O passado não é o que
passou, mas o que ficou do que passou, dizem. Se assim é, só restam boas
lembranças da passagem por esta vida de Odmar Barata Neto, o Baratinha, exceto
pelo que dele independeu - a cruel e devastadora esclerose múltipla, que
enfrentou bravamente nos últimos 19 anos. O mais velho do meu vasto elenco de
sobrinhos, ao morrer, nesta última quinta-feira, 25, ele nos lega a imagem de
um homem visceralmente bom, às vezes ingênuo em sua bonomia, cuja trajetória
foi pontuada por uma comovente generosidade.
Engenheiro agrônomo,
Baratinha não teve muito tempo para dedicar-se ao seu ofício profissional,
diante das sequelas das doenças contraídas em suas andanças pelo interior, frequentemente
feitas sob condições adversas. Doenças que enfrentou com determinação, mirando
na paixão alimentada pela profissão que escolheu, reagindo sempre com otimismo
quando confrontado com as vicissitudes com as quais se deparava. Vicissitudes que
enfrentou com altivez, poupando-se da comiseração tão ao gosto dos fracos,
categoria na qual decididamente jamais se incluiu. A mesma altivez que exibiu,
enquanto teve um mínimo de domínio sobre si, diante da insidiosa doença que o
levou a ficar, anos a fio, prostrado em uma cama. Enquanto conseguiu andar, mesmo arrastando-se, jamais abdicou de fazer suas refeições na mesa, evitando a presença de outros que não fossem os pais e irmãos, para driblar o constrangimento de alguém mais vê-lo comer com colher, porquanto, excessivamente trêmulo, já não mais conseguia alimentar-se com garfo e faca.
Uma pessoa especial,
bonita por dentro e por fora, Baratinha incorporou quase tudo do que de melhor havia em
duas de suas grandes paixões, os avós paternos, Odmar e Tereza Cristina, o Dô e a Dó,
como a eles se referia desde criança, figuras tão presentes em sua vida quanto
os próprios pais e que a ele dedicaram, enquanto viveram, um amor com início e sem fim. A seu
respeito pode-se dizer que as virtudes a ele atribuídas não derivam da condescendência suscitada pela dor
provocada pela sua morte, mas do legado de uma vida, lenta e gradualmente
interrompida pela doença degenerativa que sobre ele se abateu.
Como apenas 10 anos nos
separavam, acabei por tê-lo não como sobrinho, mas como um irmão mais novo, em
uma atmosfera de carinho e cumplicidade favorecida pelas circunstâncias, embora para ele eu fosse o tio Augusto, em um bem-querer que nem a distância imposta pelas circunstâncias da vida conseguiu minar.
Durante muitos anos seus pais, ele e os irmãos moraram na casa dos meus pais, tão deles
quanto dos demais filhos e netos do doutor Odmar e dona Tereza, em uma
convivência às vezes conflitiva, permeada por ciúmes recônditos, logo
sepultados por um amor represado, quando a fraternal solidariedade se impunha.
Nada tão distinto da maioria das grandes famílias, cuja multiplicidade de
idiossincrasias enseja sentimentos ambivalentes e alimenta conflitos latentes e mágoas insepultas, que só o tempo dilui, ou pelo menos acaba por torná-las menores, secundárias, irrelevantes, a partir da maturidade ou da própria relação custo x benefício.
Por temperamento, Baratinha se sobrepunha a
qualquer cizânia. Revelava-se, sempre, aquela pessoa capaz de fazer troça até
da própria adversidade. Como é próprio das pessoas que sabem sorrir bondade,
semear perdão, repartir ternuras e dar espaço às emoções. E que por isso jamais
passam por nossa vida em branco.
Alcançado por um telefone de Nilda Barata,
sua dedicada e incansável irmã, recebi a notícia da morte de Odmar, o nosso
Baratinha, com sentimentos ambivalentes. De alívio, por vê-lo livre de uma
doença cruel, que acaba por determinar a morte em vida. E de pesar, pelo que a
esclerose múltipla o impediu de usufruir e oferecer em uma vida tão prematura e
brutalmente interrompida. Além da saudade irremediável, corolário da finitude da vida.
No silêncio de lágrimas saudosas, resta
como alento a lição do poeta: “(...) mas as coisas findas, muito mais que
lindas, estas ficarão”.
Descanse em paz, Odmar, o querido e amado
Baratinha.
Nenhum comentário :
Postar um comentário