A Elf (de fachada cinza), o legado visível de Gileno Chaves. |
O legado de Gileno Müller Chaves vai além,
muito mais além, da Elf Galeria, inaugurada a 11 de dezembro de 1980, na
travessa 9 de Janeiro, em imóvel ao lado da residência daquele que viria a se
firmar como o mais respeitado marchand do Pará. Posteriormente, a galeria
migrou para a avenida Generalíssimo Deodoro, nº 506, até passar a funcionar, já
em 2009, na avenida Governador José Malcher, na histórica passagem Bolonha, nº
60. O belo casarão que hoje abriga a Elf foi adquirido por Gileno, que nele
passou a manter parte do acervo da galeria, naquela altura já grande demais
para o imóvel localizado na avenida Generalíssimo Deodoro.
Em plena ditadura militar, avalizado pelo
secretário municipal de Educação e Cultura da época, Mário Guzzo – que foi
extremamente ousado naqueles tempos sombrios -, Gileno introduziu o arcabouço
de uma política cultural plural, à margem de paternalismo e do compadrio. Para
tanto, teve a decisiva colaboração de Luiz Octávio Barata, um dos mais
respeitados intelectuais paraenses da sua geração, também prematuramente
falecido aos 63 anos, a 24 de julho de 2006, por coincidência o ano da morte de
Gileno e, como este, igualmente fulminado por um infarto. Polêmico – seja pela
ousadia intelectual, seja pela aguerrida militância política de esquerda e em
defesa das minorias, seja ainda pelo assumido homossexualismo -, Luiz Octávio,
um nome que se confunde com a história recente do teatro paraense, embora
banido dos relatos oficiais, foi um interlocutor privilegiado de Gileno na
definição do que viria a ser o Programa de Arte, o Parte, instituído pela
Semec, a Secretaria Municipal de Educação e Cultura, na administração do
prefeito biônico Ajax D’Oliveira, ungido pelo regime militar, mas pessoalmente
caracterizado pela bonomia.
Com o Parte, além da destinação específica
de recursos para a produção cultural, a Prefeitura de Belém estabelecia regras
definidas, em editais públicos, como parâmetro para a concessão de subvenções.
Teatro, dança, música, artes plásticas, cinema e literatura, dentre outras manifestações
artísticas, passaram a ser financiados pelo poder público municipal, através de
criteriosos julgamentos, banindo o tráfico de influência. Este, é verdade,
persistia no âmbito do gabinete do prefeito, habitual fonte de recursos de privilegiados e que
abastecia, por exemplo, o Experiência, um grupo teatral de caráter mais
comercial, comandado por Geraldo Sales, um diretor teatral de inegável
competência naquilo que se propunha a fazer, que eram espetáculos mais
palatáveis ao gosto do grande público. O Parte fez a vida cultural de Belém
fervilhar, ironicamente com espetáculos declarada ou subliminarmente contestatórios ao status quo, em pleno regime dos generais, inspirando o governo estadual, na
gestão Aloysio Chaves, a adotar o critério de editais públicos para a concessão
de subvenções a espetáculos artísticos. Foi uma conquista
imensurável, diante do menosprezo com o qual, então, o poder público tratava a
cultura. Não por acaso, por exemplo, o secretário estadual de Cultura do
governador Aloysio Chaves, Olavo Lyra Maia, era um ex-representante
farmacêutico, que ganhara reconhecimento social ao casar-se com a filha de um
próspero comerciante, de cujos negócios tornou-se herdeiro, mas que jamais deixou
de ostentar a profundidade intelectual de um livro de auto-ajuda. Figura no
folclore de suas gafes, reveladoras de sua indigência intelectual, ele grafar a
palavra cena com s, em um encontro com lideranças da classe teatral, em episódio do
qual há testemunhas vivas.
Lyra Maia, diga-se, foi mantido na
Secretaria de Cultura no segundo governo do coronel Alacid Nunes, que retornou em
1979 pelo voto indireto ao Palácio Lauro Sodré, então sede do governo estadual,
sucedendo Aloysio Chaves, eleito senador. Nada surpreendente, em um governador
que carregava os habituais vícios da formação castrense e via as manifestações
artístico-culturais desdenhosamente, como algo menor, e conferia pouco apreço
à memória histórica. Em sua primeira administração como governador, recorde-se,
Alacid Nunes a pretexto das obras de reforma na escola, simplesmente mandou
destruir os arquivos do CEPC, o Colégio Estadual Paes de Carvalho, um
tradicional estabelecimento de ensino público de Belém, no qual estudaram
personalidades ilustres do Pará. Esse ilustre elenco de ex-alunos inclui
ex-governadores, inclusive o senador Jader Barbalho, o morubixaba do PMDB no
Estado e primeiro governador eleito pelo voto livre e direto, após a ditadura
militar. Uma pequena parte do acervo foi salva pelo professor Clóvis Morais
Rêgo, correligionário de Alacid e que em 1978, como vice-governador, assumiu o
governo do Pará para cumprir um mandato-tempão, diante da desincompatibilização
do governador Aloysio Chaves, para disputar uma cadeira no Senado. Um
intelectual de perfil conservador, até pelo breve mandato Clóvis Morais Rêgo
não teve chance de traduzir, como governante, seu apreço pelas manifestações
culturais.
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