sexta-feira, 18 de março de 2016

DESGOVERNO – Diante da arrogância e da desfaçatez, impeachment soa como uma questão de calendário



Uma questão de calendário. Salvo por um irremediável divórcio entre o Congresso Nacional e as vozes das ruas, assim configura-se, hoje, a perspectiva de impeachment, diante das revelações que estarreceram o país, turbinando a indignação popular. Uma indignação que ganhou as ruas domingo e a ela retornou espontaneamente, turbinada pela mobilização via redes sociais, depois do anúncio do autogolpe, que inaugurou a presidência compartilhada, para blindar, em flagrante obstrução a Justiça, um ex-presidente contra o qual há um pedido de prisão. Os fatos falam por si, tanto quanto o desapreço pelas instituições democráticas, o torpe desdém às leis, o divórcio da moralidade pública, emoldurado pelo linguajar chulo, as risadas de deboche e o escárnio que afronta o decoro. Os malabarismos semânticos, os álibis que ofendem a inteligência, a sucessão de sofismas, as claques truculentas financiadas com dinheiro público, nada consegue elidir a realidade que emerge dos fatos. Não temos um governo, mas uma organização criminosa, que vale-se da democracia para destruí-la, na esteira de um projeto de poder que inclui como ferramentas a corrupção sistêmica e a recorrente pilhagem ao erário.
Como nunca antes na sua história, hoje o PT assemelha-se aqueles aos quais critica nos palanques, mas cujas práticas reproduz no exercício do poder, com o agravante da desfaçatez e da arrogância, em proporções que sequer a ditadura militar ousou exibir publicamente. Para além de manter um ministro flagrado em inocultável obstrução a Justiça, em acintosa condescendência criminosa, a posse dos novos ministros, o mais ilustre dos quais sob investigação criminal, foi emblemática da falência do decoro. “Nunca como antes na história deste país”, para recorrer ao bordão cunhado pelo ghost-writer do parlapatão desbocado, viu-se uma posse de ministro com claques entoando palavras de ordem, o cinismo expresso em uma manifestação de proselitismo explícito, digna de palanque de campanha, justo por quem deveria preservar a dignidade do cargo e a liturgia da cerimônia. É a liturgia do ódio, justo por parte de quem se diz vítima dele, embora historicamente valha-se da intolerância para estigmatizar e aviltar quem ouse se opor ou divergir, reeditando a tática stalinista de confundir adversários com inimigos e nivelá-los na vala comum.
Não se deve esperar preocupações republicanas de um governo que valeu-se do estelionato eleitoral para manter-se no poder, algo publicamente admitido, por ironia, por quem tem conhecimento de causa. “Nós ganhamos as eleições com um discurso e, depois das eleições, nós tivemos que mudar o nosso discurso e fazer aquilo que a gente dizia que não ia fazer. Esse é um fato, esse é um fato conhecido de 204 milhões de habitantes e é um fato conhecido da nossa querida presidenta Dilma Rousseff”, admitiu candidamente o ex-presidente Lula, em 29 de outubro de 2015, em reunião do diretório nacional do PT. Sabe-se, de resto, que o PT não tem por tradição administrar democraticamente o contraditório e respeitar seus dissidentes, mas pode-se e deve-se exigir que respeite quem com ele não se confunde. Até porque a eventual vitória eleitoral, tanto mais quando obtida mediante a balela eleitoreira, não confere a nenhum partido, seja ele qual for, o certificado de propriedade política do país. Salvo, naturalmente, para as “mentes autocráticas e arrogantes”, por isso capazes de cultivar uma postura "torpe e indigna", como bem definiu o ministro Celso de Mello, decano do STF, o Supremo Tribunal Federal, diante das escandalosas incontinências verbais do bebum de Garanhuns.

Seja como for, o recado espontâneo das ruas é claro: basta de lambanças, o Brasil merece respeito!

Um comentário :

Anônimo disse...

Lulalá e Lulacá!
O Lula das gravações é uma versão diferente de uma matriz parecida: desbocado, sarcástico, arrogante, falso, presunçoso, ególatra, autocrata e uns outros tantos adjetivos em circulação em torno dessas gravações.
O Lula dos telefonemas grampeados pode ser o Lula que ficará na história, não o amável comandante que trata os interlocutores por querido (por mera tática de sedução na maioria das vezes, como de regra nessas pessoas ardilosamente afetivas e intimistas), que fala a linguagem do povo, que se livra das enrascadas, que é obstinado, inteligente o bastante para colocar um banqueiro brasileiro que se internacionalizou num mercado selvagem para arranjar dinheiro e gerar confiança, enquanto ele fazia o que gosta: ajudar o povo e se associar aos riscos, incorporando seus hábitos, imaginando se tornar um igual a eles graças à abertura desbragada dos cofres públicos.

O Lula flagrado ao natural é um embuste, uma figura que se depravou pela mutação dos seus grandes méritos em enormes vícios. É o Luiz Inácio da Silva que ficará, numa frustração de estadista que amargou os anos finais de Richard Milhous Nixon. (Lúcio Flávio)