Quanto a Lúcia Conte, só vim a conhecer em 1980, através da minha ex-mulher, mãe dos meus filhos, que foi sua contemporânea de UFPA. Foi assim que nos conhecemos, apesar da sólida amizade que uniu nossos pais, Odmar Barata e Rosário Conte, ambos médicos respeitados, em uma época na qual o exercício da medicina ainda não fora contaminado pela mercantilização da saúde. Logo percebi que, atrás da aparente arrogância, uma espécie de anteparo diante dos preconceitos provincianos, abrigava-se uma pessoa visceralmente boa, que na intimidade revela-se comoventemente terna e generosa, afetiva e materialmente. Pela sua verve, Lúcia revela-se também uma companhia extremamente prazerosa e, por extensão, cativante. Não é difícil concluir, assim, a falta que ela fatalmente fará, diante da qual o alento é a lição de vida que oferece, como exemplo de pessoa visceralmente boa. Uma pessoa tão comoventemente generosa que, ao longo de 30 anos, não tenho registro de vê-la vociferando contra qualquer eventual desafeto, a despeito da forte personalidade. Pelas mãos de Lúcia acabei por ter o prazer de conhecer Rosário Conte, seu meio-irmão, filho do primeiro casamento do doutor Rosário e que fez carreira em São Paulo, como professor universitário, especializado em cinema. No florescer da Nova República, que marcou a transição da ditadura militar para a redemocratização, precisei ir a São Paulo, para um encontro do PCB, o Partido Comunista Brasileiro, do qual, quando jovem, fui militante. Sem ter onde ficar, fui fraternalmente acolhido por Rosário, em uma tocante, e por isso inesquecível, manifestação de amizade, a despeito de não compartilhar, tal qual a própria Lúcia, do ideário comunista, que eu cheguei a professar, quando jovem.
O que aplaca a saudade diante da ausência física de Lúcia é a certeza de que ela, a seu modo, viveu intensamente. Dinheiro não lhe faltou para, por exemplo, construir um sólido patrimônio. Ou conhecer o mundo. Mas optou por cultivar suas raízes em Belém. E usufruir, sem remorsos, seu gosto pela boemia, que tanto prazer lhe proporcionava, embora sem permitir que isso viesse em detrimento de suas responsabilidades como representante comercial, o que explica sua reconhecida credibilidade profissional. Para quem ainda possa duvidar sobre o quanto Lúcia soube usufruir da vida, fiel ao seu mapa de crenças, convém citar Otto Lara Resende, ao questionar aqueles que não ousam e costumam fugir dos riscos, sem os quais nossa passagem por este mundo não vale a pena: “Mas onde está a vida dos que a depositaram na poupança?”
Por tudo isso, no silêncio das lágrimas saudosas, resta-me expressar a Lúcia, com o poder de permanência e convicção que embute a palavra escrita, o meu mais sincero desejo: descanse em paz, cara e terna amiga.
2 comentários :
Excelente texto, parabéns Barata.
Você falou tudo!!!Saudades eternas da minha amiga e companheira!!!!
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