"Os anos de chumbo", o livro que relata a difícil conversa de Jarbas com Médici. |
O prestígio de Jarbas Passarinho não o
livrou, é verdade, de um momento de profundo constrangimento, quando pretendeu
valer-se do apreço que lhe dedicava o general-presidente Emilio Médici para
tentar colocar abaixo um veto do temível SNI, o Serviço nacional de Informação,
a Ronaldo Passarinho Pinto de Souza. Sobrinho dileto, a quem Jarbas sempre
destinou um amor paternal e a quem teve, sempre, como seu fiel escudeiro,
Ronaldo
teve sua nomeação para secretário de Governo do ex-governador Fernando Guilhon,
no início dos anos 70, vetada pelo SNI, por suspeitas de corrupção e tráfico de influência.
A frustrada
interferência de Jarbas Passarinho, junto ao general-presidente Emílio
Garrastazu Médici, na fracassada tentativa de colocar abaixo o veto do SNI a
Ronaldo Passarinho, foi relatada pelo general Octávio Costa, em depoimento a Maria
Celina D’Araujo e Gláucio Ary Dilon Soares, em agosto e setembro de 1992. O
depoimento de Costa figura em um dos volumes da trilogia sobre a memória
militar, editada pela Relume-Dumará, em 1994, a respeito da ditadura militar,
que se estendeu de 1964 a 1985. O volume com o depoimento do general Octávio
Costa intitula-se “Os Anos de Chumbo – A memória militar sobre a repressão”. A
este se somam dois outros volumes – “Visões do Golpe – A memória militar sobre
1964” e “A Volta aos Quartéis – A memória militar sobre a abertura”.
A respeito desse
episódio, envolvendo Jarbas Passarinho, assim relatou o general Octávio Costa:
“Vou dar um testemunho
sobre o Passarinho. Meu amigo Jarbas era um homem queridíssimo pelo Médici, que
tinha por ele enorme admiração, embora o cargo de ministro da Educação possa
tê-lo desgastado um pouco, como também o desgastou a política paraense. Era o
homem da revolução no Pará: nada se fazia ali sem ouvi-lo. Foi ele quem indicou
o primeiro governador paraense escolhido pelo Médici, o Guilhon. Ao organizar
seu governo, o Guilhon escolheu para secretário de Governo o Ronaldo
Passarinho, filho da irmã e madrinha do Passarinho, que tinha por ela
verdadeira adoração. Como havia controvérsias regionais sobre o Roinaldo, o SNI
botou um sinal vermelho em sua escolha. Sabe-se que esses sinais vermelhos eram
comuns, e que as motivações que o inspiravam, hoje, poderiam não ter a menor
importância.
“Esse veto representou
um sério problemas para o ministro. Atingido em seu prestígio pessoal, realmente
inegável, resolveu dirigir-se diretamente ao presidente. Foi uma imprudência. O
procedimento mais realista seria entrar na sala do Fontoura, expor suas razões.
Se não chegasse a uma conclusão favorável teria duas soluções: ‘botar a viola
no saco’ ou ‘pedir o seu boné’. No entanto, o ministro preferiu ir diretamente
ao Médici, apresentou o caso, argumentou. Enquanto ele falava, Médici cravava
aquele olho azul em cima dele. Quando o ministro se convenceu, por aquele
olhar, que não tinha sido bem-sucedido em sua iniciativa, tentou recuar.
Sabe-se que teria dito algo como: ‘Presidente, sinto que estou importunando o
senhor com este assunto, que não deveria ter trazido à sua consideração: vou
conversar com o general Fontoura’. E que o Médici, com autoridade e segurança,
teria retrucado: ‘Passarinho, você trouxe o problema ao presidente da
República. Não posso mais ignorá-lo, o assunto agora é meu. Deixe esse dossiê
comigo que vou estudá-lo e chegar a uma conclusão pessoal. Se eu concluir que o
SNI não tem razão, o rapaz vai ser liberado para a nomeação: direi ao Fontoura
que levante o veto e autorize. Mas se eu chegar à conclusão que há alguma coisa
procedente contra o rapaz, dentro dos padrões do SNI, você vai ‘adoecer’ seu
sobrinho e ele declinará do convite feito pelo Guilhon’. O rapaz ‘adoeceu’.
“Esse caso exemplifica
duas coisas: a visão de chefia de Médici e a importância dada ao SNI, bem como
a relatividade do poder de um ministro da Educação àquela época. O presidente
prestigiou totalmente o SNI e mostrou que possuía um grande senso de respeito
hierárquico, bem como o sentimento de sua autoridade. Ora, ele era um ex-chefe
do SNI, e o tinha como uma coisa quase infalível. As estruturas do SNI eram
como os ossos do presidente. Essa foi uma pequena questão, imagine-se outras
mais sérias.”
Fontoura, mencionado no
depoimento de Costa, vem a ser o general Carlos Alberto da Fontoura, chefe do
SNI na época do veto a Ronaldo Passarinho. Sobre o general Octávio Costa
apresentar como “revolução” o golpe militar de 1º de abril de 1964, trata-se de
um viés da idiossincrasia castrense, sem amparo histórico ou sociológico.
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