândalos não ficam debaixo do tapete, como nas ditaduras. Não há
como negar que o Estado brasileiro foi deslocado em benefício dos mais pobres,
com políticas públicas de transferência de renda que nos Estados Unidos e na
Europa ocorreram, em sua maioria, nos anos 30, 40 e 50 do século passado.”
A opinião é de Roberto Ribeiro Corrêa, ao avaliar o
mais longo período de estabilidade democrática da história da república
brasileira, cujo marco inaugural foi a eleição, no Colégio Eleitoral, do
ex-presidente Tancredo Neves, em 1985, que sepultou a ditadura militar
instalada em 1964, com a deposição do ex-presidente João Goulart, o Jango. Ele
é autor de “Jogos, Cenas e Cenários da Transição Democrática Brasileira”, a sua
tese de mestrado transformada pela Paco Editorial em livro, a ser lançado a 10
de março, às 6 horas da tarde, na livraria Fox Vídeo, na travessa Doutor
Moraes, nº 584.
“Jogos, Cenas e Cenários da Transição
Democrática Brasileira” traduz não apenas o rigor acadêmico do seu autor, um
dos mais respeitados intelectuais de sua geração, mas também o conhecimento de
causa de quem foi testemunha privilegiada do período tratado, na esteira de uma
vasta experiência política. Graduado em ciências econômicas pela UFPA, a
Universidade Federal do Pará, e mestrado e doutorado em ciências políticas pelo
IUPERJ, o Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro, Roberto
Corrêa foi servidor de carreira do Basa, o Banco da Amazônia S/A, e professor
da UFPA. Hoje aposentado, ele mantém-se, porém, em atividade, como pesquisador
na área de ciências políticas. O que faz com a autoridade de quem foi
testemunha privilegiada da história recente, como militante por quase 30 anos do
PCB, o Partido Comunista Brasileiro, do qual migrou para o PMDB, após o Partidão fragmentar-se, na esteira da
dissidência que deu origem ao PPS, surgido no rastro do colapso do comunismo,
o qual culminou com o desmanche da extinta URSS, a União das Repúblicas
Socialistas Soviéticas. Para além da experiência acumulada nos bastidores políticos
- nos quais sempre trafegou com desenvoltura, na esteira de um raro respeito
pelas diferenças -, Roberto Corrêa ainda teve a oportunidade de conhecer na
prática as entranhas do poder, como secretário estadual do Trabalho e Promoção
Social, de 1991 a 1994, período que corresponde ao segundo mandato, como governador, do senador Jader Barbalho, o
morubixaba do PMDB no Pará e a mais longeva liderança política da história do estado. Depois disso, foi ainda assessor da Casa Civil no governo da petista Ana Júlia Carepa, cujo mandato se estendeu de 2007 a 2010.
Com sua elegância política, Roberto Corrêa notabilizou-se por não confundir adversários com inimigos, o que lhe permite tratar com o merecido respeito personagens da história, vivos ou mortos, ainda que possam figurar na contramão do seu mapa de crenças ideológicas. Como é o caso, por exemplo, do empresário Oziel Carneiro, já falecido, que foi presidente do Banco da Amazônia e candidato derrotado ao governo do estado em 1982, pelo PDS, sucedâneo da Arena como partido de sustentação parlamentar da ditadura militar, mas consensualmente reconhecido como um homem pessoalmente probo e infenso a perseguições políticas. A propósito, em entrevista ao Blog do Barata, Roberto Corrêa revela a recusa de Oziel Carneiro, quando presidente do Banco da Amazônia, em marginalizar os servidores estigmatizados como comunistas, uma odiosa discriminação institucionalizada pelo regime dos generais.
Com sua elegância política, Roberto Corrêa notabilizou-se por não confundir adversários com inimigos, o que lhe permite tratar com o merecido respeito personagens da história, vivos ou mortos, ainda que possam figurar na contramão do seu mapa de crenças ideológicas. Como é o caso, por exemplo, do empresário Oziel Carneiro, já falecido, que foi presidente do Banco da Amazônia e candidato derrotado ao governo do estado em 1982, pelo PDS, sucedâneo da Arena como partido de sustentação parlamentar da ditadura militar, mas consensualmente reconhecido como um homem pessoalmente probo e infenso a perseguições políticas. A propósito, em entrevista ao Blog do Barata, Roberto Corrêa revela a recusa de Oziel Carneiro, quando presidente do Banco da Amazônia, em marginalizar os servidores estigmatizados como comunistas, uma odiosa discriminação institucionalizada pelo regime dos generais.
De resto, Roberto Corrêa defende “reformas que
busquem, a exemplo do que ocorreu em outros países, maior eficiência e eficácia
no uso dos recursos públicos”. “Trata-se, acima de tudo, de buscar uma redução
compatível no tamanho do Estado, com vistas a promover investimentos em
educação, saúde, segurança e habitação, bens indispensáveis para um choque de
capitalismo que nos leve a figurar no mercado internacional como potência
merecedora do papel histórico que nos reserva a política internacional, pois,
afinal, somos a sexta potência em tamanho de Produto Interno Bruto, em que pese
nossas deficiências em termos de distribuição de renda e produtividade da mão
de obra”, assinala na entrevista concedida ao Blog do Barata, na qual revelou uma
inquietação e entusiasmo inusitados para um homem de 71 anos, ao tratar do jogo
de pressões e contrapressões que pavimentou a transição democrática no Brasil,
tema do seu livro.
Qual
o foco específico de “Jogos, Cenas e Cenários da Transição Democrática
Brasileira”?
O foco específico do livro é a análise
política da transição democrática brasileira do período 1974 a 1985 para, com
isso, demonstrar que esse processo se deu de forma contingente, ou seja, menos
na dependência da vontade dos atores diretamente envolvidos, especialmente os
da hierarquia estatal (presidente, ministros e outros funcionários de alto
nível da República), do que da interação destes com outros atores sociais, com
interesses próprios, envolvidos em jogos mediados por instituições e contextos
cambiantes — fenômeno político que denominei “jogos da transição contingente”.
Qual
sua visão sobre a transição democrática no Brasil?
Minha visão, para ser objetiva e isenta,
orienta-se por uma trajetória metodológica que busca alcançar a análise
política comprometida com a racionalidade científica livre da subjetividade que
o tema — governos militares versus transição democrática, suscita. Com o
concurso da teoria da escolha racional e dos instrumentos da teoria dos jogos,
investigo e demonstro ser a denominação “contingente” adequada para sustentar a
hipótese de que evolução incremental das instituições do anunciado processo de
abertura lenta e gradual proposta pelo general presidente Ernesto Geisel, deu-se
condicionada à aleatoriedade de resultados não intencionais procedentes de
escolhas intencionais de atores em disputa por liderança e poder. Indico quatro
arenas de jogos, onde operam atores com interesses específicos: arena
intrapalaciana, onde jogam as duas facções majoritárias da coalizão de poder,
castelistas e linha-dura; arena parlamentar, onde jogam governo e oposição;
arena econômica, onde jogam governo e sociedade civil; e arena eleitoral, onde
jogam situação e oposição.
“Os petistas eram contra qualquer
possibilidade de disputa no Colégio
Eleitoral, uma vez que suas lideranças
estavam interessadas em delongar o jogo
institucional em proveito da organização
e fortalecimento de seu partido.”
Qual
a análise que você faz do papel das forças políticas organizadas que pavimentaram
a transição democrática, indo do MDB, do qual é sucedâneo o PMDB, ao PFL, hoje
DEM, passando pelas esquerdas?
As forças políticas e suas lideranças,
tanto da situação (Arena) como da oposição (MDB), tiveram papel decisivo na
escolha das estratégias que fizeram o processo de transição ter por desfecho a
lenta revogação das instituições de consolidação de interesses do regime
militar, para dar lugar, a partir da posse de Ernesto Geisel em 1974, e mais
tarde com João Batista Figueiredo, em 1979, a uma trajetória direcionada para o
retorno do Estado democrático de direito. Essas forças estimulariam o emergir
de uma nova coalizão de poder, formada por ex-perdedores e por uma fração de
ex-vencedores, para fundar a Nova República. Nesse importante e decisivo
momento político, é bom lembrar que o PDS, antiga Arena, deixa de ser o
“partido do João” para transformar-se no “partido do Maluf”. Em razão disso
tudo, nasce forte a Frente Liberal, agrupando os dissidentes do governo militar
sob a liderança de José Sarney, Aureliano Chaves e Marcos Maciel, entre outros,
e que viria mais tarde ser transformada no Partido da Frente Liberal, o PFL.
Esta frente, por sua vez, se une ao PMDB (antigo MDB) para constituir a Aliança
Democrática que conduziria à vitória da chapa Tancredo Neves e José Sarney no
Colégio Eleitoral.
Onde
situar o então nascente PT, nesse cenário, depois que o partido manteve-se à
margem da opção pelo Colégio Eleitoral, desaguadouro natural após a derrota, no
Congresso, da proposta de Diretas Já, que levou às ruas a insatisfação popular
com o regime militar?
A pergunta sugere aprofundar a resposta que
dei a questão anterior. Ou seja, nesse cenário de mudança rumo ao Colégio
Eleitoral, como era de se esperar pela estratégia e lógica dos novos atores
envolvidos, formava-se de um lado a já referida coalizão centrista da Aliança
Democrática (Frente Liberal e PMDB) em apoio à chapa Tancredo-Sarney, e de
outro, duas outras coalizões representadas pela fração do que sobrara do PDS em
apoio à candidatura Paulo Maluf; e a esquerda, liderada pelo PT, pregando o não
comparecimento ao Colégio Eleitoral. O impasse estava mais uma vez colocado na
cena política parlamentar brasileira, refletindo, com isso, a especificidade do
momento de transição de poder. Os petistas eram contra qualquer possibilidade
de disputa no Colégio Eleitoral, uma vez que suas lideranças estavam
interessadas em delongar o jogo institucional da transição em proveito da
organização e fortalecimento de seu partido, o PT.
“Tancredo e Ulysses contribuíram para
a transição participando da estratégia do
Colégio Eleitoral. Brizola, por sua vez, apoiou
a estratégia de retorno ao multipartidarismo,
defendida pelo general
Golbery do Couto e
Silva, que tinha o objetivo de dividir o MDB.”
E o que
dizer das Forças Armadas?
Prefiro nominar linha dura, o ator
político, ao invés de Forças Armadas, a instituição que pela lógica do direito
constitucional teria que estar submetida ao presidente da República, coisa que
não vimos acontecer nos 21 anos de ditadura militar. O problema maior na
transição democrática ocorre com a posse de Geisel e o seu compromisso com a
concessão de maiores franquias a oposição. Era de se esperar, portanto, com as
iniciativas de estímulos participativos nas eleições de 1974, em especial o
acesso à propaganda eleitoral gratuita na TV, o crescimento dos resultados de
comparecimento e de votos conferidos a oposição, não apenas em função do surto
de urbanização ou da inflexão demográfica que potencializava a chegada de novos
eleitores e de novas escolhas, mas, e principalmente, devido a artificialidade
do processo eleitoral de 1970, em pleno governo Médici, que se destacou pela
violência, pela repressão, pela violação sistemática e continuada dos direitos
humanos. Com o resultado eleitoral de novembro de 1974, os atores da coalizão
de poder tomam conhecimento da expressiva vitória alcançada pelo MDB ao
conquistar 16 cadeiras no Senado e 169 na Câmara, contra seis e 204 da Arena,
além de fazer a maioria nas Assembleias Legislativas dos estados mais
importantes, como São Paulo, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul. O novo cenário
frustrava as expectativas tanto de castelistas como da linha-dura, despertando
apreensão e assim projetando sombras ameaçadoras sobre o processo de distensão
em curso. O ano de 1975, consequentemente, inaugura a temporada do confronto
radical entre os parceiros da coalizão de poder, agravando as expectativas de
recuo estratégico do governo Geisel. O confronto entre castelistas e
linha-dura, passava agora a depender, em seus resultados, do que ocorria nas
demais arenas, sobretudo no Congresso Nacional, a arena parlamentar, que agora
contava com a participação de uma oposição parlamentar mais autônoma, inserida
e mais comprometida com as forças democrática, e mais sensível a conexão
eleitoral. Diante desse quadro restava as Forças Armadas, como instituição,
permanecerem fiel ao arremedo constitucional em vigor, obedecendo ao presidente
da República, o chefe maior, Ernesto Geisel, sem com isso deixar de abrigar em
seu seio a diversidade ideológica de seus quadros, máxime para as duas facções:
castelistas e linha-dura. Foi nesse clima de confronto entre castelistas e
linha dura que Geisel edita o Pacote de Abril, o qual, inspirado nas
recomendações do general Golbery do Couto e Silva, traria os elementos de
interesse da linha dura, dos castelistas e das forças democráticas, na base do
conhecido adágio por ele repetido: uma no cravo, outra na ferradura. Com a
edição dessas medidas, o Pacote de Abril de 1977, Geisel recupera a condução do
processo de abertura.
A
habilidade do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, ao reduzir sua expressão
política na composição do ministério, foi decisiva para fazer Exército, Marinha
e Aeronáutica se resignarem com a missão constitucional que lhes cabe,
abdicando da veleidade de tutores da democracia?
Sim. FHC atendeu as expectativas das forças
democráticas que tomaram parte do pleito que o elegeu apostando na
institucionalização do Estado Democrático de Direito. FHC atendeu, igualmente,
seus interesses políticos aquando das negociações que precederam a nomeação de
seus ministros. Não seria outra a forma de exemplificar a mudança de paradigma
na formação do governo, se não abrindo espaço para a formação de governos de
coalizão, com representação proporcional dos partidos da base aliada com
assento na Câmara dos Deputados e no Senado Federal. As Forças Armadas coube a
missão de voltar aos quartéis.
“FHC atendeu as expectativas das
Forças democráticas que tomaram
parte do pleito que o elegeu
apostando na institucionalização
do Estado de direito. FHC atendeu,
igualmente, seus interesses políticos.”
Qual
a importância do papel desempenhado, nesse processo de redemocratização, por
personagens como o doutor Ulysses Guimarães, o ex-presidente Tancredo Neves e o
ex-governador Leonel Brizola?
O doutor Tancredo e o doutor Ulysses, como
eram respeitosamente chamados, contribuíram para a transição participando da
estratégia castelista do Colégio Eleitoral. Leonel Brizola, por sua vez, apoiou
a estratégia de retorno ao multipartidarismo, defendida pelo Chefe da Casa
Civil, general Golbery do Couto e Silva, que tinha o objetivo evidente de
dividir o principal partido oposicionista, o MDB, visando manter, sob o controle
do governo a agenda política às condições em que seria construída a nova
estrutura partidária.
E a
redemocratização no Pará, como se deu, na sua ótica? Por que ela só produziu de
mais expressivo o senador e ex-governador Jader Barbalho, cujo nome é
indelevelmente associado a suspeitas de corrupção, até pela inexplicável
evolução patrimonial?
A ciência política recomenda postura
científica, impessoal, diante de perguntas dessa natureza. Jader Barbalho foi a
grande liderança historicamente visível no processo de arregimentação e
unificação das forças democráticas no Pará. Jader, como candidato ao governo do
estado, reconheceu a importância da frente de esquerda liderada por Raymundo
Jinkings, a FDO – Frente Democrática de Oposição, organização suprapartidária
criada com o propósito de evitar os efeitos maléficos do multipartidarismo
golberyano, de dividir as oposições em benefício do candidato da situação, do
regime militar. Foi assim que Benedito Monteiro foi convencido por Jinkings a
desistir de sua candidatura ao governo do estado, passando a integrar a chapa
apoiada pela FDO, como candidato do PTB a deputado federal, em apoio a
candidatura do pemedebista Jader Barbalho ao governo do estado. Em sua primeira
eleição para o governo do estado, Jader, em novembro 1982, venceu com 51% dos
votos, graças ao merecido apoio que teve dos que acreditaram ser necessário e
possível derrotar o candidato apoiado pelos militares, o empresário Oziel
Carneiro, que obteve 42% dos votos; aliás, devo dizer, um figura honesta e
democrática que aparece nos dossiês do SNI como tolerante com a “infiltração
comunista no Basa”, onde foi presidente, tendo por assessores conhecidos
militantes comunistas. Bom lembrar que naquele ano, 1981, a eleição de Jáder e
de outros governadores de oposição, era estratégica para avançar com a abertura
democrática que viria em seguida rumo ao Colégio Eleitoral que elegeria
Tancredo e Sarney. Jáder continua hoje sendo uma liderança e assim incomoda os
que, se achando poderosos, veem sua ascensão política como algo inaceitável
explicando, assim, as invectivas de seus adversários, entre as quais a de que
seu patrimônio seria incompatível com sua renda. Ora, é de se supor que essa
acusação, caso tivesse provimento investigativo, já teria sido confirmada pela
Receita Federal que dispõe de ferramentas legais e tecnológicas para
investigar, provar e enquadrá-lo. Por isso prefiro não aceitar essa hipótese
que vem sendo testada há anos sem comprovação A ciência política não pode
deixar de reconhecer que Jader, apesar das sucessivas e violentas campanhas de
difamação, continua se reelegendo. Uma palavra explica esse fenômeno: carisma!
“Os escândalos de corrupção,
divulgados desde Collor, FHC,
passando por Lula e Dilma,
demonstram a necessidade de uma
reforma política que tenha por missão
rever o sistema eleitoral e de governo.”
Apesar
dos solavancos do governo Sarney; da passagem traumática que foi o impeachment
do ex-presidente Fernando Collor; da corrupção sistêmica verificada nos
governos Lula e Dilma Rousseff, reveladas pelos escândalos do mensalão e do
petrolão; e das crises econômicas, a democracia perdura aparentemente incólume
no Brasil. A que isso se deve, diante de tantos percalços?
A democracia brasileira, como outras
democracias, convive com o aperfeiçoamento continuado de suas instituições.
Assim, podemos admitir que um dos principais elementos da Constituição Cidadã,
a Constituição Federal de 1988, foram as alterações concernentes ao papel do
Ministério Público que passou a ser independente, separado dos poderes
Executivo e Judiciário, cabendo-lhe, como instituição, promover inquérito e
ação civil pública com vistas a proteger o patrimônio público e social - missão
que faz dos procuradores guardiões dos interesses legítimos da cidadania. Nesse
sentido, entendo serem os escândalos midiáticos resultantes da combinação entre
as novas atribuições do Ministério Público, combinadas a liberdade de imprensa,
máxime para o jornalismo investigativo as variáveis explicativas desses
eventos. Há que reconhecer que esse novo padrão de jornalismo, o investigativo,
tem por efetiva missão informar a sociedade, ajudando, com isso, a tornar
legítimas as ações tanto do Ministério Público como da Polícia. Por último,
devo reconhecer que os escândalos de corrupção, divulgados desde Collor, FHC,
passando por Lula e Dilma, estão a demonstrar a necessidade imperiosa de uma
reforma política que tenha por missão rever tanto o sistema eleitoral como o
sistema de governo. No eleitoral as propostas de voto proporcional em lista
fechada e pré-ordenada ou, quem sabe, a alternativa do voto distrital misto
tipo alemão. E quanto ao sistema de governo as alternativas, parlamentarismo ou
semipresidencialismo, como queria a Comissão Afonso Arinos. Estes dois temas
teriam que ser tratados via Constituinte exclusiva, ou seja, seus participantes
democraticamente eleitos não poderiam participar do pleito seguinte; evitando,
assim, que a raposa faça as leis para a guarda do atual “galinheiro público
brasileiro”.
São
evidentes os indícios de que o populismo, a incompetência e a arrogância dos
sucessivos governos petistas esfarinharam a estabilidade econômica pavimentada
pelo Plano Real. Quais os reflexos disso na florescente democracia do Brasil
Costumo a dizer que o PT, em que pese os
avanços sociais e econômicos registrados pelas estatísticas do IBGE, terminou,
assim mesmo, caindo no alçapão institucional que fez o Partido dos
Trabalhadores, que pregava a honestidade e combatia a corrupção, virar um ator
político igual ou pior do que seus antecessores Sarney, Collor e Fernando
Henrique Cardoso. O grande problema do partido de esquerda, seja no Brasil, na
América do Sul, ou na Europa, é ganhar a confiança do empresariado. Nesse
particular Lula, o presidente sindicalista, fez o que foi necessário para
construir uma base aliada no Congresso Nacional e para isso buscou recursos
junto ao empresariado envolvido nos escândalos de corrupção, que já vinham de
outros governos. O resto é história apelidada pela mídia de mensalão e petrolão.
Escândalos semelhantes alcançam os governos do PMDB, PSDB e outros partidos. O
Estado de direito democrático está rendendo os seus frutos, pois o eleitor tem
acesso a informação e, por mais decepcionado que esteja, alimenta a esperança
de ver uma solução ou, melhor, uma equação: uma reforma política que de conta
de atenuar o encantamento da corrupção política que avassala partidos e
lideranças de qualquer tendência ideológica. A crise econômica e financeira,
por sua vez, é fruto da crise global, tendo por agravante a paralisia decisória
que marca as relações entre Executivo e Legislativo, agravada com os efeitos
maléficos dos escândalos do petrolão. O ajuste fiscal é necessário e a
aprovação da CPMF, indispensável, para sanar o déficit fiscal que tanto
alimenta a desconfiança do empresariado, impedindo-o de investir no Brasil.
“O PT, em que pese os avanços sociais
e econômicos registrados, terminou caindo
no alçapão institucional que fez o partido,
que pregava a honestidade e combatia
a corrupção, virar um ator político igual
ou pior do que seus antecessores.”
Falta
ao Brasil, como querem alguns, um choque de capitalismo, capaz de livrar o
Brasil do chamado “capitalismo de compadrio”, evidenciado pelas promíscuas
relações do empresariado com o Estado e os políticos?
Quando falamos em capitalismo de compadrio
estamos nos referindo a ineficácia do mercado para cobrir de estímulos
seletivos os que buscam vender e comprar os produtos em nossa economia. As
políticas tributária e fiscal, de que consistem os atos de arrecadar e de
gastar em nome do Estado brasileiro, têm demonstrado serem muito aquém do
necessário para fazer do Brasil um país socialmente justo e economicamente
competitivo em nível internacional. O Estado brasileiro é apontado pela
Transparência Internacional como tendo a máquina de administração pública mais
cara do mundo como proporção do PIB, superando a marca dos Estados Unidos e dos
países da União Europeia. Gastamos muito e perdulariamente o dinheiro público.
Nas câmaras municipais, assembleias legislativas e no Congresso Nacional,
observam-se inacreditáveis abusos em mordomias desnecessárias, algo que se
manifesta também, mesmo que em menor proporção, nos poderes Executivo e Judiciário.
Nesse apanhado de insensatez institucional estão as mordomias que terminam por
contaminar as relações entre Estado e mercado, como, aliás, está sendo provado
nos recentes e antigos escândalos investigados pelo Ministério Público e pela
Polícia Federal. Colocar um basta nessas promíscuas relações do empresariado
com o Estado e com os políticos, significa lutar por reformas que busquem, a
exemplo do que ocorreu em outros países, maior eficiência e eficácia no uso dos
recursos públicos. Trata-se, acima de tudo, de buscar uma redução compatível no
tamanho do Estado, com vistas a promover investimentos em educação, saúde,
segurança e habitação, bens indispensáveis para um choque de capitalismo que
nos leve a figurar no mercado internacional como potência merecedora do papel
histórico que nos reserva a política internacional, pois, afinal, somos a sexta
potência em tamanho de Produto Interno Bruto, em que pese nossas deficiências
em termos de distribuição de renda e produtividade da mão de obra, itens
indispensáveis ao almejado choque de capitalismo.
A
redemocratização não conseguiu aplacar as discrepâncias regionais, e mais
particularmente a espoliação do Pará. A que atribuir essa situação enfrentada
por nós, paraenses? Falta determinação políticas às nossas lideranças, que
parecem mais preocupadas em priorizar as disputas paroquiais e em manter seus
currais eleitorais, mediante o assistencialismo que fixa o homem na miséria, ao
invés de libertá-lo?
As disputas paroquiais são, sem dúvida,
imensamente prejudiciais ao Pará no contexto da competição democrática, como
ficou demonstrado no lamentável episódio da Copa do Mundo, em que o Pará ficou
de fora desse certame, perdendo investimentos, graças às fendas paroquiais de
sua bancada no Congresso Nacional. Um dos senadores, ao se pronunciar sobre o
caso de uma adolescente que, presa em uma unidade policial de Abaetetuba,
frequentava as celas dos presidiários para a prática do comércio sexual,
preferiu denegrir a imagem do governo de então, o governo Ana Júlia Carepa, a
fazer o certo. Que seria apontar as responsabilidades de quem, como autoridade
policial e judicial, deixou de atuar fiscalizando no tempo certo para impedir
esse abuso praticado contra a menina. Resultado, o escândalo midiático da
exploração sexual da adolescente acabou por excluir o Pará da Copa do Mundo. É
bom lembrar que o Pará, como os demais estados federativos, depende, em
princípio e estratégia, da unidade de suas bancadas no Congresso Nacional, com
vistas a captar recursos oriundos das emendas necessárias a dinamização dos
investimentos em infraestrutura física e social, sem o que não há como, a médio
e longo prazos, superar as disparidades regionais. A unidade das bancadas
estaduais em articulação com as bancadas de outros estados interessados no
mesmo tema, é fator importante para um bom desempenho junto a Comissão Mista de
Orçamento; instância onde se dão as decisões distributivistas das emendas
parlamentares tão necessárias a atratividade dos investimentos das grandes
empresas.
“Jader foi a grande liderança
historicamente visível no processo
de arregimentação das forças democráticas
no Pará. Jader, como candidato ao governo,
reconheceu a importância da frente
de esquerda liderada por Jinkings.”
No
pressuposto de que os avanços podem não ter o ritmo de nossas necessidades, mas
ocorrem, qual o balanço que você faz, passados 31 anos da eleição do
ex-presidente Tancredo Neves, marco da redemocratização?
Mesmo com todos os escândalos divulgados
pela mídia, vejo esses 31 anos como de avanço inominável da cidadania
brasileira. A liberdade de imprensa estimula a competição política, econômica e
social. Os escândalos não ficam debaixo do tapete, como nas ditaduras. Não há
como negar que o Estado brasileiro foi deslocado em benefício dos mais pobres,
com políticas públicas de transferência de renda que nos Estados Unidos e na
Europa ocorreram, em sua maioria, nos anos 30, 40 e 50 do século passado.
É verdade que o Brasil, além das politicas
de transferência de renda, precisa de políticas públicas outras mais compatíveis
com o novo cenário internacional a emergir da crise global, políticas estas que
têm por marca pesados investimentos em infraestrutura como portos, aeroportos,
transporte de massa, urbano e de longo curso. Diria mais: o Brasil precisa
investir em educação, buscando quantidade e qualidade. Em que pese a urgência e
a natureza dessas demandas, o diagnóstico institucional brasileiro, lamento
reconhecer, é dos piores: o sistema político brasileiro não atende às
necessidades do país. Nosso maior problema político está na forma como
escolhemos nossos representantes. Se a mesma lógica fosse adotada pelas
empresas na seleção de seus executivos, o Brasil hoje estaria na pior. Em razão
dessas instituições políticas, como o voto nominal em lista aberta, a corrupção
chega e se agiganta. Segundo a Transparência Internacional, os recursos
desviados pela corrupção foram equivalentes a 16 vezes o orçamento do programa bolsa-família
de 2008, da ordem de R$ 16,5 bilhões. O que pensar do efeito danoso do petrolão?
Em conclusão, nosso crescimento econômico e social não tem sido no ritmo
desejável, mas ocorrem. O que falta então? A luta democrática em busca de uma
reforma política que tenha por meta o aperfeiçoamento do aparato institucional
com vistas a reduzir a corrupção ao mínimo aceitável, uma vez que sua extinção,
aqui e alhures, é missão impossível, que diga o papa Francisco quando assumiu o
governo do Vaticano!
SERVIÇO
Livro – “Jogos, Cenas e
Cenários da Transição Democrática Brasileira”, de Roberto Ribeiro Corrêa, 200
páginas, editora Paco Editorial, R$ 45,90.
Lançamento - 10 de março, às 18
horas, na livraria Fox Vídeo, na travessa Doutor Moraes, nº 584.
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