As estrelas, dizem, só brilham no céu.
Talvez por isso, o jornalista Walmir Botelho D’Oliveira, diretor de O Liberal, que prematuramente nos deixou neste
sábado, 4, aos 67 anos, seja um nome de circulação restrita no Pará entre os que militam no jornalismo e
os eventuais inquilinos do poder, na esteira do temperamento tímido e da visão crítica sobre os poderosos da hora, em relação aos quais mantinha um prudente distanciamento. Com
passagem marcante na grande imprensa nacional, quando comandou a redação do Correio Braziliense, na fase áurea do jornal, de Walmir pode-se dizer, sem correr
o risco de incorrer em qualquer exagero, que se inclui dentre os grandes nomes
do jornalismo brasileiro, um reconhecimento público que lhe faltou. Para tanto,
é verdade, ele próprio contribuiu, com sua postura arredia, de ostensivo
menosprezo às pompas e circunstâncias, e pela irreverência que emergia no humor
cáustico, nada seletivo, que não distinguia o status dos eventuais destinatários.
O Walmir às
vezes algo iracundo, impaciente, por vezes arrogante, o que lhe servia de blindagem diante da fogueira de
vaidades das redações e do jogo de pressões e contrapressões, abrigava um profissional apaixonado pelo ofício. Um ofício que exerceu
com colossal competência, mesmo quando administrando circunstâncias adversas e
compelido a contrariar seu mapa de crenças, tal qual ocorreu em O Liberal. Sua exuberante competência profissional, que já antecipara no início da carreira, inclusive como editor de esportes de O Liberal, ele evidenciara ao comandar nos anos 80 do século passado a redação de O Estado do Pará, uma experiência inovadora, pelo grafismo e pela qualidade da equipe, mas que fracassou por problemas de gestão, que dele independiam. Ao principal jornal do grupo
de comunicação da família Maiorana Walmir emprestou seu talento, traduzido na
reforma gráfica que representou um marco na história de O Liberal, embora sem poder para estender as
mudanças desejadas, que confidenciava em conversas com os mais íntimos, à linha
editorial. Com uma generosidade seletiva, com a qual se protegia dos pérfidos,
a alguns ele ensinou o caminho das pedras para uma melhor qualificação
profissional. Isso sem permitir a promiscuidade entre o pessoal e o
profissional. Walmir era capaz de divertir-se ao promover homéricas bebedeiras
reunindo jornalistas, gráficos e boys do jornal, de preferência em algum boteco pé-de-chinelo, sem nem por isso abdicar do rigor profissional no dia-a-dia do jornal. No turbilhão diário da redação, ele ainda encontrou tempo para produzir o projeto do Amazônia Jornal, o tablóide popular dos Maiorana.
É
emblemático das idiossincrasias de Walmir o processo de troca de guarda em O Liberal, quando substituiu Cláudio Sá
Leal, também já falecido e outro nome que tem lugar de destaque na história do
jornalismo paraense. Com Cláudio Sá Leal já fisicamente debilitado por graves
problemas cardíacos, ele foi inicialmente contratado a pretexto de dirigir a Folha do Norte, o jornal de título
histórico, ressuscitado pelos Maiorana em 1990 com a intenção de torpedear a candidatura de
Jader Barbalho ao governo do Pará, tarefa da qual acabou por se encarregar O Liberal, repetindo o que já fizera em 1982. No feroz embate eleitoral travado, os Maiorana
apoiaram o empresário e ex-prefeito de Belém Sahid Xerfan, o candidato derrotado do governador
Hélio Gueiros, eleito por Jader em 1986, mas que rompera com seu patrono
político, com o qual posteriormente se reconciliaria. Na ocasião, Walmir protagonizou
um episódio ilustrativo da pessoa que foi. Quando pretenderam plantar na Folha do Norte um mexerico calunioso, atingindo
a honra de dona Elcione Barbalho, ele se insurgiu rispidamente contra a vil baixaria,
que tratou de abortar, em tom peremptório. “Aqui, não!”, sentenciou, sem ser
contestado. "Família é coisa sagrada", explicou mais tarde.
Em verdade,
a Folha do Norte foi como uma espécie
de rito de passagem, servindo para pavimentar a ida de Walmir para O Liberal, em um processo conduzido por
Romulo Maiorana Júnior, o Rominho, hoje presidente executivo do jornal, com a
nítida preocupação de poupar Cláudio Sá Leal de uma situação de maior
constrangimento, além daquele que naturalmente impõe qualquer troca de comando.
Foi nesse meio tempo que Walmir produziu a primeira reforma gráfica do novo
ciclo de O Liberal, com a qual
Rominho consolidou sua ascensão como sucessor do pai, Romulo Maiorana,
empresário e jornalista que revolucionou a imprensa paraense com a introdução
do offset, sistema que melhorou substancialmente a impressão dos jornais.
Discreto, Walmir produziu o novo projeto gráfico sem alarde, nas precárias
instalações da Folha do Norte, em um
casarão contíguo ao imponente prédio de O
Liberal, na esquina da rua Gaspar Viana com a travessa 1º de Março, que no passado abrigou o jornal que fora de Paulo Maranhão, outro
nome que figura no panteão dos grandes jornalistas brasileiros. Ao assumir O Liberal, ele se notabilizou pela elegância em relação a Cláudio
Sá Leal, a quem substituiu no comando do jornal, sem jamais ceder à tentação de alguma crise de autoridade, apesar das resistências pontuais, que administrou com uma paciência no limite da resignação, até sepultá-las, e das tentativas de intrigas, próprias daqueles que prosperam na cizânia. O que se
seguiu é do domínio público e não minimiza os méritos de Walmir como o
profissional de competência, probidade e experiência inquestionáveis. O homem,
afinal, é ele e suas circunstâncias. Por isso, a lembrança que perdura,
indelével, em se tratando de Walmir, é do jornalista de texto impecável, do
tituleiro com um excepcional poder de síntese e do editor de apurado senso estético,
traduzido no grafismo cuja beleza valorizava a notícia.
Neste
momento, no silêncio da lágrima saudosa, resta o doloroso adeus ao mestre, que
tão cedo nos deixou, na esteira de problemas cardíacos, agravados por um quadro
de diabetes, privando-nos da sua prazerosa companhia e do seu invejável talento, o que nos remete
aos versos de Mário Quintana:
“Esta vida é
uma estranha hospedaria,
“Onde se
parte quase sempre às tontas.
“E nossas
malas jamais estão prontas,
“E nossa
conta nunca está em dia.”
VELÓRIO E SEPULTAMENTO - O corpo do jornalista Walmir Botelho D'Oliveira está sendo velado na capela mortuária Recanto da Saudade, na rua Diogo Móia, quase esquina da avenida Alcindo Cacela. O sepultamento está previsto para as 15 horas deste domingo, 5, no cemitério Recanto da Saudade.
4 comentários :
Meu amigo Barata,
A abordagem que você fez sobre o Walmir foi impecável.
Quase nada resta a acrescentar.
Feliz de quem conviveu com ele.
Tive esse privilégio, tanto na redação de O Liberal quando nas rodadas de cerveja, onde ele também respirava jornalismo e ensinava o caminho das pedras, que poucos conhecem.
Sua ausência será sentida.
Sempre.
Fomos colegas no tradicional Colégio Estadual Paes de Carvalho(1966...) onde Walmir já se destacava pela inteligência,educação refinada, cultura geral , uma redação irretocável , simplicidade franciscana, sem subserviência. Lamento que só hoje, dia 06, agora pela manhã tenha tomado conhecimento do falecimento do caro Walmir. Resta-nos resignação, rogando ao bom Deus que tenha dispensado a ele, na sua chegada em seu Reino,o tratamento digno de um ser humano na mais ampla acepção do termo. E nós, seus "velhos" companheiros do
Paes de Carvalho e da Tribuna Estudantil, onde pontificava também o ABC - Antônio Batista Campos, ergueremos preces ao Supremo Senhor dos Mundos, rogando resignação aos familiares do agora saudoso Walmir. Descansa em paz, meu caro "companheiro" e nos aguarda que um dia nos reencontraremos e quem sabe reeditaremos a Tribuna Estudantil tão disputada na década de "chumbo"!!!
Caro Tito :
Seu comentário, lamentavelmente informando o falecimento do Walmir Botelho D'Oliveira,
fique certo, comoveu a todos, notadamente aqueles que privaram, ainda na juventude, da amizade dele. Vc, diga-se de passagem , é um outra inteligência privilegiada.Um abraço fraterno!!!
Caro Augusto,
O Grupo Cena Aberta fez reunião de pauta para discutir a nova montagem, sugerida por Luis Otávio, e o nome era Zumbi. Queria uma completa e moderna produção. Afonso Klautau foi chamado para a direção,Cleodon Gondim, para o velho Zumbi e Henrique da Paz, o jovem Zumbi. Na direção musical, Veveco. Eu fazia parte do grupo, como aprendiz de iluminação ficando com a divulgação e feitura das artes(cartazes,ingressos,folderes e texto encadernados para cada ator). Antonio Natsuo foi convidado e fez a arte principal. Walmir a arte final que se transformou no mais belo cartaz de peça teatral montada naqueles dias.
Saudades de Walmir. Ele bebia conosco numa mercearia em Canudos, do velho Julio. E quando ele estava lá, todos bebiam. Riam muito, jogavam sinuca e comiam tira gosto de mortadela.
Abraços,
Agenor Garcia.
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