domingo, 12 de abril de 2015

BROSSARD – Morre o democrata destemido



Morreu neste domingo, aos 90 anos, em sua casa em Porto Alegre, o ex-ministro do STF, o Supremo tribunal Federal, Paulo Brossard, o respeitado jurista gaúcho, que foi também ministro da Justiça, no governo José Sarney, e se notabilizou nacionalmente, durante a ditadura militar, como um destemido democrata. Orador brilhante, Paulo Brossard de Sousa Pinto, seu nome de batismo, pontificou no Congresso Nacional inicialmente como deputado federal, eleito em 1966, e posteriormente como senador, eleito em 1974, ambas as vezes pelo MDB, o Movimento Democrático Brasileiro, do qual é sucedâneo o PMDB. No Senado, ele protagonizou memoráveis embates com Jarbas Passarinho, do PDS, o Partido Democrático Social, que sucedeu a Arena, a Aliança Renovadora Nacional, como legenda de sustentação parlamentar da ditadura militar, em um Congresso cerceado pelo regime dos generais.
Para além do tribuno arrebatador, Brossard foi um exemplo de comovente coragem moral, ao combater tenazmente a ditadura militar. No Senado, ele protagonizou uma passagem memorável, ao protestar contra a proibição da transmissão de uma apresentação do Balé Bolshoi pela TV Globo. O Bolshoi, a mais famosa companhia de balé do mundo, completava 200 anos e encenaria “Romeu e Julieta”. Uma superprodução liderada pela BBC de Londres, CBS americana e a Teleglob alemã enviaria para 112 países o grande espetáculo, protagonizado por 300 bailarinos. A TV Globo anunciou durante semanas a atração e, um dia antes da exibição, recebeu um comunicado da censura federal proibindo a transmissão, a pretexto de que o espetáculo seria “subversivo”. O Bolshoi, recorde-se, é um balé russo e a Rússia fazia parte da então União Soviética, cujo regime era comunista. A censura proibiu a TV Globo não só de transmitir o espetáculo, mas também de divulgar que a transmissão havia sido proibida.
Dias depois Brossard ocupou a tribuna do Senado e incendiou o plenário com um discurso inflamado, denunciando a patética censura. Assim o Brasil ficou sabendo que a ditadura havia censurado o balé e proibido a TV Globo de revelar que o espetáculo estava proibido. "(…) O Ballet Bolshoi, sabem os menos incultos, é uma respeitável e secular instrumentação internacional de dança. É tão marxista quanto o seria Leon Tolstoi, e o germe da subversão comunista está presente nos compassos de sua dança como poderia estar vivo nas barbas do Czar Nicolau II. Sem medo de exagero, pode-se garantir que ele é tão soviético, quanto Shakespeare é inglês. Quer dizer: trata-se de um patrimônio cultural da humanidade que não pode ser aprisionado pelo realismo socialista lucakseano nem vai deixar de falar a linguagem universal da dança por vontade de  uma política, seja a nossa tropical, seja a temperada nas estepes da União Soviética(…)”, fulminou Brossard, em seu discurso. Hoje parece pouco, mas em tempos sombrios, como aqueles, o gesto exigia um exemplar destemor.
A editora L&PM publicou este discurso, juntamente com outros igualmente irreverentes e críticos do senador Brossard, menos de um mês depois de proferido, em livro intitulado “O Ballet Proibido”. “E quando foi aventada a hipótese de aprender o livro, nos agarramos a um eufemismo legal. O discurso estava já oficializado nos anais do Senado da República, portanto seria um grande escândalo proibir a manifestação de um senador que já havia se tornado pública por constar dos anais”, recordou o editor Ivan Pinheiro Machado, ao resgatar episódios de bastidores da L&PM. “E este desafio à truculência do governo transformou ‘O Ballet Proibido’ em um best-seller, a ponto de encabeçar por várias semanas a lista dos mais vendidos da revista Veja.”

O episódio é emblemático do dignificante exemplo de homem público que é Paulo Brossard. E da importância de seu legado, em época de degeneração moral e ética do poder, como ilustram o mensalão e o petrolão.

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