CHARLES
ALCANTARA *
A Associação Paraense de Supermercados (Aspas) e a Associação
de Distribuidores e Atacadistas do Estado do Pará (Adapa) juntaram-se para
denunciar que grandes grupos do chamado segmento "atacarejo" estariam
sendo agraciados com benefícios fiscais ilegais no Estado do Pará.
Tais benefícios prejudicam a concorrência em desfavor dos
comerciantes locais e causam um rombo de R$ 300 milhões por ano na arrecadação
do ICMS, alegam os denunciantes.
Ilegal, como sabemos, é tudo aquilo feito contra a - ou à
margem da - lei.
É prematuro opinar sobre a consistência da denúncia feita ao
Ministério Público do Estado do Pará, mas é seguro afirmar que a sociedade
espera e merece apuração rigorosa e transparente.
Há muito eu me posiciono criticamente sobre não apenas a
relação custo/benefício da política de renúncia fiscal praticada pelos
governos, mas também por duas outras razões: a) porque essa política
generalizou-se de tal modo que já não se consegue mais distinguir a linha que
separa a regra geral (regime normal de tributação) da exceção; b) porque não
existe transparência e muito menos prestação de contas sobre os resultados
efetivos dessa política.
Desde os tempos em que presidia o Sindifisco-PA, questiono
essa política e cobro o mínimo que se pode exigir do poder público:
transparência.
No dia 1º de dezembro do ano passado, em meu pronunciamento
de posse na presidência da Fenafisco (Federação Nacional do Fisco Estadual e
Distrital), em Belém, não deixei de, mais uma vez, abordar criticamente as
renúncias fiscais.
Naquela oportunidade, ao discorrer sobre a razão de ser do
tributo, disse: "Hoje, o tributo não pode mais ser concebido se não para
promover a dignidade humana, para servir à coletividade no sentido mais pleno
do termo, para remover iniquidades e assimetrias sociais e regionais, para
promover o progresso e a justiça social para todos."
Mais adiante, quando me referia às renúncias fiscais,
denunciei: "O tributo não chega pelas próprias mãos do Estado, que pratica
uma renúncia tributária absolutamente desproporcional, para não dizer
irresponsável, em face da dramática realidade social brasileira. A renúncia
fiscal de nenhum ente federativo resiste a uma avaliação isenta sobre a relação
custo/benefício."
A cada dia fica mais evidente que a guerra fiscal tem servido
de pretexto para justificar a irresponsabilidade e a falta de transparência.
A cada dia fica mais evidente o quão penoso é o custo social
dessa política, que beneficia ainda mais os de cima e penaliza ainda mais os de
baixo.
Admito que possa existir incentivos fiscais justificáveis e
criteriosos.
Suspeito, todavia, que em meio a um pequeno punhado de
incentivos defensáveis do ponto de vista econômico, existe muita coisa ruim,
injustificável, inaceitável e prejudicial ao interesse público.
Somente a abertura dessa "caixa-preta" pode
confirmar ou negar as minhas suspeitas.
Não me parece admissível que um órgão fazendário se permita
conceder qualquer espécie de renúncia fiscal ao arrepio dos princípios da
legalidade e da publicidade.
Se não estou enganado, a concessão de qualquer tratamento
tributário que implique em dispensa total ou parcial de pagamento de tributo, é
matéria de reserva legal, ainda que a Lei seja de questionável
constitucionalidade.
Nem me refiro, portanto, à pisoteada LC 24/75, que fixou
regras para a concessão de benefícios fiscais.
Ainda que por intermédio de leis passíveis de arguição e
declaração de inconstitucionalidade, o fato é que não se pode conceber que um
Ente tributante disponha sobre - e pratique - política de renúncia tributária,
sem base em lei específica. Afinal, é de um bem público indisponível - o
tributo - que estamos a tratar.
Nesse sentido, não cabe ao Administrador Público - mesmo o
Administrador Tributário - exercer poder discricionário sobre essa matéria, à
revelia do Poder Legislativo.
Não basta que determinado tratamento tributário esteja
previsto no Regulamento do Imposto objeto da renúncia, porque Regulamento não é
Lei, ainda que integre o plexo normativo compreendido na chamada
"legislação".
Regulamento não pode contrariar a Lei, tampouco substituir a
Lei naquilo que está reservado à Lei.
Renúncia fiscal é matéria de reserva legal. Ou estou
enganado?
No Estado do Pará, avulta a utilização de um mecanismo
recente denominado Regime Tributário Diferenciado (RTD).
Conheço pouco ou quase nada a respeito dessa nova espécie de
tratamento tributário que mereceu inclusão no Regulamento do ICMS do Estado.
A princípio, preocupa saber que a Secretaria da Fazenda do
Pará não publica os atos concessivos de RTD.
Pergunto: a Secretaria da Fazenda considera o RTD um ato
administrativo protegido pelo sigilo fiscal?
Acabo de protocolar um Requerimento junto à Secretaria da
Fazenda do Pará, com base na Lei n° 12.527/2011 (Lei de Acesso à Informação),
por meio do qual requeiro ao secretário da Fazenda as seguintes informações
acerca da natureza e repercussão do Regime Tributário Diferenciado (RTD)
concedidos no Estado do Pará:
1. Dentre as modalidades de Regime
Tributário Diferenciado (RTD), existe uma ou mais que implique em redução, a
qualquer título, da carga tributária de ICMS em favor do contribuinte alcançado
pelo respectivo RTD?
2. Sendo "sim" a resposta ao item
(1) anterior, pergunto: a)
quais as espécies de redução da carga tributária de ICMS comumente adotadas no
bojo dos Regimes Tributários Diferenciados?; b) qual o valor total (em moeda corrente nacional) da renúncia
fiscal realizada pela Secretaria da Fazenda do Estado do Pará, no exercício de
2016, exclusivamente decorrente das modalidades de Regimes Tributários
Diferenciados que implicaram em redução da carga tributária de ICMS?; c) qual o valor total estimado (em
moeda corrente nacional) da renúncia fiscal realizada pela Secretaria da
Fazenda do Estado do Pará, para o exercício de 2017, exclusivamente em
decorrência das modalidades de Regimes Tributários Diferenciados que impliquem
em redução da carga tributária de ICMS?.
Mais do que atuarem de maneira escorreita e estritamente
vinculada à lei, os agentes do Fisco não podem renunciar à obrigação legal e
moral de defender o tributo e a sociedade que dele depende.
Renunciar a essa obrigação equivale a renunciar à própria
dignidade da função pública.
* Auditor fiscal de
carreira da Sefa, a Secretaria de Estado da Fazenda do Pará; presidente da
Fenafisco, a Federação Nacional do Fisco Estadual e Distrital; e ex-presidente
do Sindifisco, o Sindicato dos Servidores do Fisco Estadual do Pará.
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