Ariano Suassuna: "o riso a cavalo e o galope do sonho" como armas. |
“Cumpriu sua sentença.
Encontrou-se com o único mal irremediável, aquilo que é a marca do nosso
estranho destino sobre a terra, aquele fato sem explicação que iguala tudo o
que é vivo num só rebanho de condenados, porque tudo o que é vivo, morre.”
Ariano
Suassuna (1927-2014), dramaturgo,
romancista e
poeta, em “O Auto da Compadecida”.
Para
além da sua importância literária, Ariano Suassuna, que morreu nesta última quarta-feira, 23, em Recife, vítima de um AVC, aos 87 anos, deixa-nos, como parte do seu
legado, uma importante lição, ao evidenciar na prática, efetivamente o
critério da verdade, que o intelectual pleno, que não se deixa engessar pelo êxtase
improdutivo, precisa estar em sintonia com o seu tempo, com o hoje, com o aqui,
com o agora. Não por acaso, com sua comovente coragem moral, ele mostrava-se
capaz de rir de si mesmo, de suas eventuais gafes, circunstanciais tropeços, ou
tudo que entendia como tal. Impossível, por isso, não deixar de admirá-lo,
mesmo que dele se pudesse discordar. Afinal, como deixar de admirar o “realista
esperançoso”, preocupado com “a injustiça secular que dilacera o Brasil em dois países distintos: o país dos privilegiados e o país dos
despossuídos”, sem nem por isso se tornar refém de qualquer maniqueísmo.
Nada mais emblemático do quanto especial
foi Ariano Suassuna, que sua terna lição de como não permitir o naufrágio da
esperança. "Tenho duas armas para lutar contra o desespero, a tristeza e
até a morte: o riso a cavalo e o galope do sonho. É com isso que enfrento essa
dura e fascinante tarefa de viver", ensinou. E com a irreverência que com
ele se confundia, e que dele fazia um personagem tão saborosamente especial,
complementou: “Não sou nem otimista, nem pessimista. Os otimistas são ingênuos,
e os pessimistas amargos. Sou um realista esperançoso. Sou um homem da
esperança. Sei que é para um futuro muito longínquo. Sonho com o dia em que o
sol de Deus vai espalhar justiça pelo mundo todo.”
Suassuna
evidenciou, sobretudo, que, por mais dolorosa que seja a ausência física, o “mal
irremediável” ao qual se referiu, “que
iguala tudo o que é vivo num só rebanho de condenados”, jamais se compara a dor
de morrer em vida, uma fatalidade incoercível para aqueles que abdicam dos
sonhos e da esperança que ultrapassam os limites das ambições mesquinhas, que nos tornam reféns do medo, o carcereiro da liberdade. Afinal, a vigília dos sonhos e da esperança é o que nos
mantêm plenamente vivos. E nos torna presentes, e assim de alguma forma ainda úteis, nas lembranças dos que ficam.
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