segunda-feira, 31 de julho de 2017

OPINIÃO – Benefício para quem?

CHARLES ALCANTARA *

A Associação Paraense de Supermercados (Aspas) e a Associação de Distribuidores e Atacadistas do Estado do Pará (Adapa) juntaram-se para denunciar que grandes grupos do chamado segmento "atacarejo" estariam sendo agraciados com benefícios fiscais ilegais no Estado do Pará.
Tais benefícios prejudicam a concorrência em desfavor dos comerciantes locais e causam um rombo de R$ 300 milhões por ano na arrecadação do ICMS, alegam os denunciantes.
Ilegal, como sabemos, é tudo aquilo feito contra a - ou à margem da - lei.
É prematuro opinar sobre a consistência da denúncia feita ao Ministério Público do Estado do Pará, mas é seguro afirmar que a sociedade espera e merece apuração rigorosa e transparente.
Há muito eu me posiciono criticamente sobre não apenas a relação custo/benefício da política de renúncia fiscal praticada pelos governos, mas também por duas outras razões: a) porque essa política generalizou-se de tal modo que já não se consegue mais distinguir a linha que separa a regra geral (regime normal de tributação) da exceção; b) porque não existe transparência e muito menos prestação de contas sobre os resultados efetivos dessa política.
Desde os tempos em que presidia o Sindifisco-PA, questiono essa política e cobro o mínimo que se pode exigir do poder público: transparência.
No dia 1º de dezembro do ano passado, em meu pronunciamento de posse na presidência da Fenafisco (Federação Nacional do Fisco Estadual e Distrital), em Belém, não deixei de, mais uma vez, abordar criticamente as renúncias fiscais.
Naquela oportunidade, ao discorrer sobre a razão de ser do tributo, disse: "Hoje, o tributo não pode mais ser concebido se não para promover a dignidade humana, para servir à coletividade no sentido mais pleno do termo, para remover iniquidades e assimetrias sociais e regionais, para promover o progresso e a justiça social para todos."
Mais adiante, quando me referia às renúncias fiscais, denunciei: "O tributo não chega pelas próprias mãos do Estado, que pratica uma renúncia tributária absolutamente desproporcional, para não dizer irresponsável, em face da dramática realidade social brasileira. A renúncia fiscal de nenhum ente federativo resiste a uma avaliação isenta sobre a relação custo/benefício."
A cada dia fica mais evidente que a guerra fiscal tem servido de pretexto para justificar a irresponsabilidade e a falta de transparência.
A cada dia fica mais evidente o quão penoso é o custo social dessa política, que beneficia ainda mais os de cima e penaliza ainda mais os de baixo.
Admito que possa existir incentivos fiscais justificáveis e criteriosos.
Suspeito, todavia, que em meio a um pequeno punhado de incentivos defensáveis do ponto de vista econômico, existe muita coisa ruim, injustificável, inaceitável e prejudicial ao interesse público.
Somente a abertura dessa "caixa-preta" pode confirmar ou negar as minhas suspeitas.
Não me parece admissível que um órgão fazendário se permita conceder qualquer espécie de renúncia fiscal ao arrepio dos princípios da legalidade e da publicidade.
Se não estou enganado, a concessão de qualquer tratamento tributário que implique em dispensa total ou parcial de pagamento de tributo, é matéria de reserva legal, ainda que a Lei seja de questionável constitucionalidade.
Nem me refiro, portanto, à pisoteada LC 24/75, que fixou regras para a concessão de benefícios fiscais.
Ainda que por intermédio de leis passíveis de arguição e declaração de inconstitucionalidade, o fato é que não se pode conceber que um Ente tributante disponha sobre - e pratique - política de renúncia tributária, sem base em lei específica. Afinal, é de um bem público indisponível - o tributo - que estamos a tratar.
Nesse sentido, não cabe ao Administrador Público - mesmo o Administrador Tributário - exercer poder discricionário sobre essa matéria, à revelia do Poder Legislativo.
Não basta que determinado tratamento tributário esteja previsto no Regulamento do Imposto objeto da renúncia, porque Regulamento não é Lei, ainda que integre o plexo normativo compreendido na chamada "legislação".
Regulamento não pode contrariar a Lei, tampouco substituir a Lei naquilo que está reservado à Lei.
Renúncia fiscal é matéria de reserva legal. Ou estou enganado?
No Estado do Pará, avulta a utilização de um mecanismo recente denominado Regime Tributário Diferenciado (RTD).
Conheço pouco ou quase nada a respeito dessa nova espécie de tratamento tributário que mereceu inclusão no Regulamento do ICMS do Estado.
A princípio, preocupa saber que a Secretaria da Fazenda do Pará não publica os atos concessivos de RTD.
Pergunto: a Secretaria da Fazenda considera o RTD um ato administrativo protegido pelo sigilo fiscal?
Acabo de protocolar um Requerimento junto à Secretaria da Fazenda do Pará, com base na Lei n° 12.527/2011 (Lei de Acesso à Informação), por meio do qual requeiro ao secretário da Fazenda as seguintes informações acerca da natureza e repercussão do Regime Tributário Diferenciado (RTD) concedidos no Estado do Pará:

1.   Dentre as modalidades de Regime Tributário Diferenciado (RTD), existe uma ou mais que implique em redução, a qualquer título, da carga tributária de ICMS em favor do contribuinte alcançado pelo respectivo RTD?
2.   Sendo "sim" a resposta ao item (1)  anterior, pergunto: a) quais as espécies de redução da carga tributária de ICMS comumente adotadas no bojo dos Regimes Tributários Diferenciados?; b) qual o valor total (em moeda corrente nacional) da renúncia fiscal realizada pela Secretaria da Fazenda do Estado do Pará, no exercício de 2016, exclusivamente decorrente das modalidades de Regimes Tributários Diferenciados que implicaram em redução da carga tributária de ICMS?; c) qual o valor total estimado (em moeda corrente nacional) da renúncia fiscal realizada pela Secretaria da Fazenda do Estado do Pará, para o exercício de 2017, exclusivamente em decorrência das modalidades de Regimes Tributários Diferenciados que impliquem em redução da carga tributária de ICMS?.

Mais do que atuarem de maneira escorreita e estritamente vinculada à lei, os agentes do Fisco não podem renunciar à obrigação legal e moral de defender o tributo e a sociedade que dele depende.
Renunciar a essa obrigação equivale a renunciar à própria dignidade da função pública.


* Auditor fiscal de carreira da Sefa, a Secretaria de Estado da Fazenda do Pará; presidente da Fenafisco, a Federação Nacional do Fisco Estadual e Distrital; e ex-presidente do Sindifisco, o Sindicato dos Servidores do Fisco Estadual do Pará.

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