terça-feira, 7 de junho de 2016

JARBAS – Constrangimento diante de Médici

"Os anos de chumbo", o livro que relata
a difícil conversa de Jarbas com Médici.

O prestígio de Jarbas Passarinho não o livrou, é verdade, de um momento de profundo constrangimento, quando pretendeu valer-se do apreço que lhe dedicava o general-presidente Emilio Médici para tentar colocar abaixo um veto do temível SNI, o Serviço nacional de Informação, a Ronaldo Passarinho Pinto de Souza. Sobrinho dileto, a quem Jarbas sempre destinou um amor paternal e a quem teve, sempre, como seu fiel escudeiro, Ronaldo teve sua nomeação para secretário de Governo do ex-governador Fernando Guilhon, no início dos anos 70, vetada pelo SNI, por suspeitas de corrupção e tráfico de influência.
A frustrada interferência de Jarbas Passarinho, junto ao general-presidente Emílio Garrastazu Médici, na fracassada tentativa de colocar abaixo o veto do SNI a Ronaldo Passarinho, foi relatada pelo general Octávio Costa, em depoimento a Maria Celina D’Araujo e Gláucio Ary Dilon Soares, em agosto e setembro de 1992. O depoimento de Costa figura em um dos volumes da trilogia sobre a memória militar, editada pela Relume-Dumará, em 1994, a respeito da ditadura militar, que se estendeu de 1964 a 1985. O volume com o depoimento do general Octávio Costa intitula-se “Os Anos de Chumbo – A memória militar sobre a repressão”. A este se somam dois outros volumes – “Visões do Golpe – A memória militar sobre 1964” e “A Volta aos Quartéis – A memória militar sobre a abertura”.
A respeito desse episódio, envolvendo Jarbas Passarinho, assim relatou o general Octávio Costa:

“Vou dar um testemunho sobre o Passarinho. Meu amigo Jarbas era um homem queridíssimo pelo Médici, que tinha por ele enorme admiração, embora o cargo de ministro da Educação possa tê-lo desgastado um pouco, como também o desgastou a política paraense. Era o homem da revolução no Pará: nada se fazia ali sem ouvi-lo. Foi ele quem indicou o primeiro governador paraense escolhido pelo Médici, o Guilhon. Ao organizar seu governo, o Guilhon escolheu para secretário de Governo o Ronaldo Passarinho, filho da irmã e madrinha do Passarinho, que tinha por ela verdadeira adoração. Como havia controvérsias regionais sobre o Roinaldo, o SNI botou um sinal vermelho em sua escolha. Sabe-se que esses sinais vermelhos eram comuns, e que as motivações que o inspiravam, hoje, poderiam não ter a menor importância.
“Esse veto representou um sério problemas para o ministro. Atingido em seu prestígio pessoal, realmente inegável, resolveu dirigir-se diretamente ao presidente. Foi uma imprudência. O procedimento mais realista seria entrar na sala do Fontoura, expor suas razões. Se não chegasse a uma conclusão favorável teria duas soluções: ‘botar a viola no saco’ ou ‘pedir o seu boné’. No entanto, o ministro preferiu ir diretamente ao Médici, apresentou o caso, argumentou. Enquanto ele falava, Médici cravava aquele olho azul em cima dele. Quando o ministro se convenceu, por aquele olhar, que não tinha sido bem-sucedido em sua iniciativa, tentou recuar. Sabe-se que teria dito algo como: ‘Presidente, sinto que estou importunando o senhor com este assunto, que não deveria ter trazido à sua consideração: vou conversar com o general Fontoura’. E que o Médici, com autoridade e segurança, teria retrucado: ‘Passarinho, você trouxe o problema ao presidente da República. Não posso mais ignorá-lo, o assunto agora é meu. Deixe esse dossiê comigo que vou estudá-lo e chegar a uma conclusão pessoal. Se eu concluir que o SNI não tem razão, o rapaz vai ser liberado para a nomeação: direi ao Fontoura que levante o veto e autorize. Mas se eu chegar à conclusão que há alguma coisa procedente contra o rapaz, dentro dos padrões do SNI, você vai ‘adoecer’ seu sobrinho e ele declinará do convite feito pelo Guilhon’. O rapaz ‘adoeceu’.
“Esse caso exemplifica duas coisas: a visão de chefia de Médici e a importância dada ao SNI, bem como a relatividade do poder de um ministro da Educação àquela época. O presidente prestigiou totalmente o SNI e mostrou que possuía um grande senso de respeito hierárquico, bem como o sentimento de sua autoridade. Ora, ele era um ex-chefe do SNI, e o tinha como uma coisa quase infalível. As estruturas do SNI eram como os ossos do presidente. Essa foi uma pequena questão, imagine-se outras mais sérias.”

Fontoura, mencionado no depoimento de Costa, vem a ser o general Carlos Alberto da Fontoura, chefe do SNI na época do veto a Ronaldo Passarinho. Sobre o general Octávio Costa apresentar como “revolução” o golpe militar de 1º de abril de 1964, trata-se de um viés da idiossincrasia castrense, sem amparo histórico ou sociológico.


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