Processo n.: 2006.39.00.008794-6
Classe: 7300 – Ação de Improbidade Administrativa
Reqte: Ministério Público Federal
Reqdo: Ademir Galvão Andrade e Outros
Juíza Federal: Hind Ghassan Kayath
SENTENÇA
I - RELATÓRIO
1- Trata-se de ação de improbidade administrativa ajuizada com fulcro nas disposições da Lei n. 8.429/92 pelo MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL contra ADEMIR GALVÃO ANDRADE, MARCO ANTONIO BARROS CAVALEIRO DE MACEDO, ERICSON ALEXANDRE RODRIGUES, EVANDILSON FREITAS DE ANDRADE, PAULO RAYMUNDO BRÍGIDO DE OLIVEIRA, EWERTON PEREIRA DE CARVALHO JÚNIOR, HERONILDES GOMES MOURA JÚNIOR e R & A – CONSTRUÇÕES E COMÉRCIO LTDA, todos devidamente qualificados na inicial, tencionando suas condenações nas penas cominadas pelo art. 12 do diploma retro citado, haja vista condutas irregulares adotadas nos procedimentos licitatórios vencidos pela empresa R & A – CONSTRUÇÕES E COMÉRCIO LTDA, realizados no âmbito da Companhia de Docas do Pará – CDP. Pede, além da aplicação das sanções do artigo 12 da Lei 8.429/92 pela violação dos arts. 9º., 10 e art. 11, inciso I, todos da LIA, a condenação no pagamento de indenização por danos morais em favor de toda a sociedade brasileira.
Intimada a manifestar interesse jurídico na demanda, a União compareceu, por meio do petitório de fls. 99/101, requerendo sua habilitação na condição de assistente litisconsorcial do autor da ação, o que foi deferido pelo juízo (fls. 113).
Decisão às fls. 121/130 deferindo o pedido liminar de indisponibilidade de bens dos demandados.
Notificados na forma do art. 17, §7º, da Lei n. 8.429/92, apresentaram os requeridos as defesas preliminares acostadas às fls. 298/303 (Erickson Alexandre Rodrigues Barbosa); às fls. 349/355( Paulo Raymundo Brígido de Oliveira); às fls. 411/430 (Ewerton Pereira de Carvalho Júnior); às fls. 561/577 (Marco Antonio Barros Cavaleiro de Macedo; às fls. 601/603 (Heronildes Gomes Moura Junior); às fls. 633/652 (Evandilson Freitas de Andrade); às fls. 669/724 (Ademir Andrade) e às fls. 756/773 (R&A Construções e Comércio Ltda).
A inicial foi recebida por meio da decisão de fls. 815/817.
Na sequência os requeridos foram citados e ofertaram contestações colacionadas às fls. 876/889 (Evandilson Freitas de Andrade); fls. 915/920 (Heronildes Gomes Moura Junior); fls. 924/949 (Ewerton Pereira de Carvalho Junior); fls. 959/972 (R & A Construções e Comércio Ltda); fls. 973/1038 (Ademir Galvão Andrade); fls. 1041/1055 (Erickson Alexandre Rodrigues Barbosa) fls. 1074/1097(Marco Antonio Barros Cavaleiro de Macedo); fls. 1102/1111 (Paulo Raymundo Brígido de Oliveira).
Réplica do MPF às fls. 1116/1138.
Manifestação da União às fls. 1139/1151.
O requerimento de produção de provas formulado pelas partes foi devidamente apreciado por meio do despacho de fls. 1162. A realização da prova pericial requerida pela defesa dos demandados restou sendo inviabilizada diante da falta de depósito dos honorários periciais (fls. 1434/1435).
Na audiência de instrução e julgamento foram tomados os depoimentos pessoais dos réus e colhidas as oitivas das testemunhas, todos gravados em mídia digital (fls. 1465/1491).
Memoriais das partes apresentados às fls. 1492/1502 (Ministério Público Federal); União às fls. 1504/1507; Erckson Alexandre Rodrigues Barbosa às fls. 1510/1536; Ademir Galvão de Andrade às fls. 1537/1555; Marco Antonio Barros Cavaleiro de Macedo às fls. 1561/1573; Evandilson Freitas de Andrade às fls. 1574/1580; Ewerton Pereira de Carvalho Junior às fls. 1583/1591 e Paulo Raymundo Brigido de Oliveira.
Sucintamente relatado, passo a decidir.
II - FUNDAMENTOS
Das Preliminares
- Da incompetência da Justiça Federal
Quanto à incompetência desta Justiça Federal, cumpre assinalar que a simples presença do Ministério Publico Federal na lide já atrai por si só a incidência do artigo 109, inciso I da Constituição Federal. Por outro lado, importa registrar que o pleito de integração à lide formulado pela União Federal, na qualidade de assistente do MPF, fixa, indelevelmente, a competência deste Foro para processamento e julgamento da lide.
Ademais, muito além do próprio patrimônio da Companhia de Docas do Pará que possa ter sido lesado por meio das licitações e/ou dispensas fraudulentas, verifica-se na espécie possível lesão a recursos da própria União Federal, os quais foram repassados à CDP para fins de melhorias e implantações de novos projetos em diversos portos deste Estado.
Nesse sentido, observe-se o quadro acostado às fls. 103/108, no qual se encontram explicitados os montantes repassados pelo Tesouro Nacional à CDP, entre 2003 e 2005, para os projetos ali mencionados. Diante de tal circunstância, reputo suficientemente demonstrado o interesse jurídico da União no feito, devendo ser prestigiado o entendimento consagrado pelo Supremo Tribunal Federal na Súmula 517, nesses termos: As sociedades de economia mista só têm foro na Justiça Federal quando a União intervém como assistente ou opoente.
E não é só. A Companhia das Docas do Pará é uma sociedade de economia mista em que a União detém 100% (cem por cento) do seu capital acionário (fls. 103). Por conseguinte, existe lesão direta aos interesses da União Federal já que é proprietária da totalidade das ações preferenciais.
- Da Ilegitimidade Ativa do Ministério Público Federal e da União
No que tange a falta de legitimidade ativa do Ministério Público Federal para patrocinar ação civil pública da espécie, faço uso do entendimento firmado no âmbito do Superior Tribunal de Justiça que, em duas ocasiões, já se pronunciou favoravelmente à possibilidade, consoante os seguintes arestos:
“PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. MINISTÉRIO PÚBLICO. LEGITIMIDADE. DANO AO ERÁRIO. LICITAÇÃO. ECONOMIA MISTA. RESPONSABILIDADE.
1. O Ministério Público é parte legítima para propor Ação Civil Pública visando resguardar a integridade do patrimônio público (sociedade de economia mista) atingido por contratos de efeitos financeiros firmados sem licitação. Precedentes.”
(...).
(REsp 403153/SP;Relator(a) Ministro JOSÉ DELGADO (1105); 1ª Turma do STJ; DJ 20.10.2003)
“AGRAVO REGIMENTAL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. PROCURAÇÃO DO ADVOGADO DO AGRAVADO. INEXISTÊNCIA. AUSÊNCIA DE CITAÇÃO. INTIMAÇÃO PARA RESPONDER O RECURSO. DESNECESSIDADE. INEXISTÊNCIA DE NULIDADE.
(...)
3. O Ministério Público é parte legítima para propor ação civil pública visando resguardar a integridade do patrimônio público de empresa de sociedade de economia mista. Precedentes.
(...)”
(AgRg no Ag 513607/PA; Relator(a) Ministro BARROS MONTEIRO; 4ª Turma do STJ; DJ 02.05.2005)
Ainda que os julgamentos acima transcritos versassem sobre a atuação do Ministério Público Estadual na defesa do patrimônio público de sociedades de economia mista constituídas com recursos estaduais, entendo que, mutatis mutandis, idêntico entendimento merece ser aplicado neste âmbito federal.
Para além disso, no caso concreto, o que se observa, em face dos aportes de verbas públicas federais para o custeio de despesas de capital da sociedade de economia mista federal, ao longo dos exercícios de 2003, 2004 e 2005, a atuação do Ministério Público Federal ocorre em prol da defesa do patrimônio público federal.
No que tange ao interesse jurídico da União, sobrelevar notar que o capital acionário da Cia das Docas do Pará pertence unicamente à União que detém a totalidade e não apenas a maioria de suas ações. A CDP apesar de ter sido constituída sob a forma de sociedade de economia mista, todas as suas ações pertencem à União.
- Da inadequação da via eleita
Merece igualmente rejeição o argumento de que a ação civil pública é o meio inadequado para aplicação das sanções do art. 12 da Lei n. 8429/1992. Sobre a matéria, trago à colação o seguinte aresto, no qual restou sufragada pelo Superior Tribunal de Justiça tese contrária à do demandado:
ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. AÇÃO CIVIL PÚBLICA.
(...)
4. Considerando o cânone de que a todo direito corresponde uma ação que o assegura, é lícito que o interesse difuso à probidade administrativa seja veiculado por meio da ação civil pública (...).
6. A fortiori, a ação civil pública pode gerar comando condenatório, declaratório, constitutivo, auto-executável ou mandamental.
7. Axiologicamente, é a causa petendi que caracteriza a ação difusa e não o pedido formulado, muito embora o objeto mediato daquele também influa na categorização da demanda.
8. A lei de improbidade administrativa, juntamente com a lei da ação civil pública, da ação popular, do mandado de segurança coletivo, do Código de Defesa do Consumidor e do Estatuto da Criança e do Adolescente e do Idoso, compõem um microssistema de tutela dos interesses transindividuais e sob esse enfoque interdisciplinar, interpenetram-se e subsidiam-se.
9. A doutrina do tema referenda o entendimento de que "A ação civil pública é o instrumento processual adequado conferido ao Ministério Público para o exercício do controle popular sobre os atos dos poderes públicos, exigindo tanto a reparação do dano causado ao patrimônio por ato de improbidade quanto à aplicação das sanções do art. 37, § 4º, da Constituição Federal, previstas ao agente público, em decorrência de sua conduta irregular.(...) Torna-se, pois, indiscutível a adequação dos pedidos de aplicação das sanções previstas para ato de improbidade à ação civil pública, que se constitui nada mais do que uma mera denominação de ações coletivas, às quais por igual tendem à defesa de interesses meta-individuais. Assim, não se pode negar que a Ação Civil Pública se trata da via processual adequada para a proteção do patrimônio público, dos princípios constitucionais da administração pública e para a repressão de atos de improbidade administrativa, ou simplesmente atos lesivos, ilegais ou imorais, conforme expressa previsão do art. 12 da Lei 8.429/92 (de acordo com o art. 37, § 4º, da Constituição Federal e art. 3º da Lei n.º 7.347/85)" (Alexandre de Moraes in "Direito Constitucional", 9ª ed. , p. 333-334)
10. Recurso especial desprovido.
(RESP 510150/MA; 1ª Turma do STJ; DJ de 29/03/2004; Relator(a) LUIZ FUX)
- Da Ilegitimidade passiva ad causam de Paulo Brígido de Oliveira
Tal alegação tangencia o exame do mérito da causa e será com ele apreciada no momento oportuno.
Da Inépcia da inicial
Não há inépcia da inicial por falta de indicação ou quantificação de eventual prejuízo de ordem econômica. Cumpre assinalar que a existência de dano concreto ao patrimônio da sociedade de economia mista federal e sua respectiva mensuração é matéria que se insere na seara do mérito da pretensão deduzida em juízo.
- Da possibilidade de utilização das escutas telefônicas
Não houve quebra de sigilo telefônico na presente demanda, o que somente é admissível no interesse de investigação criminal. Todavia, as interceptações telefônicas podem ser utilizadas como prova emprestada no bojo de ação de improbidade administrativa, onde serão submetidas ao crivo do contraditório. Sobre o assunto, cito precedente:
“ADMINISTRATIVO. PROCESSO CIVIL. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. PROVAS EMPRESTADAS. INQUÉRITO POLICIAL. INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA. USO EM AÇÃO DE IMPROBIDADE. POSSIBILIDADE. I- É possível a utilização de prova colhida em inquérito policial para fins de propositura de ação civil de improbidade administrativa, desde que resguardados o devido contraditório e a não publicidade dos dados. Precedentes do STF e desta Corte. Agravo a que se nega provimento” (Agravo de Instrumento n. 200801000157363 – TRF 1ª. Região).
A orientação jurisprudencial do STF é no sentido de que dados obtidos em interceptação de comunicações telefônicas, judicialmente autorizadas para produção de prova em investigação criminal ou em instrução processual penal, bem como documentos colhidos na mesma investigação, podem ser usados em procedimento administrativo disciplinar contra a mesma ou as mesmas pessoas em relação às quais foram colhidas, ou contra outros servidores cujos supostos ilícitos teriam despontados à colheita dessas provas (Petição 3683/QO/MG, Rel. Min. Cezar Peluso, Tribunal Pleno).
Mérito
Superadas as preliminares, passo a adentrar propriamente no campo meritório.
A Lei 8.429/92 foi editada com o propósito de sancionar agentes públicos que enriqueçam ilicitamente em face do exercício de função pública, quando causem dano ao erário ou transgridam princípios da Administração Pública, estando igualmente sujeitos às suas disposições particulares que induzam ou concorram para o ilícito ou dela se beneficiem.
São três, portanto, as espécies de atos de improbidade administrativa definidos no diploma legal em tela, a saber: a) atos de improbidade que importem enriquecimento ilícito; b) atos de improbidade que causem lesão ao erário, e; c) atos de improbidade administrativa que atentem contra os princípios da Administração Pública.
Vejamos, então, se estão presentes na hipótese dos autos os requisitos necessários para a configuração das condutas típicas previstas na LIA.
CONTRATO 10/2006
Do objeto: execução de obras de recuperação do enrocamento no início da ponte de acesso aos píeres 100 e 200 do terminal portuário do Outeiro.
Prazo de execução: 120 dias
Preço: R$-319.593,01 (trezentos e dezenove reais e quinhentos e noventa e três reais e um centavo).
Dispensa de licitação: art. 24, inciso IV da Lei 8.666/93
Das irregularidades descritas na inicial:
Contrato n. 10/2006 – A inicial sustenta a existência de dispensa de licitação manipulada, pois seu fundamento (caso de emergência) seria falso. E ainda assim, houve direcionamento do objeto do contrato em favor da empresa R & A – Construções e Comércio Ltda a fim de que executasse suas obras. Para isso, simulou o oferecimento de propostas por outras empresas. Além disso, relatório da Controladoria Geral da União atestou que a obra, ainda em fase de execução, não estava sendo executada dentro das especificações apresentadas pela construtora.
Cumpre inicialmente examinar se o pressuposto fático para a dispensa de licitação se fazia realmente presente na hipótese em apreço.
A acusação lastreada no relatório da Controladoria Geral da União insiste que não havia substrato fático a respaldar a contratação emergencial, posto que seria plenamente previsível a ocorrência de marés altas nos primeiros dias do mês de março de 2006. Assim, não haveria caso de emergência ou de calamidade pública, posto que a alta das marés seria fato tecnicamente previsível.
Não comungo deste entendimento. Verifico que tais alegações não passam de meras suposições. É fato que no período de março de cada ano a intensidade das marés, aliada as fortes chuvas, castigam severamente a região Amazônica. Entretanto, ainda que seja possível - tal como ocorre com a previsão do tempo - se formular consultas acerca da ocorrência de marés altas, não se pode prever antecipadamente os efeitos deletérios que esses fatos da natureza venham efetivamente ensejar. Significa dizer, dentro do previsível, existem fatores imprevisíveis que delimitam bem o alcance de uma situação emergencial.
Na hipótese em causa, as reproduções das fotografias colacionadas às fls. 579/586 dos autos, atestam a necessidade de serviços de reparação no enrocamento do píer do terminal do Outeiro, em razão dos estragos que haviam sido causados pela alta das marés. Vale dizer, as obras destinavam-se a recuperação do enrocamento já atingido pelos efeitos das marés altas do mês de março, denotando sim a meu ver uma situação de urgência a respaldar uma dispensa de licitação em face do caráter emergencial.
No mesmo sentido, as reportagens dos princípios jornais do Estado veiculadas nos dias 02 e 03 de março de 2006 (fls. 1100/1101) noticiam que as marés altas provocaram enorme destruição nesse período.
A caracterização da situação emergencial encontra-se corroborada, pois, pelas fotos e noticiários veiculados na imprensa constantes nos autos, pois o que se cogitava é de uma contratação para recuperação em caráter de urgência de pontos críticos do enrocamento do píer, eliminando os riscos de uma deterioração total da área. Contudo, ainda que reconhecido o pressuposto fático da contratação direta, tal circunstância não tem o condão de ensejar o seu direcionamento.
No tocante ao prazo da execução dos serviços – 120 dias – encontra-se dentro do limite temporal máximo de 180 dias previsto no artigo 24, inciso IV da Lei 8.666/93.
Entretanto, sobreleva notar que, em face do princípio da moralidade administrativa, a contratação direta não pode importar em contratação arbitrária ou abusiva. Tal situação não se coaduna com a manipulação de propostas de forma a inviabilizar a competição entre possíveis interessados, subtraindo da Administração a escolha do preço mais vantajoso. Explico.
A contratação direta não prescinde de um procedimento formal prévio destinado a selecionar a melhor proposta possível para a Administração Pública, abrindo a oportunidade para que todos os potenciais interessados possam participar. Pode-se adotar um rito com prazos e formalidades simplificadas, mas a escolha do particular deve ocorrer de maneira objetiva, recaindo sobre o menor preço dentre as propostas de qualidade equivalente[1]. Significa dizer, o campo da contratação direta não prescinde da obtenção da melhor contratação possível para o Poder Público, ficando a Administração igualmente vinculada aos princípios que regem a atividade administrativa estatal.
No caso concreto, a CDP apesar de ter optado pela dispensa de licitação, realizou uma coleta de preços que, em tese, deveria ter sido destinada a selecionar a proposta mais vantajosa para a Administração.
Acontece que essa seleção foi forjada como fartamente ficou demonstrado durante a instrução processual, visto que houve montagem irregular da coleta de preços mediante combinação e ajuste entre os interessados de forma a direcionar a contratação em favor da empresa “R & A Construções e Comércio Ltda”, pertencente a Evandilson Freitas de Andrade, antigo filiado do Partido Socialista Brasileiro, mesmo partido do Presidente da CDP, o qual por ter exercido diversos cargos na administração publica municipal (ex-secretario municipal de urbanismo) e federal (ex-superintendente do DNIT) possuía livre trânsito entre os empresários do setor.
Como visto, a licitação é a regra, sendo exceção a contratação direta. Esta apresenta duas modalidades distintas: a dispensa e a inexigibilidade.
Na dispensa da licitação - ao contrário da inexigibilidade que tem sempre por fundamento uma situação em que a disputa é inviável - a competição entre os particulares não se encontra inviabilizada. Assim, muito embora a licitação fosse dispensável, a Administração não está livre para selecionar uma proposta que não seja a mais vantajosa, conferindo tratamento que não fosse igualitário a todos os administrados e realizando contratação abusiva.
Ressalte-se, a propósito, que o Tribunal de Contas da União já teve oportunidade de deliberar que em qualquer contratação efetuada com dispensa de licitação, observe, com rigor, o disposto no art. 26 da Lei 8.666/93, de modo que sejam devidamente justificados os motivos da escolha do fornecedor ou executante e os preços pactuados (Decisão n. 30/2000, rel. Ministro Guilherme Palmeira).
Não é demais recordar que, por imposição legal, estabelece o artigo 26, em seu parágrafo único, incisos II e III, da Lei 8.666/93, que o processo de contratação direta deve conter a razão da escolha do fornecedor e a justificativa do preço.
Assim, a validade da contratação não dispensa a averiguação da compatibilidade do preço com o objeto da prestação.
Fixadas estas premissas, passo ao exame da situação em tela.
As interceptações telefônicas gravadas no bojo do inquérito policial que precedeu a propositura da presente ação demonstram claramente as participações dos réus Ademir Andrade, Evandilson Andrade, Marcos Cavaleiro de Macedo, Paulo Brigido de Oliveira e Ewerton Pereira de Carvalho Junior nos atos que resultaram na contratação irregular da empresa R & A Construções para realização da obra do reparo do enrocamento do píer do Terminal do Outeiro. Vejamos.
Inicialmente, em 27/12/2005 foi registrada uma conversa entre Ademir Andrade, então Presidente da Companhia das Docas do Pará, e o Sr. Evandilson Andrade. Este era filiado do Partido Socialista Brasileiro, do qual Ademir foi presidente, e havia ocupado os cargos de Secretario Municipal de Urbanismo na Prefeitura Municipal de Belém e de Coordenador do DNIT no Pará. Claramente Evandilson pede obras na CDP do tipo “emergencial”. Esse é o trecho do diálogo (fls. 06): Evandilson fala: Me arrume alguma coisa, dessas emergenciais, essas emergenciais, essas rapidinhas. E Ademir responde: Ta bom, eu vou fazer o que puder.
Sobreleva notar que a contratação emergencial não foi mera cogitação, vindo a se concretizar, logo depois, com a assinatura do contrato na data de 15 de março de 2006 entre a empresa R & A Construções e a CDP (fls. 30/35), por meio de dispensa de licitação, para recuperação do enrocamento no início da ponte de acessos aos píeres 100 e 200 do terminal portuário de Outeiro.
E o que é pior. Para dar aparência de “legalidade”, a CDP realizou coleta de preços junto a outras empresas do ramo flagrantemente forjada. Apresentaram propostas, além da empresa R & A Construções, as firmas Probase Projetos e Engenharia, FHVV Construções e Comercio Ltda, Paulo Brigido Engenharia e Terraplena ltda. Pelos menos duas delas, foram flagradas durante as interceptações combinando a montagem irregular dos orçamentos. Nesse sentido é o dialogo registrado entre Evandilson e o representante da empresa Terraplena (Índice 2006030615514321), Sr. Ewerton Pereira de Carvalho Junior, no dia 06/03/2006 (fls. 15) e entre Evandilson e Paulo Brígido de Oliveira (Indice 2006030617064721) na mesma data (fls. 16). Evandilson ainda chegou a contactar com o representante legal da Estacon que, entretanto, não apresentou a sua proposta (fls. 16).
Em seu depoimento pessoal em juízo o demandado Ewerton Pereira de Carvalho Junior confirmou que foi avisado da coleta de preço por Evandilson e não pela própria Administração como seria o procedimento regular.
E não é só. Antes de contactar com os outros empresários, Evandilson liga no dia 02/03/2006 (fls. 09) para Júlio Alencar, outro engenheiro, avisando que a obra do píer de Outeiro seria realizada em caráter emergencial e que a sua empresa seria contemplada com o serviço. Demonstra, desse modo, a clara certeza que a obra seria por ele executada antes mesmo que as propostas das demais empresas viessem a ser abertas na sede da sociedade de economia mista federal.
As propostas tanto da Terraplena quanto da empresa Paulo Brigido foram elaboradas na sede da própria firma de Evandilson. Nesse sentido são as ordens expressas repassadas por Evandilson a “Júnior” que foram captadas nas interceptações telefônicas registradas sob os números 2006030616590821 e 2006030617095721 (fls. 16), o que veio a ser confirmado em seu depoimento pessoal em juízo gravado em mídia digital. A busca e apreensão deferida no bojo do IPL também revelou que no disco rígido de um dos computadores apreendidos na sede da “R & A” foram encontrados arquivos contendo as propostas das firmas Probase, Paulo Brígido e Terraplena, o que não deixa margem de dúvidas acerca da montagem irregular da coleta de preços.
A participação de Ademir Andrade e de Marcos Cavaleiro de Macedo também restou devidamente comprovada. O primeiro não só assinou o contrato emergencial eivado de vícios, como já havia prometido a obra à Evandilson (fls. 06), conforme registrado nas interceptações telefônicas e recebeu diretamente a proposta deste último (interceptação registro 2006030609563221 fls. 10). O segundo teve participação ativa na montagem forjada da coleta de preços, não apenas indicando as empresas que deveriam ser procuradas para fornecer os orçamentos, como repassando, inclusive, o número de telefones de seus dirigentes a fim de que fossem contactados por Evandilson (fls. 15: registro 2006030616505921; fls. 16: registro 2006030617035821), sendo, também o responsável pelo setor incumbido de elaborar o preço de referência da CDP.
No que tange a alegação de superfaturamento, nada há nos autos que afaste tal circunstância. O relatório da Controladoria Geral da União, que não foi ilidido por qualquer prova no processo, indica que o item 3.1 “recuperação do talude” contempla volume superior ao que poderia ser executado no local, bem como que não foram identificados danos ao pavimento asfáltico que justificasse a contratação dos itens 4.5 e 5.4.
Tal constatação é corroborada pelo depoimento da testemunha Júlio Alencar, engenheiro que foi chamado para dar consultoria sobre a obra, oportunidade em que esclareceu que a obra era muito simples consistindo na execução de serviços de contenção com sacos de cimento e areia com blocos de rochas para preencher os vazios. Ao ser informado, durante a audiência, sobre o quantitativo do material que deveria ter sido empregado na obra, assinalou que este volume estaria superdimensionado (fls. 1491).
Evandilson também foi flagrado em uma das interceptações demonstrando extrema preocupação com a vistoria que estava sendo realizada pela Controladoria Geral da União e com o fato de estar sendo requisitado por aquele órgão o rol de materiais utilizados na obra (fls. 19: registro 2006042417424121), o que só vem a ratificar tal irregularidade.
Quanto a essas imputações, devem responder os réus que intervieram efetivamente nos ilícitos. São eles: Ademir Andrade, Marco Antonio Cavaleiro de Macedo, Evandilson Freitas de Andrade, Paulo Raymundo Brígido de Oliveira, Ewerton Pereira de Carvalho Júnior R & A Construções e Comercio Ltda.
Não vislumbro suporte probatório a sustentar a condenação de Erickson Alexandre Rodrigues Barbosa, na medida em que a escolha e a contratação da empresa R & A Construções precederam a sua gestão, permanecendo na presidência da CDP apenas no curto período de 17 de março de 2006 a 28 de abril de 2006. Da mesma forma, quanto ao demandado Heronildes Gomes Moura Júnior não há prova segura de que fosse a mesma pessoa identificada nas gravações como “Junior”, posto que apesar de ter figurado como responsável técnico da empresa R & A Construções (fls.605/606 ), havia também outra pessoa vinculada a essa pessoa jurídica que poderia ser identificada como “ Junior”, vindo a ser Antonio Jorge Sousa de Almeida Junior, um dos sócios da empresa R & A Construções, juntamente com a esposa de Evandilson, Sra. Sonia Maria Ferreira de Andrade (fls. 612/616).
Entretanto, como não há prova nos autos da efetiva ocorrência de prejuízo econômico, haja vista que a obra não chegou a ser integralmente quitada pela CDP e na ocasião da vistoria realizada pela CGU ainda não havia ocorrido a sua entrega definitiva, uma vez que os serviços ainda estavam em fase de execução (fls. 42), não há possibilidade de tipificação dos ilícitos na modalidade de improbidade administrativa prevista no artigo 10 da Lei 8.429/92, a qual não prescinde do resultado de ordem material. Assim, não havendo comprovação da lesão concreta, haja vista que o contrato não foi integralmente quitado pela CDP e a dívida ainda se encontra em discussão judicial, como assinalou o demandado Evandilson em seu depoimento pessoal, uma vez que ingressou com ação para cobrança desses valores em processo em trâmite na Justiça Comum Estadual, ainda não transitado em julgado, afasta-se a configuração do tipo infracional descrito no artigo 10, restando o exame da infração residual descrita no artigo 11 da Lei 8.429/92.
Decerto que na ação de improbidade administrativa os réus se defendem dos fatos e não da capitulação jurídica dada na petição inicial (REsp 1192583, Relatora Ministra Eliana Calmon). Entretanto, na hipótese dos autos, convém asseverar que o Ministério Público Federal também pede o enquadramento dos réus nas sanções do artigo 12, inciso III da LIA em face da violação dos deveres para com a Administração Pública. Vejamos.
Pois bem, do exame do conjunto probatório produzido nos autos, ainda que não tenha ficado evidenciado o efetivo prejuízo econômico ao erário, posto não ter havido o desembolso de recursos públicos para o pagamento integral da contratação, estando a questão ainda sub judice, como ao norte já assinalado, não havendo prova nos autos do termo de recebimento definitivo da obra, não se pode olvidar que para a tipificação do ilícito administrativo previsto no artigo 11 da LIA, é dispensável a comprovação desses elementos.
A infração capitulada no artigo 11 da Lei n. 8.429/92 é um tipo subsidiário, em face de sua natureza residual, somente aplicável, quando as condutas não se amoldarem nos tipos previstos nos artigos 9º. e 10. Em linhas gerais, a configuração do ato de improbidade por violação a princípios da Administração Pública exige o preenchimento dos seguintes requisitos: 1) conduta dolosa do agente; 2) conduta que não gere enriquecimento ilícito ou lesão ao patrimônio público; 3) atentado imediato contra determinados princípios da Administração Pública, prestigiados quer no artigo 11 ou no artigo 10 da Lei n. 8.429/92 (como é o caso da violação ao princípio da licitação ao norte assinalado) e 4) relação de causalidade entre o exercício funcional e a desobediência aos princípios[2].
Diante do quadro probatório existente nos autos, constata-se a violação direta a princípios consagrados pela Administração Pública como o da legalidade, da moralidade e da impessoalidade.
Por fim, assinalo que para ofensa ao artigo 11 da Lei 8.429/92 basta a demonstração do dolo genérico. Ressalte-se que nessa linha de entendimento é a orientação adotada pela Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça a partir do julgamento do Recurso Especial 765.212/AC, Relator Ministro Herman Benjamin (No mesmo sentido, cito: REsp 1.182.968-RJ, Relatora Ministra Eliana Calmon). Entretanto, nestes autos fica bem evidente que todos os envolvidos tinham a clara noção das irregularidades que perpetravam.
Empresa P & C Projetos
Em relação às imputações envolvendo a empresa P & C Projetos, verifico que apesar dos indícios de improbidade administrativa, por ocasião do recebimento da inicial, nada mais foi aduzido durante a instrução processual, não havendo nos autos sequer os contratos que teriam sido firmados entre a pessoa jurídica em tela e a CDP, tampouco os procedimentos licitatórios que dele resultaram. Também os relatórios da Controladoria Geral da União não chegaram a examinar o contrato administrativo celebrado por essa empresa, não havendo como se imputar eventual responsabilização à míngua de suporte probatório.
- Da individualização
Da infração do artigo 11, caput da Lei 8.429/92
Configurada a prática do ilícito descrito no artigo 11, caput, da Lei 8.429/92, passo a individualizar as sanções aplicáveis ao caso concreto que devem ser adequadas a reprimir/coibir as condutas atentatórias à probidade e moralidade administrativas, na medida do grau de culpabilidade.
Aplico aos réus Ademir Andrade, Marco Antonio Cavaleiro de Macedo, Evandilson Freitas Andrade as seguintes penalidades:
a) suspensão dos direitos políticos por três anos;
b) pagamento de multa civil no valor fixo de R$-20.000,00 (vinte mil reais);
c) proibição de contratar com o Poder Público e receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios pelo prazo de três anos.
Aplico à empresa R & A Construções e Comércio Ltda a seguinte pena:
d) proibição de contratar com o Poder Público e receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios pelo prazo de três anos.
Aplico a Ewerton Pereira de Carvalho Junior e Paulo Raymundo Brigido de Oliveira a seguinte sanção:
e) pagamento de multa civil no valor fixo de R$-20.000,00 (vinte mil reais);
Incabível a imposição de condenação pela reparação de dano moral que reputo não configurado no caso.
III – DISPOSITIVO
Ante o exposto:
1) julgo procedente, em parte, o pedido para condenar Ademir Andrade, Marco Antonio Cavaleiro de Macedo e Evandilson Freitas de Andrade por violação ao artigo 11, caput, nas seguintes sanções previstas no inciso III do artigo 12 da LIA:
a) suspensão dos direitos políticos por três anos;
b)pagamento de multa civil no montante de R$-20.000,00 (vinte mil reais);
c)proibição de contratar com o Poder Público e receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios pelo prazo de três anos.
2) Julgo procedente, em parte, o pedido em relação à empresa R & A Construções e Comercio Ltda, aplicando-lhe a sanção de proibição de contratar com o Poder Público e receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios pelo prazo de três anos.
3) Julgo procedente, em parte, o pedido para condenar Ewerton Pereira de Carvalho Junior e Paulo Raymundo Brigido de Oliveira, nas sanções do artigo 12, inciso III da Lei 8.429/92, aplicando-lhes a penalidade de multa no valor de R$-20.000,00 (vinte mil reais).
4) julgo improcedente a demanda em relação a Erickson Alexandre Rodrigues Barbosa e Heronildes Gomes Moura Junior.
Condeno os demandados Ademir Andrade, Marco Antonio Barros Cavaleiro de Macedo, Evandilson Freitas de Andrade, Paulo Raymundo Brigido de Oliveira, Ewerton Pereira de Carvalho Junior e R & A Construções e Comércio Ltda a arcarem com o pagamento das custas processuais e em honorários advocatícios que fixo individualmente no valor de R$-1.000,00 (um mil reais).
P. R . I
Belém, de dezembro de 2010.
Hind Ghassan Kayath
Juíza Federal da 2ª Vara
[1] JUSTEN FILHO, Marcal. Comentários à lei de licitações e contratos administrativos. 12ª. Ed. SP: Dialética, 2008, p. 282 e 284.
[2] BERTONCINI, Mateus. Ato de improbidade administrativa: 15 anos da Lei n. 8.429/1992. SP: RT, 2007, p. 194-195.
Classe: 7300 – Ação de Improbidade Administrativa
Reqte: Ministério Público Federal
Reqdo: Ademir Galvão Andrade e Outros
Juíza Federal: Hind Ghassan Kayath
SENTENÇA
I - RELATÓRIO
1- Trata-se de ação de improbidade administrativa ajuizada com fulcro nas disposições da Lei n. 8.429/92 pelo MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL contra ADEMIR GALVÃO ANDRADE, MARCO ANTONIO BARROS CAVALEIRO DE MACEDO, ERICSON ALEXANDRE RODRIGUES, EVANDILSON FREITAS DE ANDRADE, PAULO RAYMUNDO BRÍGIDO DE OLIVEIRA, EWERTON PEREIRA DE CARVALHO JÚNIOR, HERONILDES GOMES MOURA JÚNIOR e R & A – CONSTRUÇÕES E COMÉRCIO LTDA, todos devidamente qualificados na inicial, tencionando suas condenações nas penas cominadas pelo art. 12 do diploma retro citado, haja vista condutas irregulares adotadas nos procedimentos licitatórios vencidos pela empresa R & A – CONSTRUÇÕES E COMÉRCIO LTDA, realizados no âmbito da Companhia de Docas do Pará – CDP. Pede, além da aplicação das sanções do artigo 12 da Lei 8.429/92 pela violação dos arts. 9º., 10 e art. 11, inciso I, todos da LIA, a condenação no pagamento de indenização por danos morais em favor de toda a sociedade brasileira.
Intimada a manifestar interesse jurídico na demanda, a União compareceu, por meio do petitório de fls. 99/101, requerendo sua habilitação na condição de assistente litisconsorcial do autor da ação, o que foi deferido pelo juízo (fls. 113).
Decisão às fls. 121/130 deferindo o pedido liminar de indisponibilidade de bens dos demandados.
Notificados na forma do art. 17, §7º, da Lei n. 8.429/92, apresentaram os requeridos as defesas preliminares acostadas às fls. 298/303 (Erickson Alexandre Rodrigues Barbosa); às fls. 349/355( Paulo Raymundo Brígido de Oliveira); às fls. 411/430 (Ewerton Pereira de Carvalho Júnior); às fls. 561/577 (Marco Antonio Barros Cavaleiro de Macedo; às fls. 601/603 (Heronildes Gomes Moura Junior); às fls. 633/652 (Evandilson Freitas de Andrade); às fls. 669/724 (Ademir Andrade) e às fls. 756/773 (R&A Construções e Comércio Ltda).
A inicial foi recebida por meio da decisão de fls. 815/817.
Na sequência os requeridos foram citados e ofertaram contestações colacionadas às fls. 876/889 (Evandilson Freitas de Andrade); fls. 915/920 (Heronildes Gomes Moura Junior); fls. 924/949 (Ewerton Pereira de Carvalho Junior); fls. 959/972 (R & A Construções e Comércio Ltda); fls. 973/1038 (Ademir Galvão Andrade); fls. 1041/1055 (Erickson Alexandre Rodrigues Barbosa) fls. 1074/1097(Marco Antonio Barros Cavaleiro de Macedo); fls. 1102/1111 (Paulo Raymundo Brígido de Oliveira).
Réplica do MPF às fls. 1116/1138.
Manifestação da União às fls. 1139/1151.
O requerimento de produção de provas formulado pelas partes foi devidamente apreciado por meio do despacho de fls. 1162. A realização da prova pericial requerida pela defesa dos demandados restou sendo inviabilizada diante da falta de depósito dos honorários periciais (fls. 1434/1435).
Na audiência de instrução e julgamento foram tomados os depoimentos pessoais dos réus e colhidas as oitivas das testemunhas, todos gravados em mídia digital (fls. 1465/1491).
Memoriais das partes apresentados às fls. 1492/1502 (Ministério Público Federal); União às fls. 1504/1507; Erckson Alexandre Rodrigues Barbosa às fls. 1510/1536; Ademir Galvão de Andrade às fls. 1537/1555; Marco Antonio Barros Cavaleiro de Macedo às fls. 1561/1573; Evandilson Freitas de Andrade às fls. 1574/1580; Ewerton Pereira de Carvalho Junior às fls. 1583/1591 e Paulo Raymundo Brigido de Oliveira.
Sucintamente relatado, passo a decidir.
II - FUNDAMENTOS
Das Preliminares
- Da incompetência da Justiça Federal
Quanto à incompetência desta Justiça Federal, cumpre assinalar que a simples presença do Ministério Publico Federal na lide já atrai por si só a incidência do artigo 109, inciso I da Constituição Federal. Por outro lado, importa registrar que o pleito de integração à lide formulado pela União Federal, na qualidade de assistente do MPF, fixa, indelevelmente, a competência deste Foro para processamento e julgamento da lide.
Ademais, muito além do próprio patrimônio da Companhia de Docas do Pará que possa ter sido lesado por meio das licitações e/ou dispensas fraudulentas, verifica-se na espécie possível lesão a recursos da própria União Federal, os quais foram repassados à CDP para fins de melhorias e implantações de novos projetos em diversos portos deste Estado.
Nesse sentido, observe-se o quadro acostado às fls. 103/108, no qual se encontram explicitados os montantes repassados pelo Tesouro Nacional à CDP, entre 2003 e 2005, para os projetos ali mencionados. Diante de tal circunstância, reputo suficientemente demonstrado o interesse jurídico da União no feito, devendo ser prestigiado o entendimento consagrado pelo Supremo Tribunal Federal na Súmula 517, nesses termos: As sociedades de economia mista só têm foro na Justiça Federal quando a União intervém como assistente ou opoente.
E não é só. A Companhia das Docas do Pará é uma sociedade de economia mista em que a União detém 100% (cem por cento) do seu capital acionário (fls. 103). Por conseguinte, existe lesão direta aos interesses da União Federal já que é proprietária da totalidade das ações preferenciais.
- Da Ilegitimidade Ativa do Ministério Público Federal e da União
No que tange a falta de legitimidade ativa do Ministério Público Federal para patrocinar ação civil pública da espécie, faço uso do entendimento firmado no âmbito do Superior Tribunal de Justiça que, em duas ocasiões, já se pronunciou favoravelmente à possibilidade, consoante os seguintes arestos:
“PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. MINISTÉRIO PÚBLICO. LEGITIMIDADE. DANO AO ERÁRIO. LICITAÇÃO. ECONOMIA MISTA. RESPONSABILIDADE.
1. O Ministério Público é parte legítima para propor Ação Civil Pública visando resguardar a integridade do patrimônio público (sociedade de economia mista) atingido por contratos de efeitos financeiros firmados sem licitação. Precedentes.”
(...).
(REsp 403153/SP;Relator(a) Ministro JOSÉ DELGADO (1105); 1ª Turma do STJ; DJ 20.10.2003)
“AGRAVO REGIMENTAL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. PROCURAÇÃO DO ADVOGADO DO AGRAVADO. INEXISTÊNCIA. AUSÊNCIA DE CITAÇÃO. INTIMAÇÃO PARA RESPONDER O RECURSO. DESNECESSIDADE. INEXISTÊNCIA DE NULIDADE.
(...)
3. O Ministério Público é parte legítima para propor ação civil pública visando resguardar a integridade do patrimônio público de empresa de sociedade de economia mista. Precedentes.
(...)”
(AgRg no Ag 513607/PA; Relator(a) Ministro BARROS MONTEIRO; 4ª Turma do STJ; DJ 02.05.2005)
Ainda que os julgamentos acima transcritos versassem sobre a atuação do Ministério Público Estadual na defesa do patrimônio público de sociedades de economia mista constituídas com recursos estaduais, entendo que, mutatis mutandis, idêntico entendimento merece ser aplicado neste âmbito federal.
Para além disso, no caso concreto, o que se observa, em face dos aportes de verbas públicas federais para o custeio de despesas de capital da sociedade de economia mista federal, ao longo dos exercícios de 2003, 2004 e 2005, a atuação do Ministério Público Federal ocorre em prol da defesa do patrimônio público federal.
No que tange ao interesse jurídico da União, sobrelevar notar que o capital acionário da Cia das Docas do Pará pertence unicamente à União que detém a totalidade e não apenas a maioria de suas ações. A CDP apesar de ter sido constituída sob a forma de sociedade de economia mista, todas as suas ações pertencem à União.
- Da inadequação da via eleita
Merece igualmente rejeição o argumento de que a ação civil pública é o meio inadequado para aplicação das sanções do art. 12 da Lei n. 8429/1992. Sobre a matéria, trago à colação o seguinte aresto, no qual restou sufragada pelo Superior Tribunal de Justiça tese contrária à do demandado:
ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. AÇÃO CIVIL PÚBLICA.
(...)
4. Considerando o cânone de que a todo direito corresponde uma ação que o assegura, é lícito que o interesse difuso à probidade administrativa seja veiculado por meio da ação civil pública (...).
6. A fortiori, a ação civil pública pode gerar comando condenatório, declaratório, constitutivo, auto-executável ou mandamental.
7. Axiologicamente, é a causa petendi que caracteriza a ação difusa e não o pedido formulado, muito embora o objeto mediato daquele também influa na categorização da demanda.
8. A lei de improbidade administrativa, juntamente com a lei da ação civil pública, da ação popular, do mandado de segurança coletivo, do Código de Defesa do Consumidor e do Estatuto da Criança e do Adolescente e do Idoso, compõem um microssistema de tutela dos interesses transindividuais e sob esse enfoque interdisciplinar, interpenetram-se e subsidiam-se.
9. A doutrina do tema referenda o entendimento de que "A ação civil pública é o instrumento processual adequado conferido ao Ministério Público para o exercício do controle popular sobre os atos dos poderes públicos, exigindo tanto a reparação do dano causado ao patrimônio por ato de improbidade quanto à aplicação das sanções do art. 37, § 4º, da Constituição Federal, previstas ao agente público, em decorrência de sua conduta irregular.(...) Torna-se, pois, indiscutível a adequação dos pedidos de aplicação das sanções previstas para ato de improbidade à ação civil pública, que se constitui nada mais do que uma mera denominação de ações coletivas, às quais por igual tendem à defesa de interesses meta-individuais. Assim, não se pode negar que a Ação Civil Pública se trata da via processual adequada para a proteção do patrimônio público, dos princípios constitucionais da administração pública e para a repressão de atos de improbidade administrativa, ou simplesmente atos lesivos, ilegais ou imorais, conforme expressa previsão do art. 12 da Lei 8.429/92 (de acordo com o art. 37, § 4º, da Constituição Federal e art. 3º da Lei n.º 7.347/85)" (Alexandre de Moraes in "Direito Constitucional", 9ª ed. , p. 333-334)
10. Recurso especial desprovido.
(RESP 510150/MA; 1ª Turma do STJ; DJ de 29/03/2004; Relator(a) LUIZ FUX)
- Da Ilegitimidade passiva ad causam de Paulo Brígido de Oliveira
Tal alegação tangencia o exame do mérito da causa e será com ele apreciada no momento oportuno.
Da Inépcia da inicial
Não há inépcia da inicial por falta de indicação ou quantificação de eventual prejuízo de ordem econômica. Cumpre assinalar que a existência de dano concreto ao patrimônio da sociedade de economia mista federal e sua respectiva mensuração é matéria que se insere na seara do mérito da pretensão deduzida em juízo.
- Da possibilidade de utilização das escutas telefônicas
Não houve quebra de sigilo telefônico na presente demanda, o que somente é admissível no interesse de investigação criminal. Todavia, as interceptações telefônicas podem ser utilizadas como prova emprestada no bojo de ação de improbidade administrativa, onde serão submetidas ao crivo do contraditório. Sobre o assunto, cito precedente:
“ADMINISTRATIVO. PROCESSO CIVIL. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. PROVAS EMPRESTADAS. INQUÉRITO POLICIAL. INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA. USO EM AÇÃO DE IMPROBIDADE. POSSIBILIDADE. I- É possível a utilização de prova colhida em inquérito policial para fins de propositura de ação civil de improbidade administrativa, desde que resguardados o devido contraditório e a não publicidade dos dados. Precedentes do STF e desta Corte. Agravo a que se nega provimento” (Agravo de Instrumento n. 200801000157363 – TRF 1ª. Região).
A orientação jurisprudencial do STF é no sentido de que dados obtidos em interceptação de comunicações telefônicas, judicialmente autorizadas para produção de prova em investigação criminal ou em instrução processual penal, bem como documentos colhidos na mesma investigação, podem ser usados em procedimento administrativo disciplinar contra a mesma ou as mesmas pessoas em relação às quais foram colhidas, ou contra outros servidores cujos supostos ilícitos teriam despontados à colheita dessas provas (Petição 3683/QO/MG, Rel. Min. Cezar Peluso, Tribunal Pleno).
Mérito
Superadas as preliminares, passo a adentrar propriamente no campo meritório.
A Lei 8.429/92 foi editada com o propósito de sancionar agentes públicos que enriqueçam ilicitamente em face do exercício de função pública, quando causem dano ao erário ou transgridam princípios da Administração Pública, estando igualmente sujeitos às suas disposições particulares que induzam ou concorram para o ilícito ou dela se beneficiem.
São três, portanto, as espécies de atos de improbidade administrativa definidos no diploma legal em tela, a saber: a) atos de improbidade que importem enriquecimento ilícito; b) atos de improbidade que causem lesão ao erário, e; c) atos de improbidade administrativa que atentem contra os princípios da Administração Pública.
Vejamos, então, se estão presentes na hipótese dos autos os requisitos necessários para a configuração das condutas típicas previstas na LIA.
CONTRATO 10/2006
Do objeto: execução de obras de recuperação do enrocamento no início da ponte de acesso aos píeres 100 e 200 do terminal portuário do Outeiro.
Prazo de execução: 120 dias
Preço: R$-319.593,01 (trezentos e dezenove reais e quinhentos e noventa e três reais e um centavo).
Dispensa de licitação: art. 24, inciso IV da Lei 8.666/93
Das irregularidades descritas na inicial:
Contrato n. 10/2006 – A inicial sustenta a existência de dispensa de licitação manipulada, pois seu fundamento (caso de emergência) seria falso. E ainda assim, houve direcionamento do objeto do contrato em favor da empresa R & A – Construções e Comércio Ltda a fim de que executasse suas obras. Para isso, simulou o oferecimento de propostas por outras empresas. Além disso, relatório da Controladoria Geral da União atestou que a obra, ainda em fase de execução, não estava sendo executada dentro das especificações apresentadas pela construtora.
Cumpre inicialmente examinar se o pressuposto fático para a dispensa de licitação se fazia realmente presente na hipótese em apreço.
A acusação lastreada no relatório da Controladoria Geral da União insiste que não havia substrato fático a respaldar a contratação emergencial, posto que seria plenamente previsível a ocorrência de marés altas nos primeiros dias do mês de março de 2006. Assim, não haveria caso de emergência ou de calamidade pública, posto que a alta das marés seria fato tecnicamente previsível.
Não comungo deste entendimento. Verifico que tais alegações não passam de meras suposições. É fato que no período de março de cada ano a intensidade das marés, aliada as fortes chuvas, castigam severamente a região Amazônica. Entretanto, ainda que seja possível - tal como ocorre com a previsão do tempo - se formular consultas acerca da ocorrência de marés altas, não se pode prever antecipadamente os efeitos deletérios que esses fatos da natureza venham efetivamente ensejar. Significa dizer, dentro do previsível, existem fatores imprevisíveis que delimitam bem o alcance de uma situação emergencial.
Na hipótese em causa, as reproduções das fotografias colacionadas às fls. 579/586 dos autos, atestam a necessidade de serviços de reparação no enrocamento do píer do terminal do Outeiro, em razão dos estragos que haviam sido causados pela alta das marés. Vale dizer, as obras destinavam-se a recuperação do enrocamento já atingido pelos efeitos das marés altas do mês de março, denotando sim a meu ver uma situação de urgência a respaldar uma dispensa de licitação em face do caráter emergencial.
No mesmo sentido, as reportagens dos princípios jornais do Estado veiculadas nos dias 02 e 03 de março de 2006 (fls. 1100/1101) noticiam que as marés altas provocaram enorme destruição nesse período.
A caracterização da situação emergencial encontra-se corroborada, pois, pelas fotos e noticiários veiculados na imprensa constantes nos autos, pois o que se cogitava é de uma contratação para recuperação em caráter de urgência de pontos críticos do enrocamento do píer, eliminando os riscos de uma deterioração total da área. Contudo, ainda que reconhecido o pressuposto fático da contratação direta, tal circunstância não tem o condão de ensejar o seu direcionamento.
No tocante ao prazo da execução dos serviços – 120 dias – encontra-se dentro do limite temporal máximo de 180 dias previsto no artigo 24, inciso IV da Lei 8.666/93.
Entretanto, sobreleva notar que, em face do princípio da moralidade administrativa, a contratação direta não pode importar em contratação arbitrária ou abusiva. Tal situação não se coaduna com a manipulação de propostas de forma a inviabilizar a competição entre possíveis interessados, subtraindo da Administração a escolha do preço mais vantajoso. Explico.
A contratação direta não prescinde de um procedimento formal prévio destinado a selecionar a melhor proposta possível para a Administração Pública, abrindo a oportunidade para que todos os potenciais interessados possam participar. Pode-se adotar um rito com prazos e formalidades simplificadas, mas a escolha do particular deve ocorrer de maneira objetiva, recaindo sobre o menor preço dentre as propostas de qualidade equivalente[1]. Significa dizer, o campo da contratação direta não prescinde da obtenção da melhor contratação possível para o Poder Público, ficando a Administração igualmente vinculada aos princípios que regem a atividade administrativa estatal.
No caso concreto, a CDP apesar de ter optado pela dispensa de licitação, realizou uma coleta de preços que, em tese, deveria ter sido destinada a selecionar a proposta mais vantajosa para a Administração.
Acontece que essa seleção foi forjada como fartamente ficou demonstrado durante a instrução processual, visto que houve montagem irregular da coleta de preços mediante combinação e ajuste entre os interessados de forma a direcionar a contratação em favor da empresa “R & A Construções e Comércio Ltda”, pertencente a Evandilson Freitas de Andrade, antigo filiado do Partido Socialista Brasileiro, mesmo partido do Presidente da CDP, o qual por ter exercido diversos cargos na administração publica municipal (ex-secretario municipal de urbanismo) e federal (ex-superintendente do DNIT) possuía livre trânsito entre os empresários do setor.
Como visto, a licitação é a regra, sendo exceção a contratação direta. Esta apresenta duas modalidades distintas: a dispensa e a inexigibilidade.
Na dispensa da licitação - ao contrário da inexigibilidade que tem sempre por fundamento uma situação em que a disputa é inviável - a competição entre os particulares não se encontra inviabilizada. Assim, muito embora a licitação fosse dispensável, a Administração não está livre para selecionar uma proposta que não seja a mais vantajosa, conferindo tratamento que não fosse igualitário a todos os administrados e realizando contratação abusiva.
Ressalte-se, a propósito, que o Tribunal de Contas da União já teve oportunidade de deliberar que em qualquer contratação efetuada com dispensa de licitação, observe, com rigor, o disposto no art. 26 da Lei 8.666/93, de modo que sejam devidamente justificados os motivos da escolha do fornecedor ou executante e os preços pactuados (Decisão n. 30/2000, rel. Ministro Guilherme Palmeira).
Não é demais recordar que, por imposição legal, estabelece o artigo 26, em seu parágrafo único, incisos II e III, da Lei 8.666/93, que o processo de contratação direta deve conter a razão da escolha do fornecedor e a justificativa do preço.
Assim, a validade da contratação não dispensa a averiguação da compatibilidade do preço com o objeto da prestação.
Fixadas estas premissas, passo ao exame da situação em tela.
As interceptações telefônicas gravadas no bojo do inquérito policial que precedeu a propositura da presente ação demonstram claramente as participações dos réus Ademir Andrade, Evandilson Andrade, Marcos Cavaleiro de Macedo, Paulo Brigido de Oliveira e Ewerton Pereira de Carvalho Junior nos atos que resultaram na contratação irregular da empresa R & A Construções para realização da obra do reparo do enrocamento do píer do Terminal do Outeiro. Vejamos.
Inicialmente, em 27/12/2005 foi registrada uma conversa entre Ademir Andrade, então Presidente da Companhia das Docas do Pará, e o Sr. Evandilson Andrade. Este era filiado do Partido Socialista Brasileiro, do qual Ademir foi presidente, e havia ocupado os cargos de Secretario Municipal de Urbanismo na Prefeitura Municipal de Belém e de Coordenador do DNIT no Pará. Claramente Evandilson pede obras na CDP do tipo “emergencial”. Esse é o trecho do diálogo (fls. 06): Evandilson fala: Me arrume alguma coisa, dessas emergenciais, essas emergenciais, essas rapidinhas. E Ademir responde: Ta bom, eu vou fazer o que puder.
Sobreleva notar que a contratação emergencial não foi mera cogitação, vindo a se concretizar, logo depois, com a assinatura do contrato na data de 15 de março de 2006 entre a empresa R & A Construções e a CDP (fls. 30/35), por meio de dispensa de licitação, para recuperação do enrocamento no início da ponte de acessos aos píeres 100 e 200 do terminal portuário de Outeiro.
E o que é pior. Para dar aparência de “legalidade”, a CDP realizou coleta de preços junto a outras empresas do ramo flagrantemente forjada. Apresentaram propostas, além da empresa R & A Construções, as firmas Probase Projetos e Engenharia, FHVV Construções e Comercio Ltda, Paulo Brigido Engenharia e Terraplena ltda. Pelos menos duas delas, foram flagradas durante as interceptações combinando a montagem irregular dos orçamentos. Nesse sentido é o dialogo registrado entre Evandilson e o representante da empresa Terraplena (Índice 2006030615514321), Sr. Ewerton Pereira de Carvalho Junior, no dia 06/03/2006 (fls. 15) e entre Evandilson e Paulo Brígido de Oliveira (Indice 2006030617064721) na mesma data (fls. 16). Evandilson ainda chegou a contactar com o representante legal da Estacon que, entretanto, não apresentou a sua proposta (fls. 16).
Em seu depoimento pessoal em juízo o demandado Ewerton Pereira de Carvalho Junior confirmou que foi avisado da coleta de preço por Evandilson e não pela própria Administração como seria o procedimento regular.
E não é só. Antes de contactar com os outros empresários, Evandilson liga no dia 02/03/2006 (fls. 09) para Júlio Alencar, outro engenheiro, avisando que a obra do píer de Outeiro seria realizada em caráter emergencial e que a sua empresa seria contemplada com o serviço. Demonstra, desse modo, a clara certeza que a obra seria por ele executada antes mesmo que as propostas das demais empresas viessem a ser abertas na sede da sociedade de economia mista federal.
As propostas tanto da Terraplena quanto da empresa Paulo Brigido foram elaboradas na sede da própria firma de Evandilson. Nesse sentido são as ordens expressas repassadas por Evandilson a “Júnior” que foram captadas nas interceptações telefônicas registradas sob os números 2006030616590821 e 2006030617095721 (fls. 16), o que veio a ser confirmado em seu depoimento pessoal em juízo gravado em mídia digital. A busca e apreensão deferida no bojo do IPL também revelou que no disco rígido de um dos computadores apreendidos na sede da “R & A” foram encontrados arquivos contendo as propostas das firmas Probase, Paulo Brígido e Terraplena, o que não deixa margem de dúvidas acerca da montagem irregular da coleta de preços.
A participação de Ademir Andrade e de Marcos Cavaleiro de Macedo também restou devidamente comprovada. O primeiro não só assinou o contrato emergencial eivado de vícios, como já havia prometido a obra à Evandilson (fls. 06), conforme registrado nas interceptações telefônicas e recebeu diretamente a proposta deste último (interceptação registro 2006030609563221 fls. 10). O segundo teve participação ativa na montagem forjada da coleta de preços, não apenas indicando as empresas que deveriam ser procuradas para fornecer os orçamentos, como repassando, inclusive, o número de telefones de seus dirigentes a fim de que fossem contactados por Evandilson (fls. 15: registro 2006030616505921; fls. 16: registro 2006030617035821), sendo, também o responsável pelo setor incumbido de elaborar o preço de referência da CDP.
No que tange a alegação de superfaturamento, nada há nos autos que afaste tal circunstância. O relatório da Controladoria Geral da União, que não foi ilidido por qualquer prova no processo, indica que o item 3.1 “recuperação do talude” contempla volume superior ao que poderia ser executado no local, bem como que não foram identificados danos ao pavimento asfáltico que justificasse a contratação dos itens 4.5 e 5.4.
Tal constatação é corroborada pelo depoimento da testemunha Júlio Alencar, engenheiro que foi chamado para dar consultoria sobre a obra, oportunidade em que esclareceu que a obra era muito simples consistindo na execução de serviços de contenção com sacos de cimento e areia com blocos de rochas para preencher os vazios. Ao ser informado, durante a audiência, sobre o quantitativo do material que deveria ter sido empregado na obra, assinalou que este volume estaria superdimensionado (fls. 1491).
Evandilson também foi flagrado em uma das interceptações demonstrando extrema preocupação com a vistoria que estava sendo realizada pela Controladoria Geral da União e com o fato de estar sendo requisitado por aquele órgão o rol de materiais utilizados na obra (fls. 19: registro 2006042417424121), o que só vem a ratificar tal irregularidade.
Quanto a essas imputações, devem responder os réus que intervieram efetivamente nos ilícitos. São eles: Ademir Andrade, Marco Antonio Cavaleiro de Macedo, Evandilson Freitas de Andrade, Paulo Raymundo Brígido de Oliveira, Ewerton Pereira de Carvalho Júnior R & A Construções e Comercio Ltda.
Não vislumbro suporte probatório a sustentar a condenação de Erickson Alexandre Rodrigues Barbosa, na medida em que a escolha e a contratação da empresa R & A Construções precederam a sua gestão, permanecendo na presidência da CDP apenas no curto período de 17 de março de 2006 a 28 de abril de 2006. Da mesma forma, quanto ao demandado Heronildes Gomes Moura Júnior não há prova segura de que fosse a mesma pessoa identificada nas gravações como “Junior”, posto que apesar de ter figurado como responsável técnico da empresa R & A Construções (fls.605/606 ), havia também outra pessoa vinculada a essa pessoa jurídica que poderia ser identificada como “ Junior”, vindo a ser Antonio Jorge Sousa de Almeida Junior, um dos sócios da empresa R & A Construções, juntamente com a esposa de Evandilson, Sra. Sonia Maria Ferreira de Andrade (fls. 612/616).
Entretanto, como não há prova nos autos da efetiva ocorrência de prejuízo econômico, haja vista que a obra não chegou a ser integralmente quitada pela CDP e na ocasião da vistoria realizada pela CGU ainda não havia ocorrido a sua entrega definitiva, uma vez que os serviços ainda estavam em fase de execução (fls. 42), não há possibilidade de tipificação dos ilícitos na modalidade de improbidade administrativa prevista no artigo 10 da Lei 8.429/92, a qual não prescinde do resultado de ordem material. Assim, não havendo comprovação da lesão concreta, haja vista que o contrato não foi integralmente quitado pela CDP e a dívida ainda se encontra em discussão judicial, como assinalou o demandado Evandilson em seu depoimento pessoal, uma vez que ingressou com ação para cobrança desses valores em processo em trâmite na Justiça Comum Estadual, ainda não transitado em julgado, afasta-se a configuração do tipo infracional descrito no artigo 10, restando o exame da infração residual descrita no artigo 11 da Lei 8.429/92.
Decerto que na ação de improbidade administrativa os réus se defendem dos fatos e não da capitulação jurídica dada na petição inicial (REsp 1192583, Relatora Ministra Eliana Calmon). Entretanto, na hipótese dos autos, convém asseverar que o Ministério Público Federal também pede o enquadramento dos réus nas sanções do artigo 12, inciso III da LIA em face da violação dos deveres para com a Administração Pública. Vejamos.
Pois bem, do exame do conjunto probatório produzido nos autos, ainda que não tenha ficado evidenciado o efetivo prejuízo econômico ao erário, posto não ter havido o desembolso de recursos públicos para o pagamento integral da contratação, estando a questão ainda sub judice, como ao norte já assinalado, não havendo prova nos autos do termo de recebimento definitivo da obra, não se pode olvidar que para a tipificação do ilícito administrativo previsto no artigo 11 da LIA, é dispensável a comprovação desses elementos.
A infração capitulada no artigo 11 da Lei n. 8.429/92 é um tipo subsidiário, em face de sua natureza residual, somente aplicável, quando as condutas não se amoldarem nos tipos previstos nos artigos 9º. e 10. Em linhas gerais, a configuração do ato de improbidade por violação a princípios da Administração Pública exige o preenchimento dos seguintes requisitos: 1) conduta dolosa do agente; 2) conduta que não gere enriquecimento ilícito ou lesão ao patrimônio público; 3) atentado imediato contra determinados princípios da Administração Pública, prestigiados quer no artigo 11 ou no artigo 10 da Lei n. 8.429/92 (como é o caso da violação ao princípio da licitação ao norte assinalado) e 4) relação de causalidade entre o exercício funcional e a desobediência aos princípios[2].
Diante do quadro probatório existente nos autos, constata-se a violação direta a princípios consagrados pela Administração Pública como o da legalidade, da moralidade e da impessoalidade.
Por fim, assinalo que para ofensa ao artigo 11 da Lei 8.429/92 basta a demonstração do dolo genérico. Ressalte-se que nessa linha de entendimento é a orientação adotada pela Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça a partir do julgamento do Recurso Especial 765.212/AC, Relator Ministro Herman Benjamin (No mesmo sentido, cito: REsp 1.182.968-RJ, Relatora Ministra Eliana Calmon). Entretanto, nestes autos fica bem evidente que todos os envolvidos tinham a clara noção das irregularidades que perpetravam.
Empresa P & C Projetos
Em relação às imputações envolvendo a empresa P & C Projetos, verifico que apesar dos indícios de improbidade administrativa, por ocasião do recebimento da inicial, nada mais foi aduzido durante a instrução processual, não havendo nos autos sequer os contratos que teriam sido firmados entre a pessoa jurídica em tela e a CDP, tampouco os procedimentos licitatórios que dele resultaram. Também os relatórios da Controladoria Geral da União não chegaram a examinar o contrato administrativo celebrado por essa empresa, não havendo como se imputar eventual responsabilização à míngua de suporte probatório.
- Da individualização
Da infração do artigo 11, caput da Lei 8.429/92
Configurada a prática do ilícito descrito no artigo 11, caput, da Lei 8.429/92, passo a individualizar as sanções aplicáveis ao caso concreto que devem ser adequadas a reprimir/coibir as condutas atentatórias à probidade e moralidade administrativas, na medida do grau de culpabilidade.
Aplico aos réus Ademir Andrade, Marco Antonio Cavaleiro de Macedo, Evandilson Freitas Andrade as seguintes penalidades:
a) suspensão dos direitos políticos por três anos;
b) pagamento de multa civil no valor fixo de R$-20.000,00 (vinte mil reais);
c) proibição de contratar com o Poder Público e receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios pelo prazo de três anos.
Aplico à empresa R & A Construções e Comércio Ltda a seguinte pena:
d) proibição de contratar com o Poder Público e receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios pelo prazo de três anos.
Aplico a Ewerton Pereira de Carvalho Junior e Paulo Raymundo Brigido de Oliveira a seguinte sanção:
e) pagamento de multa civil no valor fixo de R$-20.000,00 (vinte mil reais);
Incabível a imposição de condenação pela reparação de dano moral que reputo não configurado no caso.
III – DISPOSITIVO
Ante o exposto:
1) julgo procedente, em parte, o pedido para condenar Ademir Andrade, Marco Antonio Cavaleiro de Macedo e Evandilson Freitas de Andrade por violação ao artigo 11, caput, nas seguintes sanções previstas no inciso III do artigo 12 da LIA:
a) suspensão dos direitos políticos por três anos;
b)pagamento de multa civil no montante de R$-20.000,00 (vinte mil reais);
c)proibição de contratar com o Poder Público e receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios pelo prazo de três anos.
2) Julgo procedente, em parte, o pedido em relação à empresa R & A Construções e Comercio Ltda, aplicando-lhe a sanção de proibição de contratar com o Poder Público e receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios pelo prazo de três anos.
3) Julgo procedente, em parte, o pedido para condenar Ewerton Pereira de Carvalho Junior e Paulo Raymundo Brigido de Oliveira, nas sanções do artigo 12, inciso III da Lei 8.429/92, aplicando-lhes a penalidade de multa no valor de R$-20.000,00 (vinte mil reais).
4) julgo improcedente a demanda em relação a Erickson Alexandre Rodrigues Barbosa e Heronildes Gomes Moura Junior.
Condeno os demandados Ademir Andrade, Marco Antonio Barros Cavaleiro de Macedo, Evandilson Freitas de Andrade, Paulo Raymundo Brigido de Oliveira, Ewerton Pereira de Carvalho Junior e R & A Construções e Comércio Ltda a arcarem com o pagamento das custas processuais e em honorários advocatícios que fixo individualmente no valor de R$-1.000,00 (um mil reais).
P. R . I
Belém, de dezembro de 2010.
Hind Ghassan Kayath
Juíza Federal da 2ª Vara
[1] JUSTEN FILHO, Marcal. Comentários à lei de licitações e contratos administrativos. 12ª. Ed. SP: Dialética, 2008, p. 282 e 284.
[2] BERTONCINI, Mateus. Ato de improbidade administrativa: 15 anos da Lei n. 8.429/1992. SP: RT, 2007, p. 194-195.
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O CRIME COMPENSA
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