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Ricardo Boechat: morte trágica, que deixa de luto o jornalismo brasileiro. |
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A capacidade de indignar-se: a denúncia sobre a censura no Pará. |
De que vale a competência sem princípios,
humanidade, generosidade e coragem moral? Nos fazer refletir sobre isso é
certamente um dos principais legados do jornalista Ricardo Boechat, 66, tragicamente morto nesta segunda-feira, 11, em uma notícia impactante, quando
ainda convalescíamos das tragédias de Brumadinho e do Ninho do Urubu, com suas contabilidades macabras. Manter a capacidade de indignar-se diante dos malfeitos
e conservar o vigor do repórter que jamais deixou de ser, fez dele uma
referência a quem tem no jornalismo seu ofício, com a virtude adicional de não deixar
ser manietado pela soberba que seu status profissional poderia ensejar. Boechat
teve passagem marcante, com um estilo próprio, na mídia impressa, na TV e no
rádio, reiventando-se sem prejuízo da qualidade. Ao lado de Zózimo Barroso do
Amaral, de quem era grande amigo, ele revolucionou o colunismo brasileiro, com
doses de perspicácia e ironia. Mas acima de tudo ele foi, como jornalista, um
combatente da liberdade, como bem descrevem seus colegas próximos.
Poucos se recordam, possivelmente, dos
laços que Boechat estabeleceu com o Pará, na esteira dos contatos que passei a
estabelecer com ele, durante um período da minha vida profissional, para
repercutir denúncias sobre as quais mantinha-se silente a grande imprensa do
estado. Sempre afável, nesses contatos – feitos algumas vezes por telefone, mas na maioria das
vezes por e-mail – emergia a generosidade exaltada pelos colegas que privaram
da sua intimidade. Não surpreendem, por isso, as lágrimas confessas de Miriam
Leitão, que tornou pública a solidariedade do colega, que interferiu para que
fosse contratada por “O Globo”, quando viu-se desempregada. Ou o depoimento
emocionado de Ancelmo Gois, a quem coube substitui-lo quando deixou “O Globo”,
sublinhando o estímulo, sincero e vigoroso, recebido de Boechat.
Quando passei a sofrer retaliações, ao transgredir o pacto de silêncio dos poderosos de plantão, na
esteira do surgimento do Blog do Barata, ele não deixou de ser solidário, inclusive
denunciando a censura imposta pelos inquilinos do poder, tiranetes de província despidos de escrúpulos, como é próprio dos covardes. Boechat contemplou-me
com a solidariedade sonegada pela maioria dos colegas de profissão daqui, reféns da covardia moral ou da pusilanimidade dos cúmplices, ressalvadas
as raras exceções, nas quais não se incluiu sequer o Sindicato dos Jornalistas,
do qual já fui diretor, podendo dizer, sem falsa modéstia, que a ele servi sem
dele servir-me.
Uma singularidade ainda ata Boechat ao
Pará. No ano do centenário do Clube do Remo, em 2005, por mim informados a
respeito, ele e Ancelmo Gois noticiaram os 100 anos de fundação do Leão Azul,
que amargava o rebaixamento para a série C, da qual acabou por tornar-se
campeão naquele ano. A conquista foi um mérito que deve ser creditado a Antônio Carlos Teixeira, o Tonhão, então o vice-presidente remista que, com elegante discrição, supriu, na medida da sua
disponibilidade, a inércia do presidente, Rafael Levy, e seu séquito de ineptos
e arrivistas.
Na época, impressionado com a comovente paixão da
torcida azulina, o "Fenômeno Azul", Boechat declarou-se, então, o mais novo torcedor do Clube do
Remo. Remista apaixonado, Tonhão tratou de remeter ao jornalista a camisa
especial dourada que assinalou o centenário do Leão Azul, merecendo, pelo gesto, um
elegante agradecimento do jornalista.
Neste momento de lágrima saudosa, resta o
agradecimento pelo muito que fez e nos legou Ricardo Boechat, como jornalista e
ser humano da melhor qualidade.
Obrigado, muito obrigado, é o mínimo a
dizer neste momento do dor e luto. De resto, é repetir a jornalista Leilane Neubarth, colega e amiga de Boechat: "Que a sua luz nos ilumine."
Um comentário :
É uma pena ver você retornar às atividades para falar do fatídico acidente que vitimou o jornalista Ricardo Boechat. Em todo caso, seja bem-vindo!
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