quinta-feira, 24 de julho de 2014

SUASSUNA – “O riso a cavalo e o galope do sonho”

Ariano Suassuna: "o riso a cavalo e o galope do sonho" como armas.

“Cumpriu sua sentença. Encontrou-se com o único mal irremediável, aquilo que é a marca do nosso estranho destino sobre a terra, aquele fato sem explicação que iguala tudo o que é vivo num só rebanho de condenados, porque tudo o que é vivo, morre.

 Ariano Suassuna (1927-2014), dramaturgo,

romancista e poeta, em “O Auto da Compadecida”.



        Para além da sua importância literária, Ariano Suassuna, que morreu nesta última quarta-feira, 23, em Recife, vítima de um AVC, aos 87 anos, deixa-nos, como parte do seu legado, uma importante lição, ao evidenciar na prática, efetivamente o critério da verdade, que o intelectual pleno, que não se deixa engessar pelo êxtase improdutivo, precisa estar em sintonia com o seu tempo, com o hoje, com o aqui, com o agora. Não por acaso, com sua comovente coragem moral, ele mostrava-se capaz de rir de si mesmo, de suas eventuais gafes, circunstanciais tropeços, ou tudo que entendia como tal. Impossível, por isso, não deixar de admirá-lo, mesmo que dele se pudesse discordar. Afinal, como deixar de admirar o “realista esperançoso”, preocupado com “a injustiça secular que dilacera o Brasil em dois países distintos: o país dos privilegiados e o país dos despossuídos”, sem nem por isso se tornar refém de qualquer maniqueísmo.
        Nada mais emblemático do quanto especial foi Ariano Suassuna, que sua terna lição de como não permitir o naufrágio da esperança. "Tenho duas armas para lutar contra o desespero, a tristeza e até a morte: o riso a cavalo e o galope do sonho. É com isso que enfrento essa dura e fascinante tarefa de viver", ensinou. E com a irreverência que com ele se confundia, e que dele fazia um personagem tão saborosamente especial, complementou: “Não sou nem otimista, nem pessimista. Os otimistas são ingênuos, e os pessimistas amargos. Sou um realista esperançoso. Sou um homem da esperança. Sei que é para um futuro muito longínquo. Sonho com o dia em que o sol de Deus vai espalhar justiça pelo mundo todo.”
        Suassuna evidenciou, sobretudo, que, por mais dolorosa que seja a ausência física, o “mal irremediável” ao qual se referiu, “que iguala tudo o que é vivo num só rebanho de condenados”, jamais se compara a dor de morrer em vida, uma fatalidade incoercível para aqueles que abdicam dos sonhos e da esperança que ultrapassam os limites das ambições mesquinhas, que nos tornam reféns do medo, o carcereiro da liberdade. Afinal, a vigília dos sonhos e da esperança é o que nos mantêm plenamente vivos. E nos torna presentes, e assim de alguma forma ainda úteis, nas lembranças dos que ficam.

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