Lacerda, com Jango (acima) e JK (abaixo): vítima do golpe no qual apostou, até a tardia reconciliação com os adversários históricos. |
Ao suicidar-se, aos 71 anos, Getúlio
Vargas pôs um ponto final em seu terceiro e último período de governo e na
crise político-militar que fustigava o Palácio do Catete. De acordo com o
relato dos jornais da época, depois de várias horas de sucessivas discussões
com ministros, militares e com a própria família, o presidente subiu aos seus
aposentos. Naquela altura o palácio estava praticamente vazio.
A frase que abre a carta-testamento, por
ele deixada para a posteridade, é devastadora para quem lhe fez oposição.
“Deixo à sanha dos meus inimigos o legado da minha morte.” E acrescenta, em
comovente reverência às massas getulistas: “Dei-vos a minha vida. Agora ofereço
a minha morte.”
O jornalista Carlos Lacerda, que movia
uma implacável oposição a Getúlio, por exemplo, viu sepultada, com a comoção
popular provocada pelo suicídio de Vargas, o plano de ser catapultado para o
Palácio do Catete pelos militares, sob o clamor da classe média. “Acabaram com
a minha festa!”, teria exclamado Lacerda, no desabafo que lhe é atribuído e
cuja autoria, embora a rigor incerta, passou como sua para a posteridade. Mas
Lacerda, é verdade, jamais desistiu de sua ambição, até vê-la sepultada pelos
militares que comandaram o golpe de 1964, do qual, ironicamente, ele foi um dos
líderes civis. O Corvo, como ficou
conhecido, em um apelido dado pelo jornal Última
Hora e que a ele aderiu, fez carreira como golpista, até se tornar vítima
de sua própria pregação.
Após estimular um golpe branco e tentar adiar
as eleições de 1955, Lacerda retomou sua catilinária golpista diante da
perspectiva de candidatura do ex-presidente Juscelino Kubitschek, o JK, que ganha musculatura
política como governador de Minas Gerais e acabou eternizado como Presidente
Bossa Nova, pela sua bonomia pessoal, postura democrática e por
investir no desenvolvimentismo. "Ele não será candidato; se for, não vencerá as
eleições; se vencer, não tomará posse; se tomar posse não governará",
proclamou Lacerda, em vão. O comunista da juventude, jamais formalmente aceito
pelo PCB, que tornara-se um anticomunista radical, amargaria seu golpe de
misericórdia com a ditadura militar instalada no Brasil em 1964. Após estimular e ajudar a viabilizar o golpe de 1964, quando
era governador do recém-criado Estado da Guanabara, foi alijado pelos militares
que ajudara a apear do poder o ex-presidente João Goulart, o Jango, e que
posteriormente tirariam de cena JK. Ao se reconciliar com ambos, Jango e JK,
mirando na formação de uma Frente Ampla, em 1968 - quando o regime dos generais despiu a máscara e se assumiu como ditadura, com a edição do AI-5, o Ato Institucional nº 5 - Lacerda teve seus direitos políticos
cassados, tal qual ocorrera antes, no alvorecer do golpe militar de 1964, com Goulart e Kubitschek. E como estes, aos quais tanto vilipendiara e com os quais se reconciliou tardiamente, teve um fim de vida amargurado, mas com um agravante - foi vítima de si mesmo, da sua inescrupulosa ambição.
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