Um homem bom, visceralmente bom. Mas também essencialmente digno e intransigentemente probo, predicados que fizeram dele paradigma de ser humano da melhor qualidade.
Para além dos seus reconhecidos méritos profissionais, assim pode ser descrito, resumidamente, o médico Renato Jorge Leite, morto a 30 de julho último, aos 63 anos, fulminado por um enfarto, corolário de um quadro grave, gravíssimo. Um quadro cujo doloroso e previsível desfecho foi protelado não só pela perícia da equipe médica que assistiu Renato, mas também, e sobretudo, pela comovente dedicação de Cláudia, da qual se pode dizer que foi não apenas sua mulher, mas principalmente dedicada companheira, com a qual ele viveu o mais pleno dos amores - o amor da maturidade. Um cenário diante do qual ele sempre desdenhou, com a irreverência própria de quem, a despeito das vicissitudes impostas por uma saúde fragilizada, sempre soube saborear as delícias da vida, usufruindo aquilo que de gostoso esta pode oferecer, incluindo as extravagâncias gastronômicas. Ao lado disso, Renato também exibia outra peculiaridade, o prazer da leitura, herança de uma formação humanística, da qual foi compelido a abdicar, nos seus últimos dias, devido aos problemas de visão, em consequência do diabetes.
Nada mais ilustrativo sobre quem foi Renato, como homem e como médico, que seu velório e missa de sétimo dia. Em ambas as circunstâncias, aos seus familiares e parentes somou-se um vasto leque de amigos, seus e dos Jucá, a família de Cláudia. Além de muitas das suas humildes pacientes, às quais dedicou-se com a generosidade própria de quem faz da profissão um sacerdócio, recusando-se, por isso, a mercantilizar a medicina. Em tempos de médicos que são principalmente empresários da saúde, visualizando cifrões em detrimento do respeito às conveniências dos pacientes, Renato foi, por assim dizer, uma avis rara, dessas que dignificam o exercício da medicina.
Jamais fui íntimo de Renato, mas acabei por acompanhar sua saga, como vítima de diabetes, na esteira da amizade que ata-me a jornalista e publicitária Ieda Jucá e, por extensão, aos seus. Uma amizade, diga-se, da qual muito me orgulho, por ver reproduzida, em cada um dos seus herdeiros, a lição de dignidade, pessoal e profissional, oferecida em vida pelo saudoso “seu” Cláudio Jucá, também marido, pai, avô e bisavô amoroso. Um legado preservado por dona Benita, viúva de “seu” Cláudio, e que se reproduz nas filhas, netos e bisnetos do casal. Sobre Ieda Jucá, em particular, sem nenhuma concessão de ordem afetiva, tenho a dizer que se trata daquelas pessoas das quais se pode até discordar, nunca, porém, duvidar de sua honestidade e lealdade. Em tempos de mensalão e mensaleiros, a virtude da probidade pode até soar anacrônica, mas é ela que impede o naufrágio das nossas esperanças em construir uma sociedade mais justa, na perspectiva de que elites e massas são duas realidades concomitantes, mas que só se justificam como elites abertas e massas minimamente conscientes.
Em verdade, preservadas as respectivas idiossincrasias, Renato e Cláudia protagonizaram não um simples casamento, mas uma simbiose de virtudes raras nos dias atuais, nos quais o ter se sobrepõe ao ser. De tal forma que sempre soou inimaginável vê-los um sem o outro. Com cada um no seu papel, Cláudia sempre foi o porto seguro de Renato e vice-versa. Um sempre ajudou ao outro a exercer na prática, que é efetivamente o critério da verdade, a virtude da generosidade. Isso certamente explica o porquê da relevância afetiva que ganharam para as duas gerações de sobrinhos, por eles tratados com amor e dedicação, em lugar dos filhos que o imponderável da vida lhes negou.
Se pessoas especiais não morrem, mas apenas se encantam, como quer a máxima célebre, este terá sido o destino final de Renato. Mesmo porque viver, para os que ficam, não é morrer. E a lembrança de Renato será perene para quem teve o privilégio de conhecê-lo. Inclusive pela coragem moral de quem jamais se poupou da vida, apesar da espreita da morte.
Por isso, mais que os votos para que descanse em paz, cabe, no caso de Renato, um justo agradecimento, com o poder de permanência e convicção da palavra escrita, a quem deixou um legado de generosidade:
Obrigado, Renato. Mas muito obrigado, mesmo.
7 comentários :
Tive o prazer de trabalhar com essa pessoa maravilhosa que foi o Dr. Renato. Com certeza, deixa seus pacientes, familiares, amigos e colegas de trabalho com muita saudade e cheios de boas lembranças. Um exemplo a ser seguido! Que Deus conforte sua família.
Não tem mais nem o que comentar sobre o Renato depois de tudo o que disseste.
Conseguiste traduzir a pessoa maravilhosa que ele foi neste mundo.
Espero que onde ele estiver esteja feliz.
Ilustrissimo senhor Augusto Barata,li sua brilhante cronica a respeito de meu amado irmão Renato Jorge Leite, fiquei de veras imprecionada com tudo que o Senhor falou "Dele". Parece mas que o senhor o conhecia pois realmente o Renato foi essa pessoa digna e maravilhosa como medico e ser humano exatamente como você o descreveu...Nem quero me posicionar aqui como irmã mas apenas como uma de suas pacientes daquelas que a sociedade despreza e põe de lado e que as deixa a mercê de pessoas sem profissionalismo e principalmente sem amor fraternal. Meu irmão sentia tudo isso e muito mais pelos nescessitados eu pude vivenciar toda sua trajetória de vida, sua carreira como medico, esposo, pai, avõ, tio, irmão.A Claudia foi e sempre será uma MULHER guerreira, altruista e abnegada por isso eles deram tão certo e se amaram tanto. MUITO OBRIGADA PELA ESSÊNCIA DE SUAS PALAVRAS MEU CARO JORNALISTA AUGUSTO BARATA por tão bem descrever meu IRMÃO e minha CUNHADA
Ass: Celma Leite.
Ilustrissimo senhor Augusto Barata,li sua brilhante cronica a respeito de meu amado irmão Renato Jorge Leite, fiquei de veras imprecionada com tudo que o Senhor falou "Dele". Parece mas que o senhor o conhecia pois realmente o Renato foi essa pessoa digna e maravilhosa como medico e ser humano exatamente como você o descreveu...Nem quero me posicionar aqui como sua irmã mas como pessoa que vivênciou toda sua trajetória de vida sempre ao lado dos mais carentes ele se realisava como o grande medico que foi. A CLUDIA sempre será essa mulher batalhadora, altruista, abnegada,carinhosa e especial com todos os seus e demais, por isso eles se deram tão bem e se amaram perdidamente...Muito obrigada Sr. jornalista Augusto Bartata pela essência de suas palavras em nome das familias Jorge Leite e Jucá.
Ass: Celma Leite
vi no velrio uma senhora, muito idosa de aparencia bem humilde e de muletas, com muita dificuldade mesmo e amaparada por uma outra pessoa, se fez presente para homenagear o dr Ricardo. Quando alguem, com imensa dificuldade de locomoção nao faz disso impedimento para ser solidaria nesse momento, é sinal de que o homenageado valeu todo o sacrificio daquela senhora, por algo valoroso que ele deve ter feito por ela.Não há nada que substitua como agradecimento, um gesto desse tão respeitoso.
Esta senhora que vc viu eu tb vi, ela era enfermeira auxiliar do DR. Renato e tinha um imenso carinho por ele e ele por ela, ja trabalhavam ha muitos anos juntos e tinham um perfil identicos cuidavam de pessoas extremamente carentes mas nada tirava o bom humor deles gostavam de brincar, contar, piadas e soltar altissimas gargalahadas eram muito divertidos...muito amigos, mas que amigos tinham amor a profissão e só quem age assim gosta realmente doque faz, ela e ele juntos adoravam cuidar de saude...
para um homem bom, nada melhor que o futuro para mostrar a todos, que apesar de tudo vale a pena viver, mesmo que brevemente.
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