sexta-feira, 1 de abril de 2016

IMPRENSA – O texto de Cláudio Rabin, em tradução livre

Lúcio Flávio Pinto, em entrevista concedida ao jornalista  Cláudio Rabin: "Não
 me importa quem eu vou incomodar. Eu quero saber se é verdade ou não".

AMBIENTALISTAS AMEAÇADOS: MONGABAY SERIES

A resistência do jornalista da Amazônia, apesar de décadas de ameaças e perseguição

31 de março de 2016 / Cláudio Rabin

A cobertura por Lúcio Flávio Pinto do saque da Amazônia brasileira, dos negócios escusos praticados por importantes famílias e a corrupção do governo fez dele um alvo de ameaças de morte, uma surra e dezenas de ações judiciais.

Desde 1987 Lúcio Flávio Pinto vem publicando o publicou o seu próprio jornal bimensal no Estado do Pará, o Jornal Pessoal.
Sua cobertura independente da pilhagem da Amazônia, dos negócios escusos por famílias proeminentes e a corrupção do governo valeu-lhe elogios nacionais e internacionais ao longo dos anos, bem como muitos inimigos proeminentes.
Pinto continuou seu trabalho, apesar de inúmeras ameaças de morte, uma surra e dezenas de processos que o deixaram em circunstâncias precárias.

Em 22 de janeiro de 2005, uma grande manchete na primeira página de O Diário do Pará, o segundo maior jornal do Pará, causou repercussão: "O jornalista Lúcio Flávio Pinto foi espancado e ameaçado pelo diretor-executivo do jornal O Liberal, Ronaldo Maiorana e por seus guarda-costas".
Quatro dias antes, Pinto, jornalista independente que, obstinadamente escreve sobre o saque da Amazônia, os negócios escusos praticados por famílias importantes e autoridades da região, bem como a corrupção do governo, havia publicado uma história sobre as finanças obscuras dentro do grupo de comunicação denominado Organizações Romulo Maiorana, proprietária do jornal O Liberal.
Como era de se esperar, O Liberal, a publicação mais lida na região, nada publicou sobre o espancamento.
Pinto, dono de um pequeno jornal alternativo em Belém, a capital regional do Estado do Pará, no coração da floresta tropical brasileira, com a sua atividade jornalística, e antes mesmo do espancamento, angariou muitos inimigos em sua carreira, os quais tudo tentaram para amordaçá-lo. Ele foi vítima de processos judiciais e de ameaças de morte. Somente a morte poderia, efetivamente, silenciá-lo, mas, em 2005 ele já era largamente conhecido para ser assassinado. À época, Pinto já era considerado - e continua sendo - como o jornalista mais importante no Norte do Brasil.
Foi a primeira vez que ele foi agredido fisicamente, mas não a primeira em que o seu trabalho como jornalista lhe trouxe problemas com a poderosa família Maiorana. E não seria a última.
Entre 1992 e 2005, Pinto foi vítima de 33 ações judiciais. Quinze delas eram da família Maiorana, as outras, de empresários, juízes e políticos. Várias, alegando dano moral, outras, dano material, e uma ação criminal. Mesmo assim, ele continuou a escrever sobre o desmatamento, os ladrões de terras, o tráfico de drogas e a corrupção. Pinto disse a Mongabay, em uma das seis conversas telefônicas recentes, que o objetivo do plano era silenciá-lo, tornando sua vida difícil e forçando-o a passar todo o seu tempo se defendendo.
Mas a tática saiu pela culatra. Ele ganhou a maioria das ações, muitas vezes, escrevendo a sua própria defesa, ocasiões em que o advogado simplesmente assinou as peças judiciais. E, embora o espancamento o tenha deixado com hematomas no rosto, nas costas e na região próximo de seu fígado e rins, em última análise, o fato representou uma mudança de direção decisiva da situação. O caso atraiu muita atenção nacional e internacional pressionando seus acusadores. Desde então, ele não foi mais processado.
"Eles não podiam provar que eu estava errado. Agora, eles mudaram a estratégia e estão tentando me ignorar", disse Pinto.
No entanto, quatro dos processos ainda estão em curso no ritmo muito lento da Justiça brasileira - um de um juiz e os outros três da família Maiorana. Se ele viesse a perder todas elas, Pinto teria que pagar quase US$ 350.000 em multas, uma soma que ele não tem.
"Eu posso ser surpreendido por uma decisão judicial qualquer momento. Elas seriam letais para o meu trabalho", disse Pinto.

"Jornal Pessoal"

Desde 1987, Pinto vem publicando o seu próprio jornal bimensal chamado Jornal Pessoal. É uma publicação pequena, considerada como destemida, e que vende cerca de 2.000 cópias, perturbando, regularmente, a elite local, em Belém. Pinto pode ser considerado como um profissional do mesmo jornalismo independente e investigativo praticado pelo lendário norte-americano I.F. Stone.
"Eu nunca pensei que iria durar tanto tempo. No início, eu planejei escrever o Jornal Pessoal durante três anos, não mais do que isso. Agora, depois de 29 anos, estou arruinado, quebrado. A publicação me manteve longe dos meus projetos de longo prazo, mas eu continuei a fazê-lo", disse Pinto. "A única maneira de me parar é me matar."
O motivo que o mantém publicando a jornal é o mesmo que o fez começar, ele disse: para publicar o que ninguém mais quer.
Quando ele começou o Jornal Pessoal, ele já era um jornalista realizado. Ganhou um Prêmio Esso em 1985, o equivalente brasileiro ao Pulitzer, e recebeu uma menção honrosa anteriormente. Foi comentarista de TV local e trabalhou para quase todas as principais publicações nacionais do Brasil. Mas, naquelas atividades, ele descobriu que não poderia ser completamente independente. E isso era o que ele precisava ser em um lugar dominado por dois grupos de mídia familiares com fortes relações pessoais governamentais.
Em 1987, Pinto investigou o assassinato do advogado Paulo Fonteles por dois homens armados. Fonteles era um ex-deputado estadual que defendeu posseiros (pequenos agricultores) de grileiros (ladrões de terras). Após três meses de investigações, Pinto tentou publicar em O Liberal, mas a história levantou suspeitas de que algumas famílias da elite poderiam estar envolvidas no assassinato e o jornal se recusou a publicar a história.
Sem qualquer lugar para publicar sua história, Pinto decidiu criar a sua própria mídia. Ironicamente, a primeira edição do Jornal Pessoal foi impressa em máquina de impressão da empresa da família Maiorana, a título de favor.
Na época, Pinto estava em paz com a poderosa família. Por mais de 20 anos, escreveu para O Liberal e cultivou uma relação forte com Romulo Maiorana, o fundador do grupo de mídia da família e pai de Ronaldo, com quem ele mais tarde teria o desentendimento. Era uma relação de mão dupla. Romulo Maiorana deu liberdade jornalística para Pinto em troca da credibilidade e da respeitabilidade que seu nome dava a O Liberal. Tudo isso iria mudar após a morte do magnata da mídia regional, em 1989.
"Quando eu comecei a trabalhar em O Liberal, em 1989, Lúcio já o havia deixado. Após os processos judiciais, o nome dele não era mencionado na redação, mas todo mundo lia o jornal dele escondido”, disse Maria do Socorro Furtado Veloso, professora da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, que escreveu sua tese de doutorado sobre o Jornal Pessoal.

Amazônia: o Vale do Silício Verde

Frequentemente, Pinto cita Euclides da Cunha, um escritor brasileiro do início do século XX, que ficou maravilhado pelo esplendor da Amazônia. Euclides da Cunha descreveu a Amazônia como a página não escrita final do Gênesis que Deus tinha deixado aos homens para escrever.
Mas, na verdade, para Pinto, o que os homens criaram foi um lugar chamado "o Vale do Silício Verde” onde os jornalistas independentes não podem trabalhar sem ser incomodados. Ele gosta de dizer que ele não comprar uma briga; ele só relata os fatos sem levar em conta as consequências. E, no Pará, as consequências podem incluir não só as prisões, mas também ameaças de morte, assassinatos, ou, se você é importante demais para morrer, ações judiciais. De acordo com o Comitê para a Proteção dos Jornalistas (CPJ), seis jornalistas foram assassinados no Brasil no ano passado. Ele foi o terceiro país mais mortal em 2015, atrás Síria e da França.
"Eu perdi a conta de quantas ações judiciais já tive", disse ao Mongabay, Augusto Barata, um blogueiro político baseado em Belém.  "Eles institucionalizaram a censura judicial."
Barata considera-se um alvo fácil, porque ele trabalha sozinho e não tem conexões políticas. "Por decisão judicial, eu estou proibido de escrever sobre várias pessoas no meu blog", disse ele.
Barata credita a Pinto a quebra do monopólio regional sobre informações anteriormente detido pelos dois grandes empresas de mídia no Pará. "O jornal dele ajuda a democracia a respirar", disse Barata.
Em muitos casos, no entanto, as regras da democracia foram usadas contra Pinto.
Uma vez que os processos tiveram início em 1992, ele perdeu apenas um processo, aberto por um homem que ele acusou de ser o maior ladrão de terras no Brasil e "talvez até mesmo do mundo." Em 2012, depois de doze anos de batalhas judiciais, um juiz o considerou culpado por dano moral ao chamar o empresário Cecílio do Rego Almeida de "pirata da terra" em um artigo de 1999 sobre a reivindicação da posse de uma área de floresta do tamanho da Bélgica, no Vale do Xingu do Pará. O artigo de Pinto disse que a terra pertencia ao Estado e que os documentos que comprovavam a posse por Almeida teriam sido fabricados.
Em 2013 Pinto foi forçado a pagar um acordo judicial de US$ 7.000 para a família do empresário, à época, falecido há cinco anos. Ele não tinha o dinheiro para pagar. O jornal tem uma pequena circulação e não aceita qualquer publicidade, porque ele acha que poderia minar a sua absoluta liberdade editorial. Então, Pinto voltou-se para a internet para obter ajuda.
Em uma onda de solidariedade, vários jornalistas e ex-colegas de redação compartilharam o manifesto de Pinto. Ele levantou dinheiro suficiente para cobrir a condenação e teve que pedir às pessoas para pararem as doações. Mais tarde, em um outro processo, a Justiça brasileira decidiu contra as reivindicações de terras por Almeida, provando a tese de Pinto.
Manuel Dutra, professor de jornalismo na Universidade Federal do Pará, em Belém e um ex-colega de Pinto, disse ao Mongabay: “Ele poderia ser um homem rico hoje. Em vez disso, optou por não fazer qualquer tipo de concessão".
A decisão custou caro. Ele está agora com 66 anos e longe de aposentadoria por ter parado de pagar a previdência social há mais de uma década (o que algumas pessoas e pequenos empresários podem optar por não fazê-lo no Brasil). Ele não faz mais do de US$ 300 por mês a partir de seu jornal e, raramente, cobra por palestras. Ele disse que faz a limpeza em sua casa e deu o seu carro para o seu irmão.
Sua condição humilde não é o que se poderia esperar para um homem reconhecido internacionalmente por seu trabalho. Além do Prêmio Esso, ele ganhou o Colombe d'Oro per la Pace da ONG italiana Archivio Disarmo em 1997 e o Prêmio Internacional da Liberdade de Imprensa do Comitê para a Proteção dos Jornalistas (CPJ), em 2005. Em 2014, a ONG francesa Repórteres Sem Fronteiras o chamou de um "herói da informação".
Mas não foi possível Pinto receber o prêmio CPJ nos Estados Unidos. "Também ausente da cerimônia de premiação de hoje à noite estará Lucio Flavio Pinto, 56, um editor de jornal na região amazônica do Brasil. Ele não está na prisão, mas os empresários corruptos e as autoridades governamentais locais sobre as quais ele escreve entraram com tantas ações judiciais de assédio contra ele que ele não ousa deixar sua casa: O não comparecimento dele a uma única audiência no tribunal daria às autoridades uma desculpa para colocá-lo na cadeia", afirmou na época um editorial do Washington Post intitulado "Jornalistas Ameaçados".
Mesmo assim, as honras trouxeram-lhe o benefício de protegê-lo contra os piores destinos dos jornalistas brasileiros. "Todos os prêmios nacionais e internacionais ajudaram a criar um escudo simbólico em torno dele e torná-lo mais seguro. Qualquer crime contra ele teria uma repercussão forte", disse Dutra.

Amazônia ignorada

Na opinião de Pinto, grande parte da mídia brasileira ignora a Amazônia. Durante muito tempo, a mídia só cobriu o exótico, como, por exemplo, a morte de um homem por um animal selvagem. Ainda hoje, os laços entre a economia nacional e a floresta não são reportados.
"Há 50 km daqui de Belém, existe uma fábrica de alumínio, que é o maior consumidor individual de energia do Brasil", disse Pinto. "Ninguém fala sobre isso."
Diplomado como sociólogo pela USP - Universidade de São Paulo, ele vê a região através de uma espécie de lente marxista. Ele argumenta que o Brasil tem uma relação colonial com a Amazônia apontando para a pecuária como um exemplo. Tradicionalmente, a pecuária é usada no Brasil para ocupar novos territórios. É também uma forma barata de ganhar dinheiro, porque os custos são muito baixos, e não exige muitos empregados. Os fazendeiros desmatam a floresta para colocar o gado e inserem a terra na economia nacional. Essa atividade não traz desenvolvimento regional, o dinheiro não fica no Pará porque a maioria dos produtores é de fora.
Da mesma forma, como muitos observadores têm apontado, os grandes investimentos em barragens, exploração mineral e outras indústrias extrativistas na Amazônia, em grande parte, foram feitos para atender a demanda internacional brasileiro ou do sudeste. Nunca a demanda local.
"O século XXI começou em 1973, não em 2001", disse Pinto, referindo-se à crise energética global. "Tudo começou com a escassez de energia, com a consciência de que ela é cara e escassa - e a Amazônia possui a maior reserva mundial de energia."
Essa visão de mundo leva, por vezes, Pinto a um entendimento não convencional de eventos. Por exemplo, ele vê o problema principal com Belo Monte, a terceira maior represa hidrelétrica do mundo, no rio Xingu, como sendo econômico, e não ecológico. "Os ambientalistas romperam comigo por isso, mas é verdade", disse ele.
Em 2001, durante a fase de planejamento da barragem controversa, após várias disputas por motivos ecológicos, foi diminuído o tamanho do reservatório de água de Belo Monte. Isso fez com que o reservatório ficasse pequeno demais para produzir energia suficiente para suportar o tamanho e o custo da barragem. Todo o projeto tornou-se economicamente inviável, de acordo com Pinto, e Belo Monte vai agora exigir subsídios do governo ou terá que construir um outro lago mais acima do rio. Em última análise, Pinto acredita que o erro econômico vai levar a mais danos ambientais, e seu relato provou que Belo Monte é simplesmente um projeto ruim.
"O argumento econômico não atrai ONGs ou muita simpatia, mas as diretrizes editoriais do Jornal Pessoal são os fatos. Não me importa quem eu vou incomodar. Eu quero saber se é verdade ou não", disse ele.
Isso é o que ele tem feito toda a sua carreira, mas, depois de 29 anos, o jornalista admite que está cansado.
"Eu gostaria que o Jornal Pessoal tivesse se tornado desnecessário. Quando você chega aos 66 anos, você começa a vislumbrar que você não terá mais tempo para fazer", disse Pinto. "Eu estou fazendo isso porque a dinâmica da floresta é rápida e, diante de tanta omissão, eu sou forçado a escrever.”


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