segunda-feira, 26 de junho de 2017

CONFLITO DE INTERESSES – A crítica de Charles

Charles Alcantara: questionamento ácido sobre conflito de interesses. 

Abaixo, o texto de Charles Alcantara, presidente da Fenafisco e ex-presidente do Sindifisco, sobre o conflito de interesses protagonizado pelo procurador José Augusto Freire Figueiredo, da PGE, Procuradoria Geral do Estado, como coordenador do Núcleo de Inteligência Fazendária, por exercer simultaneamente a advocacia pública e a privada.

Público x Privado

"Instaurado o conflito entre o interesse público e o privado, é da submissão do primeiro e do triunfo do segundo que brota e floresce a corrupção."

(Charles Alcantara)

Em outubro de 2016, a Procuradoria-Geral do Estado do Pará (PGE) implantou o Núcleo de Inteligência Fazendária, tido pela própria PGE como um instrumento de avanço no combate à fraude fiscal e de maior eficiência na cobrança de tributos estaduais.
Entre os objetivos do núcleo, estão o de encontrar de forma mais ágil os grandes devedores do Estado e o de auxiliar no planejamento das ações da Procuradoria Fiscal.
De acordo com o procurador José Augusto Freire, coordenador do Núcleo, a "função desse novo setor da PGE é integrar o banco de dados dos diversos órgãos estaduais (inclusive empresas públicas, fundações, autarquias, etc) para que, com base em informações mais refinadas e completas, seja possível a identificação de fraudes, combatendo-se com mais veemência os casos de sonegação fiscal e a própria inadimplência”.
Para desempenhar o que lhe cabe, o Núcleo de Inteligência Fazendária terá acesso a informações estratégicas - algumas delas, de caráter sigiloso - sobre o universo de contribuintes em débito com a Fazenda Pública.
O procurador a quem foi confiada a coordenação do núcleo, além de sua atuação como servidor público (PGE), também exerce a advocacia privada.
José Augusto Freire é sócio de um escritório que ostenta o seu nome "Freire Figueiredo S/S Advogados Associados" (http://freirefigueiredo.com.br/index/sobre/id/1).
Com unidades instaladas em diversos municípios do estado do Pará, o escritório capitaneado pelo procurador do Estado - que, ao mesmo tempo coordena o Núcleo de Inteligência Fazendária da PGE e portanto tem acesso a informações estratégicas e privilegiadas dos maiores devedores de tributos estaduais - atua, conforme anúncio em sua página na internet, "...em praticamente todos os ramos do Direito, principalmente naqueles voltados ao cotidiano das empresas", oferecendo uma gama variada de serviços, entre os quais:
"Acompanhamento e atuação na esfera administrativa, principalmente perante os órgãos Trabalhistas, Fazendários, INSS, Ibama, Procon e outros que versem sobre recolhimento de tributos, encargos e direitos ligados ao consumidor, questões ambientais, licitações e demandas administrativas em geral".
A administração pública no Brasil rege-se por princípios estabelecidos na Constituição Federal, sendo um deles o da legalidade. Este, a legalidade, é um dos princípios, mas não o único e nem o mais importante, uma vez que não há hierarquia entre os princípios.
Há outros quatro princípios: impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência.
No Pará, os procuradores do Estado - que exercem a função de advocacia pública - podem, por opção pessoal, atuar concomitantemente na advocacia privada.
A lei lhes dá essa faculdade, razão pela qual os que dela fazem uso estão protegidos pelo manto da legalidade.
De minha parte, sou crítico dessa faculdade legal, por entender que existe uma larga margem de conflito entre o interesse público e o privado, passível de colocar em risco o primeiro em detrimento do segundo.
Defender que um advogado público, pago pela sociedade para defender o interesse publico, possa exercer simultaneamente a advocacia privada, que não raro se choca com o interesse público, mormente na esfera da exação e cobrança tributárias, equivaleria a defender que um auditor fiscal estadual também possa exercer a contabilidade privada, bastando que este se abstenha de prestar serviços a contribuintes do imposto sob a competência do Estado com o qual tem vínculo funcional.
Defendo a revogação dessa faculdade legal aos procuradores do estado do Pará, do mesmo modo que rejeito qualquer possibilidade de um auditor fiscal manter escritório privado de contabilidade.
Não é por acaso que em diversos Estados essa faculdade já foi revogada ao menos para os novos Procuradores ingressos no serviço público.
Não duvido da integridade ética do coordenador do Núcleo de Inteligência Fazendária, cujo escritório de que é sócio também atua na defesa de contribuintes em débito com a Fazenda Pública.
Acontece que a administração pública e o interesse público não podem ficar a mercê exclusivamente da virtude moral dos seus agentes.
É preciso muito mais para salvaguardar a escorreita atuação da administração pública e dos seus agentes.
É preciso regras suficientemente capazes de prevenir abusos e desvios e de fechar potenciais brechas que fragilizem os princípios constitucionais que regem a administração pública.
É preciso regras, vedações, proibições e limites que protejam agentes públicos de si mesmos e de suas tentações.
Considero imprudente e inadequado que ao procurador do estado do Pará seja concedida a faculdade de escolher, ao seu alvedrio e de acordo com os seus interesses pessoais, se exerce ou não cumulativamente a advocacia privada.
Considero ainda mais inadequado e imprudente que a coordenação do Núcleo de Inteligência Fazendária da PGE seja exercida por um procurador que atue no mercado privado.
É o meu juízo.
Aos que não me conhecem suficientemente, informo que estou preparado para a refrega.


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