Segue
a transcrição, na íntegra, do artigo de Leonardo Avritzer:
Ninguém sabe quais são as posições
econômicas de Marina
LEONARDO AVRITZER*
Confesso que tenho tanto admiração quanto dúvidas
em relação à Marina Silva. A admiração deriva da coerência da sua biografia
política. A trajetória política de Marina foi feita do mesmo material que as
trajetórias que ajudaram a transformar o Brasil, da luta dos atores sociais
desfavorecidos que botaram em questão a desigualdade quase natural que existia
no Brasil até o final do regime autoritário.
Cabe
aqui lembrar do projeto do regime autoritário para o Acre no final dos anos
1970: transformá-lo em um ajuntamento de colônias agrícolas, como estava sendo
feito na região do Xingu com os resultados sociais que hoje conhecemos. Marina
e Chico Mendes foram os principais opositores dessa estratégia que acabou
levando à criação das reservas extrativas no Acre.
Desde
então, a trajetória de Marina na defesa ambiental é das mais coerentes, senão a
mais coerente no país. Ela jamais arredou pé dessa luta, o que levou ao seu
confronto com Lula.
Vale a
pena fazer uma reflexão sobre a disputa entre Marina e Lula dizendo que ela
ocorreu no auge da popularidade do ex-presidente, quando poucos o criticavam.
Foram duas as discordâncias ligadas a políticas ambientais para a Amazônia: a
primeira delas foi sobre a posição defendida pelo então ministro Roberto
Mangabeira Unger, que envolvia a legalização de terras ilegalmente ocupadas e
um plano com preocupações desmedidas com a assim chamada "segurança
nacional"; a segunda envolveu a política de expansão do agronegócio na
baixa Amazônia.
Marina
Silva se opôs com coerência às duas políticas em um momento em que Lula e seu
governo eram uma quase unanimidade nacional. Ela deixou o ministério,
construindo assim uma percepção de coerência política que reforça a sua
candidatura hoje. Esses são os pontos da biografia de Marina que me parecem
fortes.
Relações Políticas
Mas
não é possível ignorar os pontos ambíguos. O primeiro deles diz respeito à
maneira como ela vê os partidos. Eu estou entre aqueles que acham que a
concepção de partido da maneira como a conhecemos desde o final do século 19
está esgotada.
Ao se
centrar completamente na disputa eleitoral, os partidos foram sendo
identificados com uma lógica do vale-tudo com a qual a cidadania não se
identifica. Ao mesmo tempo, vivemos a ascensão das instituições imparciais,
para usar a expressão do filósofo francês Pierre Rosanvallon.
Cada
vez mais, os cidadãos das democracias modernas admiram instituições que não são
regidas pela lógica majoritária, como é o caso do Ministério Público ou do
Supremo Tribunal Federal no Brasil. Assim, partidos estão em crise e podemos
entender as críticas de Marina à formação da rede de sustentabilidade por esta
via.
Mas
aqui começam as contradições de Marina. Por um lado, ela não conseguiu fundar a
Rede, apesar de ter tido quase 20% dos votos na última disputa presidencial.
Por outro, ela solucionou esse problema entrando transitoriamente no PSB.
Por
fim, ela se recusa, no momento em que assume a candidatura à presidência, a
cumprir acordos do PSB - como o apoio ao candidato do PSDB em São Paulo e ao
candidato do PT no Rio.
O que
tudo isso diz em relação à Marina? Diz que vai ser difícil a relação dela com
partidos em um sistema político no qual parece improvável que o PSB tenha mais
de 20% das cadeiras do Congresso (o patamar do PSDB e do PT nas últimas quatro
eleições).
Ou seja,
Marina precisa apontar para a sociedade brasileira como ela pretende governar e
se relacionar com os partidos principais da democracia brasileira para
estabilizar a sua candidatura.
Condução da economia
Ao
mesmo tempo, nas suas relações com o mercado, Marina parece ter uma posição
ainda mais ambígua. Ela tem boas relações com alguns empresários, como
Guilherme Leal, da Natura, e de Maria Alice Setúbal, do Itaú.
Marina
ainda herdou de Eduardo Campos, na coordenação do seu programa de governo,
Eduardo Gianetti da Fonseca, considerado o mais conservador entre os assessores
econômicos dos três principais candidatos. Mas ela tem na coordenação da sua
campanha pessoas como Luíza Erundina e Roberto Amaral, que têm uma outra
posição em relação à economia.
A
pergunta que se coloca é: quais são as posições econômicas de Marina? E a
resposta é: ninguém sabe. O grupo de assessores históricos de Marina, aqueles
mais próximos da candidata, está muito distante da posição de Eduardo Gianetti,
e mesmo da ideia de autonomia do Banco Central.
Assim,
fica a interrogação sobre como Marina pretende equilibrar forças econômicas tão
distintas no seu governo. Existe o risco real de ele ser um governo de decisões
e desautorizações no campo da economia. Da resposta a essa pergunta depende a
estabilização da candidatura.
É na
interseção entre estas duas questões - relação com os partidos e com os agentes
econômicos - que se colocam as principais virtudes e os principais riscos de
uma vitória de Marina.
De um
lado, ela pode utilizar o seu distanciamento dos partidos para criar uma ampla
coalizão que tire o Brasil da lógica PT versus PSDB, na qual ele se encontra
desde 1994. Ela tem relações boas com lideranças importantes de ambos os
partidos.
No PT,
partido ao qual ela pertenceu, ela colheu forte simpatia de alguns setores no
momento da sua desfiliação. Já o seu principal assessor é um membro histórico
do PSDB de São Paulo.
Se
Marina souber sinalizar uma ampla coalização política para governar, a sua
candidatura ficará mais forte. Mas se ela sinalizar oposição aos partidos e
governo acima deles, ela ficará mais fraca.
É
correto afirmar o mesmo em relação à economia. Se Marina sinalizar um programa
de inclusão social com políticas de crescimento, ela terá o apoio de amplos
setores no país. Caso ela opte por simpatias seletivas e nenhuma sinalização
econômica, ela perderá este apoio. Ou seja, o momento para a candidata é de sinalizações
claras para os atores políticos e econômicos.
* Leonardo Avritzer, 55 anos, é professor
titular do departamento de ciência política da UFMG e presidente da Associação
Brasileira de Ciência Política.