As estrelas, dizem, só brilham no céu.
Sorte, porém, teve quem gozou do privilégio de usufruir da luz emanada por
Aurora Guimarães, que nos deixou prematuramente nesta segunda-feira, 9, na
esteira de graves problemas renais. Uma baiana que fez do Pará sua terra de
adoção, ela foi um paradigma de ser humano da melhor qualidade e de mãe exemplar, capaz de
substituir a pressa pela serenidade, o impulso pela reflexão, a ambição pela
generosidade. Para além da comovente dedicação ao magistério, capaz de fazê-la lançar
mão do próprio dinheiro para suprir as carências dos alunos, Aurora, com a
discrição que lhe era própria, dedicou-se incondicionalmente, e com leveza, ao
papel que certamente mais amou exercer – o de mãe.
Aqui não se trata, diga-se logo, da
condescendência para com os mortos, dos quais só se fala para dizer o bem, como
recomenda a máxima latina. Trata-se de um registro sobre os predicados de quem
foi capaz de semear o bem na prática, que é efetivamente o critério da verdade.
Não surpreende, por isso, o legado de dignidade do qual são beneficiárias as
filhas, Tarsila e Tâmara, que reproduzem as virtudes de caráter da mãe, inclusive na lealdade aos amigos. Lealdade que em Aurora não excluia a franqueza que só os amigos verdadeiramente sinceros cultivam quando falam não o que gostaríamos de ouvir, mas o que precisamos ouvir.
Sem dela ser íntimo, tive a oportunidade de
conhecer menos superficialmente Aurora. Fui beneficiário circunstancial da elegância nata, sem afetação, com a qual recebia os amigos e amigas, e ainda os amigos e amigas das filhas, em almoços pantagruélicos, nos quais revelava outra de suas facetas - a de quituteira de mão cheia. Uma convivência pontual, mas o
suficiente para nela identificar as virtudes pelas quais se notabilizou, com
ênfase para a coragem moral que sempre exibiu diante das vicissitudes da vida.
Na sua discrição, ela traduziu a dignidade que foi um dos seus traços marcantes,
jamais permitindo-se inspirar a comiseração, quando a vitimização poderia ser
conveniente.
Impressionou-me em Aurora, em particular, a
sua dedicação como mãe. Dedicação expressa inclusive na opção de não protelar a decisão
de ser internada na UTI, onde, extremamente debilitada, acabaria por morrer. Uma decisão que
tratou de não dramatizar, certamente na preocupação de não agravar a natural
preocupação das filhas. Filhas que amou com o desvelo de uma mãe coragem. Não por acaso, perspicaz como era, tratou de poupá-las da dolorosa despedida final, ao tratar com troça a internação na UTI, ao pedir uma selfie.
Aurora fará muita falta aos que lhe foram
caros. E também aos quais era cara, ainda que dela não fossem necessariamente íntimos. E
falta fará, em particular, a Tarsila e Tâmara, o que nos remete aos versos do
mestre Drummond, no poema “Para sempre”:
“Fosse eu Rei do Mundo,
“baixava uma lei:
“Mãe não morre nunca,
“mãe ficará sempre
“junto de seu filho
“e ele, velho embora,
“será pequenino
“feito grão de milho.”
O alento, em se tratando de pessoas como Aurora, é que viver para os que ficam não é morrer.
O alento, em se tratando de pessoas como Aurora, é que viver para os que ficam não é morrer.
Um comentário :
Que belo texto!!!! Obrigada pela homenagem. Jamais esquecerei.
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