quarta-feira, 4 de março de 2009

IMPRENSA – Reflexos da crise

Com a autoridade de quem é um profissional de competência e experiência reconhecidas, além de se notabilizar pelo seu destemor em defesa das liberdades democráticas, o jornalista Milton Coelho da Graça revela os bastidores da crise que se abate sobre O Dia, do Rio de Janeiro, ao revelar que a partir do próximo dia 15 o jornal passará a circular na forma de tablóide. Na mesma matéria – veiculada no site Comunique-se (www.comunique-se.com.br) - ele analisa os factóides plantados nas colunas da grande imprensa brasileira.
Segue, abaixo, a transcrição da reflexão de Milton Coelho da Graça.

Mais um vira tablóide: O Dia

Milton Coelho da Graça *

No próximo dia 15, O DIA, até a década de 50 o jornal de maior circulação no Rio, estará nas ruas de roupa nova: para economizar custos (principalmente papel), adotará o formato tablóide, com o mesmo preço (recentemente aumentado) de R$1,20. Seu companheiro mais popular - MEIA HORA - continuará a 60 centavos.
Para enfrentar o sucesso do EXTRA, que procurava "roubar" seu público, O DIA buscou a estratégia de melhorar o nível do jornal e, ao mesmo tempo, lançar o MEIA HORA para enfrentar o EXTRA. MEIA HORA é um sucesso - está hoje entre os cinco ou seis jornais mais vendidos no Brasil. Mas O DIA iniciou um mergulho, não conseguindo sequer incomodar O GLOBO "em cima" e, ao mesmo tempo, ser canibalizado "em baixo" pelo MEIA HORA, além do EXTRA.
Com formato tablóide mas diferente do MEIA HORA (que é quase quadrado, 32x28cm, exatamente metade de O DIA, e em projeto gráfico de André Hippert, O DIA joga o que poderá ser sua última carta pela sobrevivência. As dificuldades da empresa vêm se acumulando há mais de um ano com a crise global, a queda da receita publicitária e também da circulação.
Mas vamos torcer pelo sucesso do novo tablóide e os muitos empregos que ele representa.

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Pode ser verdade mas talvez não seja

Relações entre colunistas (de todas as naturezas) e fontes sempre tiveram característica diferente daquelas cultivadas por outros jornalistas.
Uma repórter como Ramona Ordoñes, do O GLOBO, com muitos anos de experiência na Economia e, particularmente, na área de petróleo, sabe tudo, conhece todo mundo e, melhor, sabe quem sabe o que ela não sabe. Com pequena dica, corre atrás e tanto pode produzir uma materinha para o dia ou uma grande e completa série ou dominical. Com décadas de ralação, ela sente o cheiro de marreta ou "plantação" em qualquer informação passada por interessado ou assessor.
Já para o colunista - diário ou semanal - o desafio principal é preencher aquele espaço determinado. Governos e empresas gastam cada vez mais dinheiro para conseguir divulgação de produtos e atividades, não somente com publicidade mas, principalmente com jeito de "notícias". Ele até pode sentir o cheiro de "plantação" quando um assessor lhe passa uma "exclusiva", mas acaba aceitando.
Vejam essas notinhas que estou inventando mas se parecem muito com outras que saíram recentemente em jornais ou revistas:
1. "O ministro Edson Lobão viajou ontem de Brasília para o Rio na cadeira P-5, lá atrás e no meio, imprensado entre dois outros passageiros gordinhos. Mas em momento nenhum pediu qualquer privilégio, disse à atendente da empresa aérea que era a qualquer outro passageiro."
2. "O presidente Lula e dona Marisa dormiram muito pouco na noite de quinta-feira passada, preocupados com o estado de saúde do vice-presidente José Alencar. Além de colocarem uma secretária em plantão permanente, também se revesaram em ligações para o hospital Sírio-Libanês, em São Paulo."
3. "O superempresário Eike Batista está preocupado com o desemprego no Brasil. E tem passado horas, sozinho em seu gabinete, comparando os números de vários países e a eficiência de cada medida de alívio tomada em nos países do G-20."
Uma ou até todas essas notícias - totalmente inventadas por mim - poderiam ser verdadeiras. Mas a verdade não é importante no caso. Outras, bem parecidas com essas, já foram publicadas em colunas de revistas e/ou jornais. E certamente todas foram passadas "só para você" por um dos ótimos e espertos jornalistas que trabalham como assessores de comunicação no Planalto, em outros palácios ou empresas.
Tá certo, Milton, como é que você prova isso? Bem, venho lendo teimosamente esses colunistas e recortando as notas "espertas". Por exemplo, após reunião super-reservada no Planalto, sempre aparece uma ou duas notinhas "exclusivas" sobre uma frase ou uma atitude do Presidente, que obviamente não poderia ter sido passada por ele mesmo nem qualquer outro dos participantes.
A sabedoria do assessor - ou malandragem, como cada um preferir - é exatamente essa, a de dar uma notícia boa para o assessorado e relativa a algo que, mesmo sem ter ocorrido, não possa - de jeito nenhum - ser desmentida. Para o colunista, resta o sabor da exclusividade, mesmo sem a preocupação da veracidade, seguindo o velho princípio italiano "se non è vero è bem trovato".
Leiam com atenção colunas de Folha, Globo, Estadão, Veja, Istoé, Época e identifiquem vocês mesmos os especialistas em "plantação".

* Milton Coelho da Graça, 78, jornalista desde 1959. Foi editor-chefe de O Globo e outros jornais (inclusive os clandestinos Notícias Censuradas e Resistência), das revistas Realidade, IstoÉ, 4 Rodas, Placar, Intervalo e deste Comunique-se.

Um comentário:

  1. é a realidade batendo à porta de todos.pé no chão pra nao morrer.

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