HOMENAGEM – A coragem de ser mulher

LÚCIA *

Recebi o convite do editor deste blog para manifestar-me sobre o Dia Internacional da Mulher,
Mas o que dizer sobre nós, mulheres da Amazônia, levando em consideração o momento em que vivemos e contextualizando o que temos lido (horrorizadas) nesse blog? É o que tentarei fazer.
Existe pelo menos um alento. Em nossa região começam a sair do invisível véu do desamparo meninas e mulheres assustadas, agredidas e subtraídas da sua mais singular essência: o ser mulher. Também pensei em mães que solidariamente vivem dias de pura dor. O que eu poderia dizer para homenageá-las?
Mulheres são turbilhões de sentimentos e desejos. Viver com dignidade é um deles e já é um bom começo. Para viver assim é preciso que tenham educação, trabalho, moradia saúde e proteção para si e para seus filhos e filhas. Sabemos que em relação à proteção somos imbatíveis. Únicas na espécie humana. Mas, precisamos do amparo e apoio incessante da sociedade e do Estado. Infelizmente, neste aspecto estamos aquém de termos as oportunidades que merecemos. Muito mesmo. Em meio a essa busca incessante de consolidar nosso constitucional direito à cidadania, encontramos matizes de angústias que nos desnorteiam.
Mulheres são capazes de qualquer coisa para proteger suas crias em qualquer circunstância. Enfrentam tanques de guerra, servem de barreira para o fogo, transformam-se em eximias nadadoras quando o perigo é a água que quer levar seu rebento. Arriscar a vida por um filho nunca foi figura de linguagem para uma mulher. Por outro lado, manifestar postura inalterável diante de tomadas de decisões sempre foi um dos marcos da mulher que hoje consegue ver o mundo com seus próprios olhos. Subjugar-se, jamais.
Quanto ao poder heróico das mães, já vimos cenas desse tipo nos noticiários de TV quase todos os dias. Os exemplos citados acima são apenas uma pequena ilustração.
Considero importante lembrar que a incrível aventura que é a vida de uma mulher impõe desafios cada vez maiores. Cada um delineado pela realidade na qual está inserida. Em nossa região, para algumas mulheres e, independentemente de condição social, o desafio tem sido tentar protegerem-se da violência e proteger aos seus filhos e filhas de um predador muito conhecido - o homem. Não o homem no sentido valoroso da palavra, mas uma espécie que insiste em ainda existir e deveria ter uma outra classificação. São monstros. O que ainda é pouco para defini-los.
Nesses momentos, gostaríamos de ser muito mais para nossas crianças. Mais do que somos. Queríamos nossos braços como tentáculos para protege-los ao menor sinal de perigo. Sabemos, portanto, da impossibilidade deste sonho dourado de mãe. Quando nos ocorre, porém, o sentimento de dor, a dor da indignação e da revolta, então é melhor que todos estejam muito atentos. Diante da impossibilidade de poupar nossos filhos de todos os riscos, quando a maldade de alguns os cercam, sem que tenhamos percebido antecipadamente, surge em nós algo parecido com o que ocorre às feras incontidas. A partir daí, nada é obstáculo. Nada nos amedronta. No único objetivo de salvar nossas crias, enfrentamos tribunais, plenárias, holofotes, poderosos e canalhas. Venham eles de onde vierem. Tenham o dinheiro ou a inserção que tiverem, nada nos detém. O medo, não é motivo para recuar. O amor é a nossa mais letal das armas. Mas tem algo que não podemos esquecer nessa trajetória de mulher. As meninas. Envoltas na indiferença de muitos que deveriam protegê-las e que, pelos motivos que sabemos existirem, ficaram expostas sem mães, sem avós, sem tias, sem uma única espécie igual a sua para ampará-las. Expostas, são alvos fáceis para aqueles que enquadram-se naquela categoria de monstros para os quais, em certas ocasiões, o gênero é indiferente.
Nossas esperanças são aquelas mulheres que, ao somarem-se aos homens (aqueles de verdade) tentam agir. São assistentes sociais, psicólogas, delegadas, médicas, parlamentares, jornalistas, pedagogas, donas de casa. Os canalhas tentam ridicularizá-las e intimidá-las. Em vão.
Não é fácil nos calar. Somos mulheres de unhas pintadas, cabelos cuidados, com estojos de maquiagem desarrumados na bolsa, com cremes que não conseguimos terminar de usar no obsessivo cuidado com a pele. Somos mulheres que se deparam com tantos desafios no local de trabalho, mas somos capazes de voltar para casa e cuidar do jantar das crianças, tomar a lição de casa e chorar, ligar para a amiga e chorar pelas mães, pelas meninas, pelo meninos que não conseguiram proteger. Pensando nisso, somos capazes de nos superarmos, enxugar as lágrimas e, driblando aquela mesma impotência sentida pela mãe da filha agredida, reabilitar-se.
Por todos esses motivos é melhor nunca confundir: monstros e mães-feras são feitos de matérias-primas bem diferentes. Aqueles se desfazem no primeiro tombo, estas, só se agigantam e, a cada perigo iminente, sabem muito bem o que fazer.
Um maravilhoso oito de março.

* Lúcia é uma colabora anônima deste blog.