domingo, 25 de novembro de 2018

MPE – A carta aberta, na íntegra


“Causa-me perplexidade a ânsia pelo poder, o nível de ambição desmedida e a falta de limites éticos desse cidadão”, desabafa o atual procurador-geral de Justiça, Gilberto Valente Martins, em carta aberta na qual rebate a acusação de peculato que lhe é feita por seu antecessor, Marcos Antônio Ferreira das Neves, réu em duas ações penais por falsidade ideológica e prevaricação. A acusação de Neves envolve a esposa de Martins, a arquiteta Ana Rosa Figueiredo Martins, servidora de carreira da Prefeitura Municipal de Belém, o ex-prefeito Duciomar Costa e o ex-vereador Pio Neto.
Abaixo, a transcrição, na íntegra, da carta aberta de Martins, distribuída aos membros do Ministério Público Estadual, anexando as petições iniciais das ações criminais nas quais é réu Neves por falsidade ideológica, por manter-se silente diante de uma declaração falsa de seu assessor e sócio André Ricardo Otoni Vieira, e prevaricação, por valer-se de PMs do Gabinete Militar do Ministério Público para fazer a segurança do posto de gasolina e da casa lotérica das quais é sócio, assim como da sua mulher.

Caro colega,

“Tenho sido procurado por vários meios de comunicação para dar esclarecimentos sobre a 'Notitia Criminis' formulada no MP, contra mim, minha mulher, o ex-prefeito Duciomar Gomes Costa e o ex-vereador Pio Netto.
“Alguns amigos, que também receberam do ex-PGJ o mesmo documento, estão me enviando para tomar conhecimento, estarrecidos com a atitude leviana e irresponsável deste.
“Acredito que tudo não passa de uma vindita concebida pelo ex-PGJ com o propósito de denegrir minha reputação, pessoal e profissional, sobretudo em um momento eleitoral, que, por sua própria natureza, é fértil para o surgimento de assaques inverídicos.
“Entenderia, no limite do suportável, se essas investidas se limitassem a atingir apenas a minha pessoa. Todavia, Marcos Antônio das Neves extrapolou todos os limites possíveis de razoabilidade quando imputou supostas ilicitudes à minha consorte.
“Devo iniciar esclarecendo as razões que me obrigaram a ir viver ‘o sonho dourado de passar uma temporada na Europa à custa dos cofre públicos’. Pelo trabalho que vinha desenvolvendo na Promotoria Militar e no Gaeco, o procurador-geral de Justiça, à época, dr. Geraldo Rocha, após ser informado pelo procurador Adélio Mendes, do risco de morte contra mim e meus familiares, sugeriu meu afastamento do Brasil. Após deliberação do Conselho Superior do MP, por esse motivo, foi autorizado meu afastamento pelo período de dois anos.
“De fato, no dia 1.º de setembro de 2008, iniciou meu afastamento, que perdurou até o dia 15 de junho de 2010, quando, quase quatro meses antes do encerramento dessa licença, reassumi minhas atividades, após retornar com o mestrado devidamente concluído.
“Minha mulher, contudo, não pôde viver o ‘sonho dourado’ conforme afirmado aleivosamente pelo ex-PGJ, pois não lhe foi deferido o afastamento para cursar pós-graduação no exterior. Pelos embaraços enfrentados na administração municipal, na qual possui vínculo de natureza efetiva, por concurso público, no cargo de arquiteta, ela teve de permanecer laborando por mais dois meses até entrar em gozo de férias e licenças-prêmio sucessivas para posterior afastamento sem remuneração, tendo retornado em 3 de fevereiro de 2010, quatro meses antes de mim. Fato esse que refuta qualquer ilação caluniosa de que eu teria usado a minha função à frente do Gaeco para pressionar o então gestor municipal.
“Por fim, manifesto minha vergonha de ver um ex-PGJ cometer essa estupidez jurídica, estendendo supostas ilicitudes à minha pessoa, que teriam sido, alegadamente, perpetradas por minha mulher, ressuscitando uma orientação medieval do Direito. O mais grave não são nem as ilações formuladas maliciosamente, mas sim as inconsistências dos nexos de causalidade das relações apontadas.
“Não sei se por desconhecimento ou por perversidade, o ex-PGJ não buscou todas as provas dos fatos. O que podemos dizer de um membro do MP que não sabe investigar? Que não sabe buscar as provas necessárias para uma imputação tão grave, que enodoa sua própria Instituição? Mais um motivo para termos vergonha e desacreditar nessa imputação maledicente e tão vingativa.
“Causa-me perplexidade a ânsia pelo poder, o nível de ambição desmedida e a falta de limites éticos desse cidadão.
“Tenho como certo que a sanha do ex-PGJ é oriunda de sentimento de vingança de problemas judiciais decorrentes de suas próprias condutas desvinculadas dos regramentos constitucionais e preceitos de probidade, que me obrigaram a manejar duas ações penais. Todavia, os crimes denunciados, um deles apurado pela Polícia Federal quando ele ainda exercia a chefia do MP, foi a mim comunicado pelo Ministério Público Federal e o outro decorrente de apuração realizada pelo CNMP, até ensejando ação de improbidade administrativa.
“Obrigado pelo dever funcional, não transigi quanto às provas dos crimes a mim noticiados como sempre me portei profissionalmente. Entretanto, mesmo sendo essas ações penais de natureza pública, por dever ético, tive a cautela de não lhes dar publicidade, em respeito à imagem de minha Instituição, à dignidade da pessoa do ex-PGJ, aos seus direitos de presunção de inocência e de se defender amplamente, em evitação a qualquer condenação midiática.
“Sinto-me compelido por um dever ético, em respeito aos meus pares e à minha Instituição, de compartilhar, de forma reservada, o conteúdo das duas ações propostas, com base em provas cabais e irrefutáveis de crimes gravíssimos contra a Administração Pública. Todas essas medidas judiciais, em curso há bastante tempo, não foram disponibilizadas por mim à imprensa nem divulgadas aos meus colegas.
“Devo destacar que essa cautela por mim adotada não se assemelha à conduta espetaculosa do ex-PGJ, pois essa é a segunda vez que Marcos Antônio se utiliza de práticas sórdidas de propalar acusações maledicentes. Recordo da representação que ele formulou sobre supostos pagamentos de diárias a membros que participaram dos encontros regionais em Marabá, Santarém e Paragominas, além de outros pagamentos. Fatos esses que não condizem com a realidade, sendo fruto de uma mente vingativa.
“Parafraseando Irineu de Leão, convém registrar ‘que a mentira veste-se de uma falsa verdade, para que pensem, os incautos, ser ela mais verdadeira do que a própria verdade’. Felizmente, à exceção do ex-PGJ, meus demais pares são sensatos e prudentes, para crerem apenas em fatos comprovados, em vez de factoides tendenciosamente caluniosos.

Gilberto Martins

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