quarta-feira, 4 de março de 2009

AMAZÔNIA – A entrevista do relator

A MP 458 abrange normas para regularizar terras em cerca de 60% do território nacional. A medida provisória passa a trancar a pauta do plenário – ou seja, paralisa os trabalhos da Casa se não for votada – a partir do dia 28 de março e tem que ser apreciada até o dia 11 de abril para não perder a eficácia.
Leia a seguir os principais trechos da entrevista concedida por Asdrúbal Bentes, na tarde de terça-feira, 3.

Qual a importância do processo de aceleração da regularização fundiária de terras ocupadas na Amazônia?

Entendo que essa MP pode se transforma no maior projeto de desenvolvimento da região amazônica. Ao longo de sua história, a Amazônia tem sido vítima de errôneas políticas governamentais estabelecidas de cima para baixo, sem respeitar o princípio federativo. O exemplo mais claro foi o Decreto Lei 1164/71, expedido no dia 1º de abril – por isso que muita gente achou que fosse uma brincadeira de mau gosto, mas foi uma dura realidade –, em que foram usurpados dos estados da Amazônia 100 quilômetros de terras às margens das rodovias federais. A partir daí, já com a construção da rodovia Belém-Brasília, na década de 60, e outros investimentos de grande porte na Amazônia, o governo militar, com slogans muito bonitos como “Vamos integrar, para não integrar”, “Vamos levar homens sem terra, para terras sem homens”, incentiva levas de imigrantes a correrem para a região. Como acontece em todas as fronteiras, ocuparam terras e lá sobrevivem sem a presença do Estado, seja para regularizar a sua terra, seja para levar a estrutura básica, como escolas, hospitais e etc. Essa MP vai possibilitar que as posses de até 1,5 mil sejam regularizadas sem licitação, agilizando, portanto, o processo, desde que medidas ulteriores sejam tomadas pelo Executivo.

Que medidas devem ser essas?

Quer seja a criação de um órgão ágil e eficiente, quer seja a instrumentalização do Incra e Institutos de Terras dos estados para que possam realmente executar o que for disposto em lei. Do contrário, será mais uma lei de letra morta. Em quanto se faz a parte legal aqui, o Executivo tem que providenciar qual o órgão que vai tomar conta e dar condições de operacionalidade. A lei aprovada, se não tiver execução, repito que será mais uma lei de letra morta.

Quais os pontos que devem ser alterados nessa medida provisória, na sua opinião?

Quero me resguardar o direito de primeiro ouvir. Esta Casa [Congresso] é a caixa de ressonância da sociedade. Então quero primeiro ouvir os governadores, os institutos de terra, os produtores rurais, trabalhadores, todos os segmentos, para então fazer um juízo de valor e, dentro do possível, apresentar ao plenário um trabalho que represente o pensamento da comunidade amazônica. Não podemos ideologizar. Temos que partir da realidade dos fatos. E o fato é que há um caos fundiário na Amazônia e a ausência do Estado.

Na sua avaliação, qual será o ponto de maior conflito de interesses no debate da MP?

O que vai pesar é a questão ambiental. Temos alguns marcos. Por exemplo, temos posses anteriores à legislação atual, antes a reserva legal era de 50%. Muitos cumpriam os 50% da época em que surgiram e hoje com os 80% na legislação vão ser penalizados. Isso está errado. A lei não pode retroagir para prejudicar. Então aquelas posses em que a reserva legal era de 50%, desde que comprovadamente, devem ser respeitadas. Também há pequenas propriedades, que são objetos dessa medida, que são anteriores ao Código Florestal de 1965. Aí é a discussão. Qual é o critério que vai se respeitar: a legislação na época da posse ou vai prevalecer a atual? Com certeza esse será o ponto de maior discórdia e maior discussão da medida. O princípio de respeito à legislação ambiental já está incluído na medida. Resta agora saber qual das legislações vai prevalecer.

No seu entendimento, ocupantes que tenham imóveis rurais em outra parte do território nacional poderão ter posse terra regularizada?

Entendo que o limite constitucional é de 2,5 mil hectares de terra. Então se a pessoa já for proprietária de uma área de, por exemplo, mil hectares e tiver uma ocupação de até 1,5 mil, ele está cumprindo o preceito constitucional.

O texto atual da MP proíbe que pessoas com cargos públicos ou emprego público tenham posses regularizadas na Amazônia Legal. Como o senhor tratará esse tema?

Ainda não posso fazer juízo, porque ainda não estudei a medida. Acho muito discutível isso, porque servidor público tem família, tem filhos... Isso é um assunto que deveremos discutir bastante, para não tolher ninguém e trazer também efetividade.

Além dos limites da área, quais outros critérios serão considerados para definir que a posse deve ser regularizada no âmbito desse processo?

A função social da propriedade é o princípio maior que existe na Constituição. Isso não pode ser violado em hipótese alguma. Depois, os critérios estabelecidos na própria medida provisória, que estão previstos no art. 6º da MP. Com a discussão referente ao exercício de cargo ou emprego público.

A MP não permite que pessoas jurídicas participem do processo de regularização. O senhor concorda com esse critério?

Excluir a pessoa jurídica é uma discriminação. Por exemplo, temos situações em que as centrais de energia elétrica dos estados, por falta de atuação dos órgãos, implantaram suas usinas em terras públicas. Nesse caso, elas vão ficar eternamente na condição de posseiros ou ocupantes ilegítimos e ilegais? Nós temos que analisar isso com profundidade e, se for o caso, até estabelecer exceções para empresas que exercem atividades essenciais.

Quais seriam essas atividades essenciais?

O exemplo que dou são as empresas de energia elétrica. Mas ali também já estão empresas de agricultura e pecuária, por exemplo. Entre as emendas, está uma da deputada Rita Camata (PMDB-ES) que estende o processo de regularização para todo o território nacional.

Como o senhor avalia essa idéia?

Eu não poderia fazer juízo de valor, pois ainda vou ler as emendas. Mas, em princípio, acho que a emenda da deputada Rita Camata não pode prosperar, porque essa MP se destina à realidade da região amazônica. Estendê-la ao restante do país, aí sim, iríamos causar um tremendo caos fundiário, porque as realidades nas regiões brasileiras são diversas.

Já a senadora Marina Silva (PT-AC) propõe que seja reduzido de 1,5 mil para 400 hectares o limite das terras regularizadas pela MP. O senhor concorda?

Eu entendo a luta preservacionista da senadora, mas acho que essa medida provisória, ela vem dificultar o desmatamento. Pois para conseguir o seu título, o cidadão precisa que sejam observados os dispositivos da legislação ambiental. E, se eles descumprirem a lei em um prazo de 20 anos, perderão o direito à regularização.

O senhor concorda com a criação de um comitê ou um conselho específico para fiscalizar processo de regularização?

Quanto mais a sociedade participar, haverá maior transparência. E isso representará o pensamento e sentimento dos diversos segmentos da sociedade amazônica. Acho que é importante a participação da sociedade civil organizada.

A MP dispensa a vistoria prévia como requisito para regularização fundiária dos imóveis. Isso não fragiliza o processo de regularização?

É facultado ao Poder Público realizar as vistorias. Se ele entender que deve fazer a vistoria, ele faz. Avalio que, como 296 mil áreas de posse são objetos dessa medida, o Estado, através do Incra, não teria a mínima condição de realizar essa vistoria, mesmo em parcerias com os estados e municípios. E essa declaração que o cidadão deve apresentar vai ser constatada no momento em que for feita a demarcação da área.

Como garantir a legitimidade do documento apresentado pelo ocupante para regularizar sua terra?

Na ocasião da demarcação. No início, o cidadão vai requerer a regularização, o Estado recebe e, evidentemente, fará a demarcação da área. Nesse momento, poder ser feita a verificação. No caso contrário, com vistoria prévia, seriam dois momentos de vistoria. Seriam duas ações e o objetivo é agilizar o processo e economizar custos. Imagina as despesas para fazer vistoria, com pessoal, diárias, passagens aéreas, e depois outras despesas para fazer a demarcação. Matam-se dois coelhos como uma só cajadada.

Como regularizar terras acima de 1,5 mil hectares e menores que 2,5 mil que não foram contempladas pela MP?

Essas terras não vão ficar no limbo. Vamos continuar fazendo da forma como temos feito até hoje: a regularização por meio de licitação.

E as áreas acima de 2,5 mil hectares, como regularizar?

Daí só com a permissão do Congresso Nacional. Várias e várias empresas têm fazendas com áreas superiores a essa extensão. E essa regularização se dá por meio de votação no Congresso.

Mas como proceder em casos como, por exemplo, de suspeita de contratos ilegais como vem sendo divulgado em relação às propriedades da empresa Agropecuária Santa Bárbara, do banqueiro Daniel Dantas?

Você não pode desvencilhar a realidade da base histórica. Antigamente, no estado do Pará, por exemplo, usava-se muito o aforamento, onde o Estado tem o domínio direto das terras e o posseiro tem o domínio útil. E toda vez que quisesse transferir para outros, tinha que ter consentimento do Estado... Mas são casos isolados, que não são objetos dessa medida provisória. Esses casos vão ter que proceder da forma como a Constituição determina. Mas a regularização só ocorrerá em terras produtivas. Se não forem produtivas, podem perder a terra.

Na relatoria, o senhor defenderá interesses da bancada ruralista?

Eu sou um deputado que defende a propriedade produtiva. Isso desde a Assembléia Constituinte. Não tenho fazenda nem outras propriedades rurais. Não sou da bancada ruralista. Mas mesmo que fosse ruralista, estaria muito orgulhoso. Não estaria nenhum pouco constrangido de ser de uma atividade que produz para o país. Mas minha indicação não se deveu a nenhuma interferência da bancada ruralista, mas, simplesmente, ao reconhecimento do meu trabalho nesse campo. O líder Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN) propôs meu nome ao presidente Michel Temer (PMDB-SP), que conhece meu trabalho desde a Assembléia Nacional Constituinte.

Nenhum comentário :