Uma questão de calendário. Salvo por um
irremediável divórcio entre o Congresso Nacional e as vozes das ruas, assim
configura-se, hoje, a perspectiva de impeachment, diante das revelações que estarreceram o país, turbinando a indignação popular. Uma indignação que ganhou
as ruas domingo e a ela retornou espontaneamente, turbinada pela mobilização
via redes sociais, depois do anúncio do autogolpe, que inaugurou a presidência compartilhada,
para blindar, em flagrante obstrução a Justiça, um ex-presidente contra o qual
há um pedido de prisão. Os fatos falam por si, tanto quanto o desapreço pelas
instituições democráticas, o torpe desdém às leis, o divórcio da moralidade pública,
emoldurado pelo linguajar chulo, as risadas de deboche e o escárnio que afronta
o decoro. Os malabarismos semânticos, os álibis que ofendem a inteligência, a
sucessão de sofismas, as claques truculentas financiadas com dinheiro público,
nada consegue elidir a realidade que emerge dos fatos. Não temos um governo,
mas uma organização criminosa, que vale-se da democracia para destruí-la, na
esteira de um projeto de poder que inclui como ferramentas a corrupção sistêmica
e a recorrente pilhagem ao erário.
Como nunca antes na sua história, hoje o PT
assemelha-se aqueles aos quais critica nos palanques, mas cujas práticas reproduz
no exercício do poder, com o agravante da desfaçatez e da arrogância, em proporções
que sequer a ditadura militar ousou exibir publicamente. Para além de manter um
ministro flagrado em inocultável obstrução a Justiça, em acintosa
condescendência criminosa, a posse dos novos ministros, o mais ilustre dos
quais sob investigação criminal, foi emblemática da falência do decoro. “Nunca
como antes na história deste país”, para recorrer ao bordão cunhado pelo ghost-writer do parlapatão desbocado,
viu-se uma posse de ministro com claques entoando palavras de ordem, o cinismo
expresso em uma manifestação de proselitismo explícito, digna de palanque de
campanha, justo por quem deveria preservar a dignidade do cargo e a liturgia da
cerimônia. É a liturgia do ódio, justo por parte de quem se diz vítima dele,
embora historicamente valha-se da intolerância para estigmatizar e aviltar quem
ouse se opor ou divergir, reeditando a tática stalinista de confundir
adversários com inimigos e nivelá-los na vala comum.
Não se deve esperar preocupações
republicanas de um governo que valeu-se do estelionato eleitoral para manter-se
no poder, algo publicamente admitido, por ironia, por quem tem conhecimento de
causa. “Nós ganhamos
as eleições com um discurso e, depois das eleições, nós tivemos que mudar o
nosso discurso e fazer aquilo que a gente dizia que não ia fazer. Esse é um
fato, esse é um fato conhecido de 204 milhões de habitantes e é um fato
conhecido da nossa querida presidenta Dilma Rousseff”, admitiu candidamente o ex-presidente Lula, em 29 de outubro de
2015, em reunião do diretório nacional do PT. Sabe-se, de resto, que o PT não
tem por tradição administrar democraticamente o contraditório e respeitar seus
dissidentes, mas pode-se e deve-se exigir que respeite quem com ele não se confunde.
Até porque a eventual vitória eleitoral, tanto mais quando obtida mediante a
balela eleitoreira, não confere a nenhum partido, seja ele qual for, o
certificado de propriedade política do país. Salvo, naturalmente, para as “mentes
autocráticas e arrogantes”, por isso capazes de cultivar uma postura "torpe e indigna", como bem definiu o
ministro Celso de Mello, decano do STF, o Supremo Tribunal Federal, diante das escandalosas incontinências verbais do bebum de Garanhuns.
Seja como for, o recado espontâneo das ruas
é claro: basta de lambanças, o Brasil merece respeito!
Um comentário :
Lulalá e Lulacá!
O Lula das gravações é uma versão diferente de uma matriz parecida: desbocado, sarcástico, arrogante, falso, presunçoso, ególatra, autocrata e uns outros tantos adjetivos em circulação em torno dessas gravações.
O Lula dos telefonemas grampeados pode ser o Lula que ficará na história, não o amável comandante que trata os interlocutores por querido (por mera tática de sedução na maioria das vezes, como de regra nessas pessoas ardilosamente afetivas e intimistas), que fala a linguagem do povo, que se livra das enrascadas, que é obstinado, inteligente o bastante para colocar um banqueiro brasileiro que se internacionalizou num mercado selvagem para arranjar dinheiro e gerar confiança, enquanto ele fazia o que gosta: ajudar o povo e se associar aos riscos, incorporando seus hábitos, imaginando se tornar um igual a eles graças à abertura desbragada dos cofres públicos.
O Lula flagrado ao natural é um embuste, uma figura que se depravou pela mutação dos seus grandes méritos em enormes vícios. É o Luiz Inácio da Silva que ficará, numa frustração de estadista que amargou os anos finais de Richard Milhous Nixon. (Lúcio Flávio)
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