terça-feira, 1 de maio de 2012

IFPA – A decisão da juíza Hind Kayath

        Segue abaixo, na íntegra, a manifestação da juíza Hind Kayath determinando a reintegração do professor Fernando Cunha Bastos.

CLASSE 2100: MANDADO DE SEGURANÇA INDIVIDUAL
IMPETRANTE: FERNANDO ANTONIO CUNHA BASTOS
IMPETRADO: REITOR DO INSTITUTO FEDERAL DE EDUCAÇÃO, CIÊNCIA E TECNOLOGIA DO PARÁ - IFPA
JUÍZA FEDERAL: HIND G. KAYATH
D E C I S Ã O

FERNANDO ANTONIO CUNHA BASTOS impetrou a presente ação constitucional de mandado de segurança contra o REITOR DO INSTITUTO FEDERAL DE EDUCAÇÃO, CIÊNCIA E TECNOLOGIA DO PARÁ - IFPA, objetivando, em sede de provimento jurisdicional liminar, a suspensão dos efeitos do ato pelo qual foi apenado com a demissão, qual seja, Portaria n. 314/2012, de 27/03/2012, publicada no DOU em 28/03/2012, bem como a admissão de sua inscrição para concorrer às eleições para Reitor do IFPA (quadriênio 2012/2016), em face do que prevê o Edital n. 01/2012 CEC/CONSUP.

Brevemente relatado. Passo à decisão.

A pretensão autoral sustenta-se sobre a premissa de que o Processo Administrativo Disciplinar 23051.012312/2011-27, que culminou com o ato de demissão do impetrante, deve ser anulado, em linhas gerais, em decorrência da imparcialidade do Presidente da Comissão Processante, cuja suspeição foi arguida na defesa administrativa, e porque foi aplicada ao impetrante punição diversa da sugerida pela Comissão Processante, sem a devida fundamentação e motivação.

Inicialmente, impende ressaltar que em sede de mandado de segurança a atividade cognitiva do juiz no plano horizontal é limitada, somente comportando trazer à discussão na ação mandamental fatos que não demandem dilação probatória.

Para além disso, também há limitação no controle judicial sobre o ato administrativo em análise, que não admite o avanço do magistrado na feição meritória da penalidade em discussão acerca do seu grau de justiça ou injustiça, autorizando, apenas, que se avalie se sua aplicação observou estritamente os requisitos legais fixados em lei, no que também se inclui, segundo a jurisprudência emanada das mais altas Cortes Nacionais, a avaliação do ato de demissão sob o prisma da motivação utilizada.

Feitas estas considerações, necessário que se concentre a apreciação da matéria ora posta na inobservância da legislação de regência pela autoridade administrativa, em especial, do que determina a Lei n. 8.112, de 11 de dezembro de 1990, no tocante ao julgamento do processo disciplinar instaurado para apurar responsabilidade de servidor por infração praticada no exercício de suas atribuições. Confira-se:

Art. 149. O processo disciplinar será conduzido por comissão composta de três servidores estáveis designados pela autoridade competente, observado o disposto no § 3o do art. 143, que indicará, dentre eles, o seu presidente, que deverá ser ocupante de cargo efetivo superior ou de mesmo nível, ou ter nível de escolaridade igual ou superior ao do indiciado.

...

Art. 165. Apreciada a defesa, a comissão elaborará relatório minucioso, onde resumirá as peças principais dos autos e mencionará as provas em que se baseou para formar a sua convicção.

§ 1o O relatório será sempre conclusivo quanto à inocência ou à responsabilidade do servidor.

§ 2o Reconhecida a responsabilidade do servidor, a comissão indicará o dispositivo legal ou regulamentar transgredido, bem como as circunstâncias agravantes ou atenuantes.

Art. 166. O processo disciplinar, com o relatório da comissão, será remetido à autoridade que determinou a sua instauração, para julgamento.

Art. 167. No prazo de 20 (vinte) dias, contados do recebimento do processo, a autoridade julgadora proferirá a sua decisão.

Art. 168. O julgamento acatará o relatório da comissão, salvo quando
contrário às provas dos autos.

Parágrafo único. Quando o relatório da comissão contrariar as provas dos autos, a autoridade julgadora poderá, motivadamente, agravar a penalidade proposta, abrandá-la ou isentar o servidor de responsabilidade. (sem destaque no original).

Na hipótese dos autos, segundo se extrai do Relatório Final da Comissão de Processo Administrativo Disciplinar, no que toca ao impetrante, a Comissão Processante concluiu o seguinte (fls. 4215/416):

Conclusão, o indiciado praticou ato contrário ao art. 116, 111 da Lei nº 8.112/1990 e no art. 132, IV, VIII e X da Lei nº 8.112/1990, penalidade disciplinada no art. 132, caput da Lei n° 8 112/1990. Entretanto, considerando os termos do art. 128 da Lei nº 8.112/1990, na aplicação da penalidade serão consideradas a natureza e a gravidade da infração cometida, os danos que dela provierem para o serviço público, as circunstâncias agravantes ou atenuantes e os antecedentes funcionais, a Comissão de Processo Administrativo Disciplinar identificou que não houve má-fé do indiciado, além do fato de que não auferiu vantagem com os vícios identificados e não há qualquer averbação de conduta administrativa viciada no assentamento funcional. Portanto, diante de tais argumentos, a Comissão de Processo Administrativo Disciplinar opina pela aplicação do art. 130 da Lei n° 8.112/1990, esclarecendo que a autoridade julgadora poderá, motivadamente, agravar a penalidade proposta, abrandá-la ou isentar o servidor da responsabilidade, conforme art. 168, parágrafo único da Lei n°. 8.112/1990, tendo como base as penalidades disciplinadas no art. 145, II da Lei n°. 8.112/1990. (sem destaque no original).

Encaminhados os autos do PAD à autoridade julgadora, ora autoridade coatora, foi proferido o seguinte despacho (fls. 4262/4265):

4. Assim, com base no relatório da Comissão do PAD, bem como nas provas apresentadas no Relatório da Auditoria Especial, fazemos a análise do mérito e da culpabilidade de cada indiciado, uma vez que não restaram dúvidas quanto às responsabilidades dos servidores envolvidos e estando seguro e convencido fazemos o julgamento, que segue:
.....
14. FERNANDO ANTONIO CUNHA BASTOS, matricula SIAPE 1740793, ocupante do cargo de Professor do Ensino, Básico, Técnico e Tecnológico, por não observar o dever de ser leal à Instituição em que serve e a por não aplicar corretamente as normas legais e regulamentares intrínsecas a Lei n° 8.666/93, bem como agir com desleixo na instrução processual para aquisição de bens e contratação de serviços, possibilitando possíveis favorecimentos às Empresas, logrando proveito pessoal e de terceiros, em detrimento da dignidade da função pública. Em tudo comprovado pelo Relatório da Auditoria Especial constante no Processo nº 23051.000043/2011-56. 15. E por ser à época o responsável pela Diretoria Geral do Campus Santarém, ou seja, o responsável principal pela gestão administrativa do Campus, bem como ter recebido capacitação adequada em Brasília, com custo integral ao Governo Federal, mediante parceria ENAP/SETEC, portanto, agindo tanto comissivamente quanto em outros momentos omissivamente na instrução processual, caberia ao servidor adotar ações que evitassem o descumprimento da legislação.
16. Assim, aplicamos a penalidade de DEMISSÃO com fundamento no art. 132, VIII, X, XIII (art. 117, IX, XV e XVI), da Lei nº 8.112/90 uma vez que tais transgressões não comportam gradação para pena mais branda.

Por fim, com a publicação da Portaria nº 314/2012 – GAB, de 27 de março de 2012 (fl. 49), formalizou-se a pena de Demissão imposta ao impetrante.

Como visto, contrariando a conclusão da Comissão Processante, a autoridade julgadora entendeu por enquadrar a conduta do impetrante às proibições do art. 117, IX, XV e XVI da Lei n. 8.112/90, aplicando-lhe a pena mais grave, o que, a meu ver, não atendeu à condição expressa do art. 168 e parágrafo único, da Lei n. 8.112/90, segundo a qual, o ato da autoridade coatora está vinculado às conclusões do relatório, sendo-lhe autorizado dele divergir quando seu resultado apresentar contrariedade às provas dos autos, que por sua vez, depende de motivação.

Nesse sentido, há jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça:

PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. DANO MORAL. NEXO CAUSAL. VERIFICAÇÃO. REEXAME DO CONJUNTO FÁTICOPROBATÓRIO. IMPOSSIBILIDADE. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. ART. 21 DO CPC. GRAU DE SUCUMBÊNCIA. SÚMULA 7/STJ. PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. AGRAVAMENTO DA PENA SUGERIDA PELA COMISSÃO PROCESSANTE. NECESSIDADE DE MOTIVAÇÃO DA DIVERGÊNCIA. 1. Hipótese em que o Tribunal de origem concluiu, com base na prova dos autos, faltar nexo causal entre a conduta do INSS e o constrangimento supostamente suportado por Clarice do Amor Divino, razão pela qual se afastou o alegado dano moral. A revisão desse entendimento implica reexame de fatos e provas, obstado pelo teor da Súmula 7/STJ. 2. O STJ entende ser inadmissível, na via estreita do Recurso Especial, a aferição do grau de sucumbência ante a necessidade de reexame de matéria de fato, nos termos da Súmula 7/STJ. 3. É firme no STJ a compreensão de que é permitido à autoridade julgadora agravar a pena sugerida no relatório elaborado em Processo Administrativo Disciplinar, desde que fundamente a divergência de forma clara e precisa, nos termos do art. 168 da Lei 8.112/1990. 4. No caso em tela, o Tribunal a quo afastou a pena de cassação de aposentadoria determinada pela autoridade administrativa julgadora, pois esta dissentiu completamente, e de forma imotivada, do relatório elaborado no respectivo Processo Administrativo Disciplinar. 5. Recurso Especial do INSS parcialmente conhecido e, nessa parte, não provido. Recurso Especial de Clarice do Amor Divino não conhecido. Recurso Especial da União parcialmente conhecido e, nessa parte, não provido.
(RESP 201000676076, HERMAN BENJAMIN, STJ - SEGUNDA TURMA,
DJE DATA:30/06/2010.).

ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. SERVIDOR PÚBLICO. DEMISSÃO. PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. PROVA EMPRESTADA. INFLUÊNCIA NA APLICAÇÃO DA PENA. NÃOOCORRÊNCIA. DUPLA PUNIÇÃO PELO MESMO FATO. AUSÊNCIA DE PROVA PRÉ-CONSTITUÍDA. DECISÃO DA AUTORIDADE IMPETRADA. ACOLHIMENTO DO RELATÓRIO. MOTIVAÇÃO ADEQUADA. PROVEITO PESSOAL. CARACTERIZAÇÃO. DIGNIDADE DA FUNÇÃO PÚBLICA. COMPROMETIMENTO. INDEFERIMENTO DO PEDIDO DE PRODUÇÃO DE PROVA PERICIAL. CERCEAMENTO DE DEFESA NÃO CARACTERIZADO. SEGURANÇA DENEGADA. 1. A prova
emprestada, que é admitida dentro do conjunto probatório quando submetida ao princípio do contraditório, não foi considerada pela comissão processante ou pela autoridade impetrada para aplicação da penalidade de demissão, não havendo falar em nulidade do processo disciplinar por esse motivo. 2. Nos autos do presente mandado de segurança – em que não cabe dilação probatória –, não há prova pré-constituída no sentido de que a aplicação da pena de advertência, anteriormente aplicada ao impetrante, deu-se em decorrência dos mesmos ilícitos administrativos apurados no processo disciplinar, que resultou na pena de demissão, pelo que não restou demonstrada a alegada dupla punição. 3. O art. 168 da Lei 8.112/90 exige motivação para a aplicação da penalidade disciplinar a servidor público. Se a autoridade julgadora acolhe o relatório da comissão processante, devidamente fundamentado, encontra-se preenchida a exigência legal. Se dele discorda, deve motivadamente expor suas razões, porquanto passará a prevalecer por força da hierarquia funcional. 4. O servidor público que deposita valores destinados ao erário em sua conta pessoal comete o ilícito administrativo de valer-se do cargo para obter para si vantagem pessoal em detrimento da dignidade da função pública, nos termos do art. 117, IX, da Lei 8.112/90. Nesse contexto, pouco importa se posteriormente repassou esses valores aos cofres públicos, porquanto a norma pune o desvio de conduta do agente, e não eventuais prejuízos financeiros dele decorrentes. 5. O indeferimento motivado de produção de provas, mormente quando se mostram dispensáveis diante do conjunto probatório, não enseja cerceamento de defesa. Inteligência do art. 156, § 1º, da Lei 8.112/90. 6. Segurança denegada, ressalvando-se a via ordinária. (MS 200500317583, ARNALDO ESTEVES LIMA, STJ – TERCEIRA SEÇÃO, DJ DATA:18/06/2007 PG:00242.)

No caso, dentre as condutas mais gravosas imputadas pela autoridade julgadora, nenhuma das quais apontada pelo impetrado nos autos do processo administrativo disciplinar, destaca-se a obtenção de vantagem ilícita pelo indiciado (art. 117, IX, Lei n. 8.112/90), que havia sido expressamente afastada pela Comissão Processante 1

Nesse ponto, trago à baila a lição de Mauro Roberto Gomes Mattos:

Cabe à Administração Pública provar o recebimento de vantagem pessoal por parte do servidor público, ou para terceiro, através de um conjunto probatório robusto e preciso, capaz de não deixar margem à dúvidas. Pois, sem esse componente, fica afastada a tipificação do ilícito disciplina sub examen. Também é de obrigação do Poder do Poder Público, depois de demonstrar a prova do recebimento indevido e ilegal de vantagem patrimonial ou financeira, pelo servidor público ou através de te4rceiros, demonstrar o nexo de causalidade, constatado por um ato comissivo ou omissivo, praticado em razão
do cargo, emprego ou da função pública.
Sem esse liame subjetivo, não haverá subsunção da conduta dolosa do servidor público no presente tipo disciplinar2.
____________
1Segue transcrito o excerto do relatório (fl. 4215): “A Comissão de Processo Administrativo Disciplinar identificou que não houve má-fé do indiciado, além do fato de que não auferiu vantagem com os vícios identificados e não há qualquer averbação de conduta administrativa viciada no assentamento funcional”.(sem destaque no original).
2 Lei nº 8.112/90 Interpretada. 4 ed. Rio de Janeiro: América Jurídica, 2008. P. 698.

Reprise-se que não é vedado à autoridade julgadora divergir da conclusão da Comissão, todavia, a divergência deve encontrar fundamento na contrariedade à prova dos autos, que, por sua vez, deve ser adequadamente motivada, a fim de atender à exigência do parágrafo único do art. 168 da Lei n. 8.112/90, notadamente quando a conduta, por sua gravidade, exige, como visto, “conjunto probatório robusto e preciso”.

Assim, à vista do ato da autoridade julgadora, ora impetrado, que divergindo da conclusão alcançada pela Comissão Processante, entendeu por imputar ao indiciado conduta e pena mais grave, sem demonstrar o suposto nexo de causalidade entre a ação do impetrante e o resultado lesivo, ou seja, omitindo-se no seu dever de motivar o ato, em contrariedade à exigência do art. 168, parágrafo único, da Lei n. 8.112/90 e, portanto, com ofensa aos princípios da legalidade, contraditório e ampla defesa, vislumbro, no caso, a plausibilidade do direito alegado, que autoriza a concessão da medida liminar requestada.

Presente também o periculum in mora, requisito que se consolida na pretensão do impetrante em candidatar-se ao cargo de reitor do IFPA, haja vista o calendário estabelecido no art. 6º do Edital Nº 01/2012 (fls. 56/67).

Ante o exposto, defiro o pedido liminar para suspender os efeitos do ato suspensão dos efeitos da Portaria n. 314/2012, de 27/03/2012, publicada no DOU em 28/03/2012 e autorizar a inscrição do impetrante para concorrer às eleições para Reitor do IFPA (quadriênio 2012/2016), desde que observados os demais requisitos do Edital n.
01/2012 CEC/CONSUP.

Notifique-se a autoridade impetrada para prestar as informações no prazo legal e dê-se ciência do feito ao órgão de representação judicial do IFPA, para os fins do art. 7º, II da Lei nº 12.016/2009.

Em seguida, vista ao MPF para o oferecimento de parecer.

Cumpra-se com urgência.

Publique-se. Registre-se. Intimem-se.

Belém, 27 de abril de 2012..

HIND G. KAYATH
Juíza Federal da 2ª Vara

2 comentários :

Anônimo disse...

Barata, como está na assinatura, o nome da juíza é Hind Kayath, e não Khayat, como você digitou em diversos trechos das postagens sobre o fato. Corriga isso, para evitar confusões com outra família, com a qual ela não tem nenhum parentesco.

Anônimo disse...

corrija o corriga...