domingo, 24 de agosto de 2014

GETÚLIO – Crise com desfecho trágico


Lacerda, com Jango (acima) e JK (abaixo): vítima do golpe no qual
apostou, até a tardia reconciliação com os adversários históricos.

        Ao suicidar-se, aos 71 anos, Getúlio Vargas pôs um ponto final em seu terceiro e último período de governo e na crise político-militar que fustigava o Palácio do Catete. De acordo com o relato dos jornais da época, depois de várias horas de sucessivas discussões com ministros, militares e com a própria família, o presidente subiu aos seus aposentos. Naquela altura o palácio estava praticamente vazio.
        A frase que abre a carta-testamento, por ele deixada para a posteridade, é devastadora para quem lhe fez oposição. “Deixo à sanha dos meus inimigos o legado da minha morte.” E acrescenta, em comovente reverência às massas getulistas: “Dei-vos a minha vida. Agora ofereço a minha morte.”
        O jornalista Carlos Lacerda, que movia uma implacável oposição a Getúlio, por exemplo, viu sepultada, com a comoção popular provocada pelo suicídio de Vargas, o plano de ser catapultado para o Palácio do Catete pelos militares, sob o clamor da classe média. “Acabaram com a minha festa!”, teria exclamado Lacerda, no desabafo que lhe é atribuído e cuja autoria, embora a rigor incerta, passou como sua para a posteridade. Mas Lacerda, é verdade, jamais desistiu de sua ambição, até vê-la sepultada pelos militares que comandaram o golpe de 1964, do qual, ironicamente, ele foi um dos líderes civis. O Corvo, como ficou conhecido, em um apelido dado pelo jornal Última Hora e que a ele aderiu, fez carreira como golpista, até se tornar vítima de sua própria pregação.

        Após estimular um golpe branco e tentar adiar as eleições de 1955, Lacerda retomou sua catilinária golpista diante da perspectiva de candidatura do ex-presidente Juscelino Kubitschek, o JK, que ganha musculatura política como governador de Minas Gerais e acabou eternizado como Presidente Bossa Nova, pela sua bonomia pessoal, postura democrática e por investir no desenvolvimentismo. "Ele não será candidato; se for, não vencerá as eleições; se vencer, não tomará posse; se tomar posse não governará", proclamou Lacerda, em vão. O comunista da juventude, jamais formalmente aceito pelo PCB, que tornara-se um anticomunista radical, amargaria seu golpe de misericórdia com a ditadura militar instalada no Brasil em 1964. Após estimular e ajudar a viabilizar o golpe de 1964, quando era governador do recém-criado Estado da Guanabara, foi alijado pelos militares que ajudara a apear do poder o ex-presidente João Goulart, o Jango, e que posteriormente tirariam de cena JK. Ao se reconciliar com ambos, Jango e JK, mirando na formação de uma Frente Ampla, em 1968 - quando o regime dos generais despiu a máscara e se assumiu como ditadura, com a edição do AI-5, o Ato Institucional nº 5 - Lacerda teve seus direitos políticos cassados, tal qual ocorrera antes, no alvorecer do golpe militar de 1964, com Goulart e Kubitschek. E como estes, aos quais tanto vilipendiara e com os quais se reconciliou tardiamente, teve um fim de vida amargurado, mas com um agravante - foi vítima de si mesmo, da sua inescrupulosa ambição.

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