quinta-feira, 22 de outubro de 2009

BATTISTI – A nova manifestação de Tito

Nesta última terça-feira, 20, Sebastião Klautau, o Tito Klautau, enviou-me um e-mail, rebatendo a minha manifestação sobre a celeuma em torno da extradição de Cesare Battisti, na qual argumento que violência não tem ideal, é violência em qualquer lugar do mundo, em qualquer situação.
Segue abaixo, integralmente, a nova manifestação de Tito Klautau.

“Barata, no final de tua postagem ‘A Minha Resposta’ dizes: ‘Cabe a Tito, enfim, responder, após tantos questionamentos’.
“Em seguida coloco ‘A resposta de Tito aos questionamentos de Barata’.
“Inicio com uma pergunta: Sobre o caso Battisti, tens alguma outra 'fonte' além do jornalista Mino Carta, Diretor de Redação e proprietário da revista Carta Capital, ou achas que só ele ‘exibe um histórico de independência política que o faz sobrepor fatos a crenças ideológicas’?
“Tenho fontes que acredito também ‘sobrepõem fatos a crenças ideológicas’ e vou utiliza-las em minha resposta.
“Aliás, todo o material que utilizarei tu já possuis, pois estão nos vinte anexos que fazem parte do email a ti enviado.
“Vamos às fontes, ou melhor, aos fatos.
“Dalmo de Abreu Dallari, jurista e Professor Emérito da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, diz: ‘Há pouco mais de trinta anos, Battisti foi militante de um grupo político armado, de orientação esquerdista. O governo italiano da época, de extrema direita, estabeleceu o sistema de delação premiada, pelo qual os militantes que desistissem da luta armada e delatassem seus companheiros ficariam livres de punição. Com base numa delação premiada, Battisti foi acusado da prática de quatro homicídios, sendo condenado à prisão perpétua.
“Além de só haver como prova as palavras do delator, dois desses crimes foram cometidos no mesmo dia, em horários muito próximos e em lugares muito distantes um do outro, de tal modo que seria impossível que Battisti tivesse participado efetivamente de ambos os crimes.
“Alem desta contradição no julgamento de Battisti, outro dado revelador é a enxurrada de ofensas e agressões de ministros do governo italiano ao governo e ao povo do Brasil pela decisão do ministro Tarso Genro.
“Reagindo com extrema violência, o ministro do Exterior italiano convocou o embaixador brasileiro na Itália para exigir a mudança da decisão, ao mesmo tempo em que outros ministros fizeram ameaças de represália, inclusive de boicote da participação do Brasil em reuniões internacionais.
“A concessão do estatuto de refugiado a Cesare Battisti é um ato de soberania do Estado brasileiro e não ofende nenhum direito do Estado italiano nem implica desrespeito ao governo daquele país, não tendo cabimento pretender que as autoridades brasileiras decidam coagidas pelas ofensas e ameaças de autoridades italianas ou façam concessões que configurem uma indigna subserviência do Estado brasileiro".
“O jurista e professor Celso Antônio Bandeira de Mello, citado por diversos ministros do STF no julgamento do pedido de extradição de Battisti, diz: ‘Mesmo deixando de lado o fato de que a imputação de crimes de morte contra CESARE BATTISTI, em julgamento à sua revelia, assentou-se sobre depoimentos dos chamados 'pentiti', justamente os que dantes haviam sido condenados por este mesmo fato (que no julgamento anterior não lhe havia sido irrogado pela Justiça Italiana), é o rancor atualmente evidentíssimo em diversas manifestações provenientes de autoridades italianas, o que, não pode deixar de suscitar 'fundados temores de perseguição', identificados seja pelo ângulo objetivo ou subjetivo.
“Com efeito, um parlamentar italiano, da base de apoio ao Governo do primeiro ministro Berlusconi, manifestou-se em relação ao refúgio concedido afirmando 'não me parece que o Brasil seja conhecido por seus juristas (...entre os quais pelo menos nós brasileiros teríamos de incluir os Ministros do Egrégio STF...) mas sim por suas dançarinas'. Por mais críticas que se faça a nossos legisladores, dificilmente se imaginaria um parlamentar brasileiro dizendo - salvo se inspirado por um fortíssimo ódio e desequilíbrio emocional - que os parlamentares italianos eram mais conhecidos pela presença da atriz 'Cicclolina' em seus quadros do que pelo descortínio político...Nem se imaginaria pessoas de responsabilidade nos quadros políticos do Brasil dizendo, por exemplo, que o senhor Berlusconi é mais conhecido por suas aventuras amorosas com jovens do que por sua ressonância política, dado o fato da imprensa internacional divulgá-las com alarde.
“A frase do deputado italiano é, pois, bastante expressiva de um estado de ânimo que não inspira segurança de que, hoje, inexistam naquele país razões para 'fundados temores de perseguição'. Fosse um comportamento isolado, poder-se-ia supor um exagero na ilação dai extraída. Sucede, todavia, que esta foi apenas uma dentre muitas manifestações expressivas de um estado de espírito destemperado e flagrantemente desproporcional em relação ao caso CESARE BATTISTI.
“Com efeito, o ex-presidente da República Italiana FRANCESCO COSSIGA afirmou que 'o ministro da Justiça do Brasil disse umas cretinices' e que o presidente LULA era do tipo chamado na Itália de 'cato-comunista'. O vice-prefeito de Milão propôs um boicote aos produtos brasileiros 'como forma de pressionar o Brasil a reconsiderar a decisão' de refúgio a CESARE BATTISTI. O vice Presidente de Relações Exteriores do Senado da Itália, senador SÉRGIO DIVINA defendeu o 'boicote turístico ao Brasil'. O ministro da Defesa IGNAZIO LA RUSSA declarou que a decisão 'coloca em risco a amizade entre a Itália e o Brasil', ameaçou 'se acorrentar à porta da embaixada brasileira em Roma' e saiu à frente de uma passeata de protesto em Milão contra o refúgio a CESARE BATTISTI. Aliás, o próprio presidente do Conselho de Ministros Italiano, ROMANO PRODI, enviou carta pessoal ao presidente LULA, encarecendo a importância 'para o governo e a opinião pública da Itália que a extradição fosse deferida pelo Supremo Tribunal Federal'.
“Será que isto ocorreria se estivesse em pauta um crime comum? Ou, seria tratado de outra forma, isto é, com a serenidade da Justiça e das relações respeitosas entre as Nações, tanto mais sendo certo e sabido que, similarmente ao que ocorre em todos os demais países, existem dezenas de foragidos da Justiça Italiana pelo mundo afora, condenados por crimes comuns, onde a presença notória da Máfia exacerba o fenômeno?
“Há outros exemplos mais do mesmo clima de descontrolada fúria que poderiam ser citados mas parece desnecessário mencioná-los. Se estes não são suficientes para ilustrar um estado de espírito desmesuradamente falto de proporção e, em consequência obviamente justificador de 'fundados temores de perseguição', não haveria como reconhecer esta figura salvo se fosse explicitamente confessado pelas autoridades daquele país. De resto se o clima é este hoje, é de perguntar-se: como seria, então, à época do segundo julgamento do ora extraditado?".
“O jurista e professor Paulo Bonavides, um dos mais reverenciados constitucionalistas no Brasil, diz: ‘Cesare Battisti participou da luta política na Itália na segunda metade de década de setenta do século passado. Há mais de trinta anos, portanto. Foi preso em 1979 e condenado por pertencer a uma organização subversiva e pela prática de ações subversivas.
“Nenhuma delas delas envolvendo violência física. Em 1981, fugiu da prisão, refugiando-se no México e depois na França. Depois da fuga, foi julgado uma segunda vez, à revelia.
“Acusado por um 'arrependido', que se beneficiou da delação premiada, foi condenado por quatro mortes que teriam sido cometidas pela organização política a que pertencia. A essa altura, Cesare Battisti já se encontrava na França, onde recebeu abrigo político. Ali, trabalhou honestamente como zelador, tornou-se escritor reconhecido, casou-se e teve duas filhas. Jamais esteve envolvido em qualquer outro episódio de natureza política ou criminal.
“Da descrição acima, formei duas convicções. A primeira, a de que as circunstâncias do segundo processo impediram uma defesa adequada, havendo forte suspeita de que a sentença foi injusta. Condenar uma pessoa que já fora anteriormente julgada - sem ter sido sequer acusada de homicídio - em um segundo julgamento baseado em delação premiada e sem que se tenha defendido pessoalmente, parece-me inaceitável.
“Minha segunda convicção é a de que, independente da culpabilidade ou não, passados trinta anos, já não há mais qualquer sentido em mandar Cesare Battisti para a prisão.
“De tudo o que sei, vi e li sobre os anos de chumbo na Itália, considero acertada a decisão do ministro de Estado da Justiça, Tarso Genro, de conceder refúgio a Cesare Battisti, diante do fundado temor de que sua condenação tenha se dado em um ambiente de perseguição política. E, naturalmente, se a sentença condenatória pode ter sido fruto de uma perseguição política, sua execução nos dias de hoje consumaria irremediavelmente tal perseguição. Além disso, a reação exarcebada da Itália bem revelam que, ainda hoje, passados tantos anos, os ânimos políticos continuam exacerbados e os riscos de perseguição ainda subsistem.
“Ainda que não estivesse convencido - como estou - de tudo que vai afirmado acima, penso ser meu dever defender o ato do Ministro da Justiça, endossado pelo Presidente da República, como um ato de soberania nacional, que deve ser respeitado pela Itália, pelos outros países e pelos poderes constituidos no Brasil. Por essas razões, me alinho à posição manifestada pelo Instituto dos Advogados Brasileiros e pela Comissão de Assuntos Constitucionais da Ordem dos Advogados do Brasil, no sentido de defender a soberania nacional e a posição do Ggverno brasileiro. O refúgio deve ser respeitado e a extradição deve ser extinta."
“A arqueóloga e historiadora francesa Fred Vargas, escritora com oito livros publicados, diz: "Battisti não cometeu os crimes. O julgamento foi uma farsa. Seus advogados atuaram com falsos mandatos e se prestaram a um papel sujo. Ele foi condenado à revelia num processo totalmente viciado.
“A Itália viveu um período secreto nos anos de chumbo da década de setenta. A Anistia Internacional denunciou o emprego sistemático de torturas por dez anos. A justiça italiana guarda segredos inconfessáveis daquele período nebuloso, como o de usar 'arrependidos' como única prova para incriminar pessoas. Foi o caso de Pietro Mutti, chefe de uma facção do PAC (Proletários Armados pelo Comunismo) que incriminou Battisti para se safar.
“Em junho de 1978, o PAC matou Antônio Santoro (agente penitenciário acusado de maltratar presos políticos). Veementemente contra a execução, Battisti discutiu asperamente com Pietro Mutti, o maior defensor da mesma. Voto vencido, Battisti formou uma dissidência e estava fora do PAC quando forma cometidos os outros três assassinatos dos quais é acusado.
“As procurações que teriam sido assinadas por Cesare Battisti aos advogados são falsas, como demonstrado em perícia que está nos autos.
“Battisti foi condenado tão somente em razão das acusações do chefe do grupo, Pietro Mutti."
“O jornalista italiano Valério Evangelisti, muito bem conceituado nos meios intelectuais da Itália, diz: ‘Quanto a essência da questão sobre Cesare Battisti, tentemos recapitular - 1) uma investigação que nasce da confissão extorquida com métodos violentos; 2) uma série de testemunhos de elementos incapazes por idade ou faculdade mental; 3)uma sentença exageradamente severa; 4) um agravamento da mesma sentença devido a aparição tardia de um 'arrependido' que dispara acusações sempre mais graves e generalizadas, caindo em infinitas contradições.
“O quadro geral é de uma norma exasperada e que contribui para finalizar com um rápido sufocamento de um movimento social de grande importância, mais amplo que os fatos singulares.
“O direito moderno reprime os comportamentos ilícitos e ignora as consciências individuais. Declarar um arrependimento qualquer era típico de Torquemada na Inquisição.
“Não se pode liquidar assim um problema mais geral da saída de uma vez por todas, do regime de emergência, com as aberrações jurídicas que foram introduzidas na lei italiana."
“O jornalista Valdemar Menezes, do blog Cidadania, diz: ‘O julgamento do pedido de extradição do ativista político italiano Cesare Battisti está tendo desdobramentos políticos inimagináveis para uma democracia, chocando especialistas em Direito Constitucional, como Paulo Bonavides, Dalmo Dallari, Fábio Konder Comparatto e outros renomados juristas. O problema é que, segundo alguns críticos, o STF está tentando castrar a natureza do ordenamento jurídico brasileiro, elaborado pelo poder constituinte originário, chamando a si competências que não lhe cabem.
“Não se diga que sumidades investidas da toga suprema não tenham historicamente cedido à tentação ideológica. Pior, maculando-se moralmente. Uma das nódoas mais vergonhosas da história política do Brasil foi produzida, coincidentemente, pelo STF. Em 1936, a Corte negou habeas-corpus em favor da militante comunista Olga Brenário, mulher do líder brasileiro Luís Carlos Prestes, que estava grávida. Os ministros sabiam que a negação resultaria na entrega da prisioneira a Hitler, com toda probabilidade de ser executada (como de fato foi). Ora, na tradição democrática do Brasil, a extradição por crime político para Estado estrangeiro não é permitida, em especial, que o estrangeiro aguarda perseguição política no país de origem. Os ilustres magistrados de então não só fecharam os olhos a isso, mas escarneceram da defesa. Escárnio renovado hoje com a manutenção ilegal de Battisti na prisão, depois da concessão soberana de refúgio pelo Estado brasileiro. O protesto é do ministro Joaquim Barbosa. Reincidiremos?".
“Barata, estes são os fatos e opiniôes que me levaram a ter posição que tenho sobre a questão Cesare Battisti.
“Espero que respondam teus "questionamentos".
“Encerro este email voltando a dizer que meu objetivo é fazer com que a verdade apareça para o maior número de leitores possíveis.
“Não estou pretendendo discutir ideologias e nem posições políticas de aprovação ou rejeição a governos.
“Minha decisão de enviar o primeiro email para ti, e para Franssinete Florenzano, foi motivada pela conclusão de que voces tinham transmitido uma informação não baseada em fatos, mas sim em sentimentos pessoais, omitindo outra versão da questão, que é importante e está sendo muito mal tratada pela imprensa, como foi por voces dois.
“Este é o ponto central a ser discutido, a não ser que se queira discutir, como dizes, ‘o sexo dos anjos’.
“Desculpa a rudeza, mas acredito que ao concluíres que a discussão está fazendo bem aos leitores do teu blog, aceitarás as críticas.
“Espero que faças a postagem deste email no blog.
“Em tempo: gostaria de conhecer os ‘fatos’ que levaram o jornalista Mino Carta ter uma posição tão radical para a extradição de Battisti. Tenho lido bastante a revista Carta Capital e não encontro justificativas baseadas em ‘fatos’ que justifiquem tal posição, ficando claro que, para mim, a opinião de Mino Carta é puramente ideológica, no caso Cesare Battisti.
“Um abraço do Tito Klautau.”

3 comentários :

Anônimo disse...

Os "assassinos-políticos" da ditadura Pinochet estão, até hoje, sendo cobrados e penalizados.
Muito justo, afinal, tiraram vidas.
Mas quando é de esquerda, a coisa se torna surpreendentemente edulcorada.
Tudo passa a ser visto r-o-m-a-n-t-i-c-a-m-e-n-t-e...
Os mortos pela esquerda e direita, são os únicos que pagam por toda a estupidez, isso sim!

Anônimo disse...

Sobretudo, louvo a paciência e a generosidade de Klautau em escrever essas considerações neste espaço. Para alguma coisa de útil servirão; quer para o blogue, por hábito ou preguiça sempre esquálido de análises mais profundas, quer para os frequentadores, não poucas vezes em risco de saírem daqui mais leves de inteligência do que quando entraram.

Anônimo disse...

Nada, absolutamente nada que se fale sobre este caso escapará de uma visão pessoal, e aí digo, ideológica da pessoa, incluindo esse Klautau. A verdade...quem saberá???