As
suspeitas que tisnam a credibilidade da partilha dos recursos destinados à
cultura, e inclusive ensejam a grave denúncia
de corrupção
na concessão de patrocínio, via Lei Semear, sinalizam um retrocesso em uma das
mais importantes conquistas da classe artística, em geral, e teatral, em
particular, data do final dos anos 70 do século passado. Na época, que
corresponde ao epílogo do regime militar instaurado pelo golpe de 1º de abril
de 1964, a Semec, a Secretaria Municipal de Educação, comandada pelo professor Mário Guzzo (foto), instituiu o Parte,
o Programa de Arte, por inspiração de Gileno Muller Chaves, um competente
advogado, que posteriormente se notabilizou como um bem-sucedido marchand, com
a galeria Elf, e foi, certamente, um dos respeitados intelectuais de sua
geração. Foi a primeira vez que a Semec destinou recursos específicos para
estimular as manifestações artísticas, subvencionando montagens teatrais, show
musicais, exposições de artes plásticas e edição de livros, a partir de
critérios previamente definidos em editais públicos.
Culto e intransigentemente probo, com a peculiaridade de ser
obsessivamente perfeccionista e meticuloso, para a implementação do Parte e dos
editais públicos que passaram a regulá-lo, Gileno teve como interlocutor privilegiado
Luiz Octávio Barata. Um dos mais respeitados e refinados intelectuais de sua
geração, e também uma das reconhecidas lideranças da classe teatral, Barata
sempre inspirou, na esteira de um temperamento forte e uma coragem moral algo
camicase, sentimentos que vagueavam da mais profunda admiração e respeito ao
mais visceral ressentimento. A partir daí, sempre com o apoio de Mário Guzzo,
Gileno diversificou seu elenco de interlocutores, mapeando as aspirações dos
diversos segmentos artísticos. Para garantir a lisura da seleção dos projetos,
o Parte contava com os trabalhos - devidamente remunerados - de nomes do porte
do filósofo Benedito Nunes, de prestígio internacional, e do jornalista e escritor
Haroldo Maranhão, reconhecidamente um dos mais importantes nomes da literatura
brasileira contemporânea. Um dos raros grupos que não submeteu-se ao Parte foi
o Experiência, no qual pontificava Geraldo Sales, um diretor teatral que
revelou-se extremamente competente na montagem de espetáculos de forte apelo
comercial e de invariável sucesso de público. Na administração Ajax D’Oliveira
na Prefeitura de Belém, por exemplo, o Experiência recorria diretamente ao
gabinete do prefeito, para obter as subvenções pretendidas.
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