terça-feira, 10 de dezembro de 2019

AURORA GUIMARÃES – O adeus da mãe coragem


As estrelas, dizem, só brilham no céu. Sorte, porém, teve quem gozou do privilégio de usufruir da luz emanada por Aurora Guimarães, que nos deixou prematuramente nesta segunda-feira, 9, na esteira de graves problemas renais. Uma baiana que fez do Pará sua terra de adoção, ela foi um paradigma de ser humano da melhor qualidade e de mãe exemplar, capaz de substituir a pressa pela serenidade, o impulso pela reflexão, a ambição pela generosidade. Para além da comovente dedicação ao magistério, capaz de fazê-la lançar mão do próprio dinheiro para suprir as carências dos alunos, Aurora, com a discrição que lhe era própria, dedicou-se incondicionalmente, e com leveza, ao papel que certamente mais amou exercer – o de mãe.
Aqui não se trata, diga-se logo, da condescendência para com os mortos, dos quais só se fala para dizer o bem, como recomenda a máxima latina. Trata-se de um registro sobre os predicados de quem foi capaz de semear o bem na prática, que é efetivamente o critério da verdade. Não surpreende, por isso, o legado de dignidade do qual são beneficiárias as filhas, Tarsila e Tâmara, que reproduzem as virtudes de caráter da mãe, inclusive na lealdade aos amigos. Lealdade que em Aurora não excluia a franqueza que só os amigos verdadeiramente sinceros cultivam quando falam não o que gostaríamos de ouvir, mas o que precisamos ouvir.
Sem dela ser íntimo, tive a oportunidade de conhecer menos superficialmente Aurora. Fui beneficiário circunstancial da elegância nata, sem afetação,  com a qual recebia os amigos e amigas, e ainda os amigos e amigas das filhas, em almoços pantagruélicos, nos quais revelava outra de suas facetas - a de quituteira de mão cheia. Uma convivência pontual, mas o suficiente para nela identificar as virtudes pelas quais se notabilizou, com ênfase para a coragem moral que sempre exibiu diante das vicissitudes da vida. Na sua discrição, ela traduziu a dignidade que foi um dos seus traços marcantes, jamais permitindo-se inspirar a comiseração, quando a vitimização poderia ser conveniente.
Impressionou-me em Aurora, em particular, a sua dedicação como mãe. Dedicação expressa inclusive na opção de não protelar a decisão de ser internada na UTI, onde, extremamente debilitada, acabaria por morrer. Uma decisão que tratou de não dramatizar, certamente na preocupação de não agravar a natural preocupação das filhas. Filhas que amou com o desvelo de uma mãe coragem. Não por acaso, perspicaz como era, tratou de poupá-las da dolorosa despedida final, ao tratar com troça a internação na UTI, ao pedir uma selfie.
Aurora fará muita falta aos que lhe foram caros. E também aos quais era cara, ainda que dela não fossem necessariamente íntimos. E falta fará, em particular, a Tarsila e Tâmara, o que nos remete aos versos do mestre Drummond, no poema “Para sempre”:

“Fosse eu Rei do Mundo,
“baixava uma lei:
“Mãe não morre nunca,
“mãe ficará sempre
“junto de seu filho
“e ele, velho embora,
“será pequenino
“feito grão de milho.

O alento, em se tratando de pessoas como Aurora, é que viver para os que ficam não é morrer.

Um comentário :

Unknown disse...

Que belo texto!!!! Obrigada pela homenagem. Jamais esquecerei.